QUANDO O PAI de Luizinho foi-se embora, foi bom. Acabaram as brigas com a mãe e os dias de esperar por quem não queria voltar pra casa também. E talvez nem fosse um monstro, nem fosse tão raivoso e desatencioso com os seus como nos parecia ser. Simplesmente, chegou o tempo de querer descasar. Desamou da esposa e palpitou por outra. De verdade, de verdade, chegou ao ouvido da abandonada que havia um filho torto que ele cultivava na Folha 29. Dois anos de idade. Ela despetalou-se e resolveu jogar a toalha.
MAS NA RUA em que moravam, no Bairro Laranjeiras, não havia só o caso do pai e da mãe de Luizinho nessa condição. Ninguém, nunca, imaginaria que um dia se separariam. Talvez em toda casa, houvesse alguma história de desarranjo amoroso. Casamento no restin de nada.
DONA ZENILDE, dos seios vistosos e bunda sobrando, dizia que não aguentaria tantin assim. Escarraria de casa o troço e iria viver a vida sua e dos filhos. Falava muito, mas na hora do vamos ver…
Leia mais:ELA NÃO TRABALHAVA fora há muito e havia deixado o Ensino Fundamental por ciúmes do machão. Dependia dele pra comprar até sonhos. E veja o que são as coisas e as voltas que o nó dá na corda. O homem dela enrabichou-se por uma bruaca. Enfeitiçou-se. Cegueira e desnorteio. De uma hora pra outra, perdeu o emprego e a mensalidade da escola dos meninos acumulou.
ZENILDE, AGORA DEFINHANDO a boazudice, desmilinguia-se de imaginar o homem dela com a muquirana. O beijo que não era mais seu. O acordar de manhã e a falta até da zoada que o ex-amor fazia por perder, todas as manhãs, as chaves do Fusca 82. Os filhos e as perguntas sobre coisas do pai que davam em choramingas infindas.
AS FOFOQUEIRAS emboanceiras da Laranjeiras que azucrinavam com entrançados mesquinhos. Isso, aquilo e aquilo outro. Um redemoinho. A cabeça dela girava mil vezes antes de dormir e quando acordava. Eram as piores horas do dia.
NO PERRENGUE DA TRAIÇÃO permaneceram por meses. Um estica e puxa, um disse-me-disse, berros, silêncios e mágoas doídas. Uma vontade de se matar ou desaparecer de tudo. Mas já havia entrado na fase do tanto faz. Ter um homem só por ter, tê-lo dentro de casa feito um estrangeiro? Talvez só por causa dos rebentos. Desculpa pra besta ouvir e continuar sendo égua. E ele um covarde! Desencantou-se? Então fosse, mala e cuia, viver com Rapunzel lá na Folha 33, onde ela descobriu que a bruaca morava.
MAS NÃO FOI ASSIM. O homem quebrado das economias, desempregado pra sempre, permaneceu em casa. Embora, toda sexta arrumasse a roupa num saco plástico do Mateus e sumisse. Passava o fim de semana com a outra e retornava na segunda-feira, bem cedinho. Voltava com compras de supermercado pra cinco ou seis dias. Era a fulana, cabeleireira do bairro. Compadecida da pindaíba deles, mandava o de comer e o dinheiro do papel da água e luz.
FOI INDO A VIDA desse jeito, engatada uma na outra. Modo estranho de ir levando e remendando o acontecer. A esposa só ficava calada.
DIA DESSES, o filho mais velho dela segredou-me que a vida do pai e da mãe continua de silêncios e resmungos, mas ele prefere assim do que a separação. Se perguntar para Zenilde, ela terá outra visão da história. Dirá que não sabe fazer nada na vida pra sobreviver, que os filhos ainda dependem dela, que considera o casamento acabado, mas que contentou-se com as migalhas de cada dia.
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira