Os desejos supérfluos do corpo, esses que se arrastam e insistem, têm algo de possessivo. Querem nos ocupar, querem nos fazer cair, nos arrastar para a imensidão de si mesmos. Colocar a carne em primeiro plano é um gesto de revolta silenciosa, quase mudo, contra o cansaço da alma que, por momentos, se ausenta, por momentos, se rende. E, ainda assim, ela não foge de todo. Permanece lá, no fundo, como quem tenta descansar de si mesma, a vida a todo instante, pedindo que se mantenha firme, que se mantenha correta. No entanto, o corpo se esgueira, como uma sombra fugaz, arrastando tudo – desejos, vontades, necessidades – em uma dança que não pede desculpas.
A alma, cansada de ser sempre assim, tão controlada, tão apropriada, começa a se esconder nas curvas do desejo. Ela se dissolve nessas escolhas feitas das entranhas, dessas pulsões que surgem como uma força natural, não apenas fisiológica, mas também quase filosófica, primitiva, e com uma honestidade cruel. O corpo, assim, ressurge com uma brutalidade inusitada. Uma paisagem melancólica se desenha no horizonte de quem sabe que amanhã, esse amanhã prometido, será sempre um pouco tarde, um pouco distante demais, e que a única verdade possível é o agora – um agora fugidio, um momento que escorre pelas mãos, como se fosse areia, incontrolável.
E, entre os gestos mais simples, há a gota de suor que desce pelo queixo. Nada de mais, uma coisa que nem se nota. Mas, ao mesmo tempo, é tudo. Essa gota, tão pequena e insignificante, parece conter em si toda a tragédia da vida – o lento, o pesado, o inevitável. É a lembrança de que caímos, e que cada queda nos faz mais próximos daquilo que tentamos ignorar: nossa fragilidade. O corpo, esse corpo que insiste em ser o lar da alma, nos ensina mais sobre a fragilidade da vida do que todas as filosofias que procuramos construir. Somos carne. E carne, ao final, nada mais é do que o palco das nossas quedas.
Leia mais:Essas contradições, que surgem como se não tivessem fim, nos testam, nos destroem e nos recriam. Nada parece fixo, nada é seguro. O que parece certo se dissolve diante do efêmero. O sonho, então, vira um pequeno luxo, um instante roubado ao tempo, que se dissolve no ar assim que o alcançamos. A vida é esse raro segundo em que nos sentimos completos, mas, como tudo o que é efêmero, desaparece, nos deixando vazios, buscando incessantemente algo que nunca encontramos.
E entre essas contradições, entre o corpo e a alma, resta apenas a carcaça. Esse corpo que se entrega, que se consome, que se perde e se acumula em marcas, dores, angústias, como se fosse um pequeno reflexo do que o coração vive. E é neste corpo que a alma se encontra, não com respostas, mas com uma estranha paz, essa que não é da virtude, mas da entrega. É a paz de quem, por um momento, finalmente se permite ser, sem máscaras, sem convenções, sem o peso da moralidade. Apenas existir.
Thays Araujo é jornalista e dá primeiros passos na arte de produzir crônica
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.