Correio de Carajás

A cidade do bilhão e da vala

No mapa das riquezas nacionais, Marabá cintila. Não por suas praças ou por suas escolas exemplares, mas por cifras. Em 2025, o município paraense deve arrecadar cerca de R$ 1,7 bilhão. Só com os royalties da mineração ( a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM) são esperados R$ 175 milhões. Um orçamento que coloca Marabá entre os 110 maiores do país e entre os sete bilionários da Amazônia. Uma exceção em meio a tantos municípios pequenos e empobrecidos da região. Mas nem tudo que brilha é bem-estar.

A cidade das grandes cifras ainda tropeça em pequenos gestos de dignidade. Apenas 0,78% da população tem acesso à rede de esgoto. O esgoto dos outros 264 mil habitantes corre por entre quintais, valas e becos, encontrando seu caminho de volta para os rios sem nenhum tratamento. A água tratada chega a menos da metade da população – só 40% têm esse direito garantido. E mesmo o lixo, não é recolhido a contento em 15 mil domicílios. Uma cidade que transborda minério, mas deixa faltar água limpa e saneamento básico.

O contraste não poderia ser mais gritante. No papel, o orçamento é considerável. Mas sua distribuição escorrega por caminhos problemáticos. Quase 70% dos gastos com os chamados recursos ordinários – onde a CFEM está escondida – foram destinados, em 2020, a funções como administração (41,1%), assistência social (12,1%), segurança pública (9,2%) e urbanismo (6,7%). Quase metade foi consumida para manter a máquina funcionando, mas muito pouco em políticas públicas que tirem a população da lama. É muita máquina para pouca entrega. A máquina gira, mas a vida emperra.

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A lei federal que regula os royalties sugere que pelo menos 20% deles sejam usados para diversificar a economia, apostar em ciência, buscar um futuro além do minério. Em Marabá, essa meta seria algo em torno de R$ 35 milhões em 2025. Mas os dados mostram um esforço tímido: em 2020, pouco mais de R$ 1,5 milhão foi destinado à agricultura familiar, à olericultura, à mecanização leve. Ciência e tecnologia ficaram com pouco mais de R$ 80 mil. Diversificar o quê, com tão pouco?

O que se vê, ano após ano, é a manutenção da máquina sem politicas que melhorem a vida da população, a repetição dos mesmos projetos e o reforço da dependência mineral. O gabinete do prefeito, sozinho, consumiu mais de R$ 18 milhões em 2020. Já a ampliação e manutenção do aterro sanitário ficou com pouco mais de R$ 137 mil. Apoios sociais simbólicos, como cadeiras de rodas ou auxílio a entidades de base comunitária, mal chegaram a mil reais. E assim o município segue: opulento nos números, precário no cotidiano.

Marabá é uma cidade de contrastes que convivem com desconforto. De um lado, a locomotiva da arrecadação, puxada por vagões de minério. Do outro, bairros inteiros com ruas alagadas a cada chuva – num município onde só 16% da população conta com drenagem pluvial. Os mapas apontam zonas de risco de inundação. Os moradores já sabem disso sem precisar olhar mapa algum.

A cidade do bilhão é também a cidade da vala. A riqueza é real e aparece nos cofres. Mas a pobreza também é real – e está nos quintais, nas torneiras secas, nas crianças brincando ao lado do esgoto. Há algo de cruel na abundância mal distribuída, algo de cinismo no descaso calculado. O minério passa. A lama fica.

E no fim, Marabá continua como tem sido: rica para fora, pobre por dentro. Uma cidade que arrecada como metrópole, mas vive na pobreza. Porque entre o minério extraído e a água encanada existe um desvio – não de curso, mas de prioridades.

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.