Os habitantes do imenso Pará de 1.248.000 km² jamais imaginaram que um dia precisariam readaptar suas rotinas para se protegerem de uma ameaça invisível aos olhos humanos, mas que deixa um saldo de mais de 6.000 mortos em seu território, segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). Desde março, quando o primeiro caso de covid-19 foi confirmado em Belém, o Estado passou a tomar medidas para conter o avanço do novo coronavírus pelos demais municípios. Porém, a chegada dele a Marabá foi apenas uma questão de tempo.
O setor do comércio foi um dos que mais sofreram com o abre e fecha dos decretos municipais e estaduais, pois muitos dependiam do contato presencial com o cliente para funcionar, embora a tecnologia tenha se mostrado uma grande aliada para muitos empresários e empreendedores. Alguns, porém, não conseguiram se adaptar. A modalidade home office, que foi experimentada ineditamente por alguns negócios, provou-se case de sucesso para uma corretora de seguros em Marabá.
Presente há 17 anos no mercado, a empresa realiza uma atividade dinâmica, que mesmo antes da pandemia e todas as restrições, já fazia contatos remotamente, devido à flexibilidade do produto. No caso, os seguros. Diferente de uma loja varejista, o serviço oferecido pela corretora não atrai um cliente em potencial pela vitrine, e sim, através da instigação por parte do vendedor.
Leia mais:Apesar disso, muitos clientes ainda fazem questão de comparecer pessoalmente ao estabelecimento para ter o contato cara-a-cara, conversar olhando nos olhos do atendente, e sentir pela sua presença a segurança para adquirir o serviço. No entanto, a proprietária, Sueli Pianho, observa que nos últimos quatro anos, os atendimentos presenciais diminuíram consideravelmente.
“De 2016 para cá, a tecnologia foi entrando na casa das pessoas da mesma forma que entrou em nossa empresa. Eu percebo que os meus clientes mais jovens têm essa preferência por atendimentos remotos, principalmente por aplicativos de mensagens, que já estão até ocupando o lugar dos e-mails e telefonemas. Enquanto isso, o público mais maduro persiste no presencial, o que não deixamos de fazer, até a chegada do novo coronavírus em Marabá”, explica Sueli.
Enquanto grande parte dos empresários marabaenses levava a mão à cabeça ao encarar os prejuízos financeiros, a necessidade de fechar as portas de suas empresas e a insuficiência financeira para manter seus funcionários, Sueli procurou tirar o bom do ruim, pois considera que o flagelo da pandemia na economia marabaense foi inevitável para toda a classe, e a saída foi se adaptar. “O home office foi a solução para não pararmos as nossas atividades. Isso me surpreendeu, pois eu já tinha uma perspectiva que era possível trabalharmos remotamente, utilizando a tecnologia, porém, não imaginava colocar em prática. Fomos forçados a isso e prodigiosamente não tivemos nenhuma perda”, avalia a empresária.
SAIBA MAIS
Antes da mudança radical na configuração das atividades, a corretora atendia uma média de 10 clientes presencialmente, enquanto os outros mais de 200 eram tratados por e-mails, telefone ou aplicativos de mensagens.
Vale e outras empresas flertam com novo normal
A Reportagem do CORREIO levantou, junto à Associação Comercial de Marabá (ACIM), que várias empresas, principalmente de serviços, já vislumbram manter colaboradores em home office, mesmo após a pandemia.
Também questionamos a Vale, por meio de sua assessoria de Imprensa, e esta também aponta nesse sentido, mesmo que indiretamente, como vemos na nota abaixo:
“A Vale está enfrentando este momento desafiador da pandemia do COVID-19 com responsabilidade, disciplina e senso de urgência. Em todas as suas operações, a empresa adotou padrões de segurança de nível mundial como a adoção de regime de home-office para todos os empregados considerados nos grupos de risco e para os quais a função não requeira presença física nas unidades operacionais.
A empresa estruturou ainda um comitê global, multidisciplinar, que está estudando novas formas de trabalho para o cenário pós-pandemia, considerando as melhores práticas internacionais de saúde e segurança”.
Aplicativos como ferramenta de comunicação à distância
Organizar e coordenar a equipe para entrar nesse novo molde de home office não foi uma tarefa difícil, conforme Sueli Pianho julgou. Cada colaborador possui um laptop e um celular corporativo, e todos estão envolvidos no programa de gestão da seguradora, que funciona com o dinamismo da tecnologia, mas, mesmo assim eles receberam orientações. “Recomendei que eles separassem um cantinho em casa para trabalhar. Forneci mesas de escritório para quem não tinha e para não perder a essência da empresa, pedi que todos usassem os uniformes, até porque nós realizamos muitas reuniões por videoconferência, sejam internas ou com clientes”, conta Sueli.
Mesmo antes da pandemia, a equipe da corretora realizava uma reunião de planejamento semanal toda segunda-feira, pontualmente, às 8 horas, e mantiveram os encontros no home office, mas, agora com auxílio da tecnologia. “Era o momento mais alegre da semana, pois todos estávamos com saudade de nos vermos. Então, a empolgação era grande. Recebi muitos relatos de colaboradores dizendo que sentiam falta do contato, e foi aí que percebi que apesar das atividades poderem ser desempenhadas remotamente, o contato humano faz diferença no humor da equipe”, repara a gestora.
Os aplicativos de mensagens são muito utilizados como recurso de comunicação nas empresas, já que 72% das de menor porte utilizam-nos para contato com o cliente, segundo levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Na corretora de Sueli não é diferente e, além do relacionamento com o cliente, ele também é usado para diálogos profissionais, através dos grupos.
80% da equipe vai continuar remotamente
Mas o impacto do fechamento do comércio durou pouco, pois em junho, a Prefeitura decidiu decretar a abertura parcial do segmento e a categoria de Sueli foi contemplada. De lá até agosto, a empresa teve uma recuperação de 20% a 30% dos seus contratos, e ao fazer um balanço do período mais intenso da pandemia no município, garante que foi possível tirar mais prós do que contras de toda a situação.
“Confirmei que é possível usar um novo modelo de negócios com o uso da tecnologia, sem sofrer quaisquer alterações em nosso produto final. Outra coisa, quando não temos um ambiente totalmente físico, poupamos custos, e podemos reverter em outros agregadores, como uma capacitação para os meus consultores, porque meu ramo depende deles para funcionar”, avalia a gestora.
Além disso, adquirir novos programas para modernizar ainda mais essa dinâmica de trabalho remoto é um dos planos de Sueli, que os considera ainda um bicho-papão para empresários mais maduros, conforme brincou. “Ainda tenho muitos receios nessa parte, mas, conto sempre com meus colaboradores mais jovens para me orientar. Durante o home office, foi bem mais complicado, pois sozinha em minha casa eu tinha que me virar para baixar algum programa para participar de uma videoconferência e ficava perdida. Me senti desafiada a me modernizar, o que é muito bom”, reconhece.
E não para por aí, pois com a experiência vivida durante o home office, a empresária, com vistas ao futuro da sua corretora, planeja incorporar o modelo que utilizaram de forma excepcional, como efetivo, deixando 80% da equipe trabalhando remotamente e 20% presencialmente. A meta é que esse projeto seja colocado em prática a partir de janeiro de 2022, mas, até lá, muitas coisas precisam ser trabalhadas e planejadas. “É um projeto moderno e bem dinâmico, então, isso vai facilitar a nossa rotina. Não dá para ser 100% à distância porque ainda existem atividades que precisam ser feitas pessoalmente em equipe, além dos clientes que fazem questão do atendimento presencial. Porém, nosso setor comercial, que se beneficiará bastante com esse modelo, por exemplo, terá a liberdade de vir à empresa apenas quando sentir necessidade”, adianta Sueli.
Início foi complicado, mas me adaptei bem”
A modalidade de home office não foi aprovada apenas por Sueli Pianho, mas suas colaboradoras também sentiram os altos e baixos, e entre experiências vividas, apoiaram o novo modelo de trabalho. Gardene Dantas é uma das consultoras de seguro, mora com sua filha em um residencial e esteve em trabalho remoto no período mais crítico da pandemia. Ela reconhece que foram momentos interessantes, destacando como pontos positivos o conforto de sua casa e o tempo para experimentar coisas novas, como receitas para cozinhar. E pontos negativos apontou a ausência do contato com suas colegas de trabalho e o desânimo nos primeiros dias.
“Não senti tanta diferença em trabalhar em casa, pois nossa tarefa é muito virtual, tanto que as ferramentas de trabalho são laptop e celular. Nessa parte operacional, não senti dificuldade, o impacto foi maior na rotina, pois fiquei com saudade das minhas colegas e do ambiente de trabalho. Era como se fosse um segundo lar. Claro que teve vantagens, como não precisar fazer uma maquiagem mais elaborada, já que não haveria contato presencial com cliente, por exemplo, mas continuava vestindo meu uniforme normalmente, para lembrar a mim mesma que estava indo trabalhar”, descreve Gardene.
