A quatro dias do prazo final para a definição das chapas, a maioria dos postulantes à Presidência da República ainda não conseguiu um vice para disputar a eleição em outubro.
Os partidos têm até este domingo (5) para realizar as convenções nacionais nas quais serão definidos os candidatos, as alianças com outras legendas ou até mesmo a neutralidade na disputa presidencial. O prazo para registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das chapas definidas até domingo é o próximo dia 15.
Para especialistas ouvidos pelo G1, trata-se de algo inédito. Entre os motivos, eles apontam cenário eleitoral indefinido; receio de exposição ao lado de políticos envolvidos em escândalos; pragmatismo (alguns potenciais vices não querem trocar uma possível reeleição como deputado ou senador por uma campanha majoritária incerta).
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- PSOL (presidente Guilherme Boulos; vice Sonia Guajajara)
- PSTU (presidente Vera Lúcia; vice Hertz Dias)
- Democracia Cristã (presidente Eymael; vice Pastor Helvio Costa).
Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Paulo Rabello de Castro (PSC) já foram oficializados por seus partidos como candidatos a presidente. Mas ainda correm contra o tempo para definir um vice até domingo.
Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Lula (PT), Manuela D’Ávila (PCdoB), Marina Silva (Rede) e Álvaro Dias (Podemos) ainda se encontram na condição de pré-candidatos, aguardando oficialização das candidaturas no fim de semana. Todos estão em busca de um vice.
Pelo menos três postulantes à Presidência já ouviram “não” como resposta a convites para preencher as vagas de vice.
- Jair Bolsonaro (PSL) – Líder das pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, é quem recebeu mais negativas. O senador Magno Malta (PR-ES) e o general da reserva Augusto Heleno (PRP) recusaram ser vice de Bolsonaro, que agora aguarda resposta da advogada Janaina Paschoal (PSL) ao convite para ser vice do capitão da reserva.
- Geraldo Alckmin (PSDB) – O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) também ouviu “não” do empresário Josué Gomes (PR), indicado pelo “Centrão”.
- Marina Silva (Rede) – O ator Marcos Palmeira (Rede) não aceitou ser candidato a vice na chapa de Marina Silva (Rede).
Em geral, explicam especialistas, um vice deve agregar à campanha algum diferencial em relação ao cabeça da chapa. Podem ser recursos para financiar a campanha ou potencial de votos em determinado setor ou região do país.
Para um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro, o deputado Major Olímpio (PSL-SP), os cenários regionais dificultam as coligações.
Ele lembrou que Bolsonaro chegou a discutir o apoio do PR, mas o partido acabou fechando com Alckmin no pacote do “Centrão”. Segundo Olímpio, palanques estaduais impediram o acordo.
O presidente do PDT, Carlos Lupi, diz acreditar que o principal empecilho para a definição dos vices são as negociações ainda em andamento das coligações.
“Você não tem vice se não tem o partido. Primeiro, tem que ter o partido para depois ter vice”, declara Lupi. Segundo ele, a definição do vice de Ciro Gomes será somente no domingo, último dia do prazo.
A coordenadora do bacharelado em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Márcia Dias, avalia que a dificuldade dos presidenciáveis em definir um vice é um detalhe periférico de uma crise profunda da democracia brasileira.
“A dificuldade na escolha do vice é somente a ponta do iceberg de uma crise sem precedentes que foi causada por uma série de fatores que questionaram a democracia. A democracia está questionada no Brasil. Ela não está sólida, está em seu ponto máximo de fragilidade”, afirma a professora, especialista em estudos eleitorais e partidos políticos.
Especialistas interpretam
Veja abaixo alguns motivos apontados por cientistas políticos entrevistados pelo G1 para a dificuldade dos presidenciáveis de encontrar vices:
- Fator Lula – A incerteza sobre a presença de Lula na disputa presidencial dificulta a definição do vice pelo PT e pelos demais partidos, dizem os cientistas políticos ouvidos pelo G1. Embora Lula esteja preso e possa ser impedido pela Justiça de disputar a eleição, a cúpula do PT mantém a estratégia de oficializar e registrar a candidatura e de afirmar que não há “plano B”. Para Eduardo Grin, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a insistência em bancar o nome de Lula afastou aliados históricos do PT, como o PCdoB. “Levar ao limite a candidatura de Lula é uma estratégia arriscada. Uma coisa é coligar com Lula e o PT, outra coisa é coligar com o PT sem Lula”, diz Grin. Professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a cientista política Maria do Socorro Braga afirma que a estratégia petista atrasou a definição de vices e coligações. “Como o espectro ideológico de muitos partidos é elástico, ficam todos esperando o que o líder nas pesquisas vai fazer. Isso também atrapalhou Alckmin e Bolsonaro”, observa a professora.