Aplicativos proporcionam aconchego à comunicação
Quando o assunto é contato com cliente, Gardene informa que os aplicativos de mensagens instantâneas foram essenciais para deixar a comunicação mais aconchegante. “Inclusive, fazia tudo parecer mais pessoal, nos perguntávamos como estava a situação, deixávamos que eles se abrissem, e com essa conversa os clientes viam nossa preocupação e reconheciam a necessidade de ter o seguro”, explica a consultora.
Gardene foi uma das colaboradoras que se esforçaram, como Sueli citou, para preservar os clientes. Em um dos atendimentos, ela relata que uma cliente da zona rural de Marabá, que pretendia não renovar o seu contrato, havia perdido o seu esposo em um acidente e ficou muito abalada emocionalmente. “Antes de tratar da negociação, eu procurei escutá-la, pois já era uma situação complexa por conta do isolamento, além da perda. Ela ficou muito agradecida pela preocupação e carinho que acabou continuando conosco”, comemora.
CONDENADA À EVOLUÇÃO
Para Sueli Pianho, a pandemia serviu como um pontapé para que Marabá ousasse a experimentar a tecnologia ao máximo, em um contexto onde a escapatória foi se modernizar e, com isso, caminhar para a inovação que perdurou mesmo após os momentos mais difíceis desse período. Sair da zona de conforto foi essencial ao empresário que investe em uma cidade polo que está ascendendo, segundo a empresária.
“Esse é o começo, não há para onde correr. A tecnologia está batendo em nossas portas e precisamos abraçá-la. Antes da pandemia, eu via que o pequeno empresário já se manifestava, com o e-commerce, com delivery, entre outras possibilidades. Claro, que essa alteração leva um tempo, requer uma mudança de pensamento, no entanto, o caminho é esse, Marabá está condenada à evolução tecnológica”, completa Sueli sorrindo.
Jovem vai ao game para evitar “cem anos de solidão”
Em março, o primeiro caso de coronavírus foi confirmado em Marabá e o comércio foi parcialmente fechado, com exceção dos serviços considerados essenciais pelo Estado, como supermercados, farmácias e panificadoras. Com o novo coronavírus e a necessidade do isolamento, a sociedade teve que se reinventar para combater a pandemia e continuar o trabalho, estudos e lazer, agora remotamente. E, além dos desafios durante o isolamento, uma parte das mudanças será mantida após a volta à normalidade.
O jovem Bruno Dias, de 24 anos, sempre curtiu passar seus momentos de lazer diante da televisão jogando os diversos role-playing games, RPGs, após chegar em casa do seu expediente como consultor de vendas em uma loja de departamento. Aos finais de semana, ele se reunia com seus amigos para fazer uma jogatina, onde passavam a madrugada duelando, cumprindo missões e outras dinâmicas que o modo de jogo permite.
Essa rotina mudou quando a Prefeitura de Marabá determinou que o comércio fechasse as portas e a loja em que Bruno trabalhava sofreu impactos financeiros a ponto de executar uma onda de demissões, que acabou levando o rapaz junto. Desempregado, ele passou a receber seguro-desemprego e o auxílio emergencial do Governo Federal para se manter, e seus momentos de diversão com seus amigos deixaram de acontecer, pelo menos, por um tempo.
JOGO CARO, FONE IDEM
“Ficando mais em casa, eu lembrei que meu videogame possui uma extensão por assinatura que permite jogar online com outras pessoas, desde que os demais jogadores tenham o mesmo game. Então, me veio a ideia de usá-la para retomar as jogatinas com meus amigos, já que não podíamos nos reunir. Custou R$ 150,00, que é o valor anual. Fiz pensando em quando o isolamento domiciliar acabasse, para continuar jogando dessa forma com eles”, explica Bruno.
Apesar da possibilidade de interagir com os jogadores, o jovem queria mais contato, fazendo o investimento em um headphone com microfone embutido, para conversar com os amigos. “Me custou R$ 269,00 e digo que foi um dinheiro bem pago, porque o tédio estava grande e ficar sem as jogatinas não dava”, comenta rindo ao lembrar-se da situação.
Foi o preço pago para livrar-se da condenação que lembra dos Buendía de Cem anos de Solidão, romance mais famoso de Gabriel García Marquez. Mas, voltando à realidade do Século 21, com tudo pronto, Bruno e seus amigos retomaram os seus finais de semana de lazer e estenderam para os dias de semana, já que muitos também perderam seus empregos ou ficaram em home office. Entre os meses de abril a julho, o isolamento domiciliar foi mantido, até que no começo de agosto a loja que o despediu entrou em contato com a proposta de recontratá-lo.
“Me senti tão aliviado, pois a oferta de empregos em Marabá não está muito boa, acredito que devido à pandemia. Aceitei e tive que mudar a rotina novamente. (Zeus Bandeira)