- Pesquisas eleitorais – Com o cenário indefinido, aumenta o risco para um vice que apostar em presidenciável que patina nas pesquisas. “Os resultados das pesquisas acabam tendo reflexo na escolha do vice. Se o candidato não deslancha, outros partidos temem apoiá-lo”, diz a professora Maria do Socorro Braga. Alckmin não passou de um dígito nas pesquisas, mas obteve apoio dos partidos do chamado “Centrão”. Ele aposta no tempo de TV que a coligação proporcionará. “Alckmin conseguiu o apoio do ‘Centrão’, então terá tempo de TV, recursos e capilaridade. Agora, terá de explicar a aliança com um grupo de partidos que tem integrantes entre alvos da Lava Jato”, adverte a cientista política da UFSCar.
- Pragmatismo – Eduardo Grin diz que as alianças são cada vez mais pragmáticas, na busca de certeza de participação em um próximo governo e na construção de palanques competitivos nos estados. Bolsonaro e Marina são filiados a partidos com pouco tempo de TV, que recebem fatias menores de fundo partidário e fundo eleitoral. Na avaliação de Grin, se o desempenho nas pesquisas não atraiu partidos tradicionais é porque as siglas apostam que as duas candidaturas não terão sucesso.
- Efeito Temer – O impeachment de Dilma Rousseff em 2016, com apoio do então vice-presidente Michel Temer, alertou neste ano os presidenciáveis para a necessidade de buscar um parceiro de chapa “confiável”, acreditam os especialistas. “É possível dizer que esse histórico recente gerou um ‘efeito Temer’, que é a busca por um vice confiável. No caso de Dilma, ficou evidente que é possível encontrar razões jurídicas para um impeachment, ainda que a decisão seja política”, disse Eduardo Grin. Na visão do professor da FGV, será difícil encontrar perfis “discretos e comportados” como os de Marco Maciel e José Alencar, vices de Fernando Henrique e Lula. “Existe a preocupação se o vice será um companheiro de chapa ou se no futuro poderá ser um opositor e criar problemas, buscando maioria no Congresso para afastar o antigo companheiro”, destaca a professora Maria do Socorro.
- Prioridade para a reeleição – Parte dos deputados e senadores prefere priorizar a reeleição ao Legislativo a se aventurar como candidatos a vice. Sem financiamento de empresas para as campanhas, com maior peso dos fundos partidário e eleitoral, o interesse para indicar um vice diminuiu, em especial se a legenda tiver que injetar recursos na campanha majoritária. Os partidos que apoiam presidenciáveis preferem canalizar recursos para eleições nos estados de governo ou Câmara.
- “Outsiders” desistem – As negativas de nomes de fora da política para integrar uma chapa presidencial como vice sinaliza um receio de manchar suas biografias, analisa a cientista política Márcia Dias. “Os presidenciáveis estão com medo de quem escolher, mas também as pessoas que não têm manchas na política não estão querendo correr o risco manchar seus nomes com processos que podem vir a comprometê-las”, diz.
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Vices no comando
Veja abaixo casos de vices que assumiram o mandato do presidente eleito:
- João Goulart (1961-1964) – Em uma época em que os eleitores brasileiros votavam separadamente para presidente e vice, o gaúcho Jango – afilhado político de Getúlio Vargas – foi eleito duas vezes para a Vice-Presidência. Em 1955, ele teve mais votos do que Juscelino Kubitschek, que foi eleito presidente. Na eleição de 1960, Jango foi eleito vice de Jânio Quadros. No ano seguinte, o gaúcho assumiu a Presidência com a renúncia de Jânio, porém, foi destituído do cargo três anos depois por um golpe militar.
- José Sarney (1985-1990) – Ex-governador do Maranhão, foi senador durante o regime militar. Filiado à Arena, partido pró-regime, migrou para o MDB para ser o vice de Tancredo Neves na eleição indireta de 1985. Com a morte de Tancredo às vésperas da posse, Sarney acabou assumindo o poder. O governo Sarney (1985 a 1990) foi marcado pela superinflação e pelo desabastecimento de produtos. Durante a gestão dele, foi proclamada a Constituição de 1988.
- Itamar Franco (1992-1994) – Ex-prefeito de Juiz de Fora (MG), foi eleito vice-presidente na chapa de Fernando Collor (PRN), em 1989, na primeira eleição com voto direto após a ditadura. Itamar assumiu o Planalto em 1992, após Collor renunciar para tentar se livrar de um impeachment. No mandato de Itamar, entrou em vigor o Plano Real. Após deixar a Presidência, Itamar foi embaixador em Lisboa e Roma, governou Minas Gerais e voltou ao Senado. Morreu em 2011.
- Michel Temer (2016-2018) – Um dos principais caciques do MDB, Temer se elegeu vice pela primeira vez em 2010, ao lado de Dilma. À época, além de comandar a sigla, presidia a Câmara. Com o poder que concentrava, impôs ao PT o próprio nome para vice. No primeiro mandato, teve papel discreto, porém, no segundo saiu em busca de votos para o impeachment após romper com o PT. Assumiu a Presidência em 2016 e decidiu não disputar a reeleição neste ano por conta da baixa popularidade.