Centenas de produtores de leite do sul e sudeste do Pará, insatisfeitos com o viés de baixa do preço pago pelos laticínios, começaram um movimento que se espalhou feito rastilho de pólvora: reunidos em diversos grupos de Whatsapp, eles começaram a arquitetar uma paralisação do setor que começou nesta quinta-feira, 16, e tem previsão de continuar por tempo indeterminado.
As conversas, entremeadas de postagens religiosas e políticas, além dos cansativos “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, apontavam para uma greve caso as indústrias não revissem sua política de preços. A Reportagem do CORREIO teve acesso a um dos grupos de Whats e vasculhou as conversas que iniciaram há dez dias, que apontavam para a paralisação.
Em uma Circular divulgada ainda na quarta-feira, 14, a denominada Comissão Regional dos Produtores de Leite do Sul e Sudeste do Pará alertava proprietários ou gerente de Laticínios com a seguinte mensagem:
Leia mais:“A Comissão Regional dos Produtores de Leite do Sul e Sudeste do Pará, vem em respeito à relação comercial existente entre produtor e laticínio informar que a partir do dia 15/10/2020 estará suspenso o fornecimento do leite.
Que a presente decisão pela paralização dos produtores ora informada foi deliberada em assembleia com a participação de todos os produtores de leite.
ASSUNTO TRATADO:
1. reajuste do preço do litro de leite para o mês de outubro;
2. Reajuste mensal pela taxa de variação da média Brasil do CEPEA;
Os laticínios ora comunicados através da presente circular têm até as 18 horas do dia 14/10/2020, para nos informar sobre a deliberação do laticínio com relação à matéria em pauta.
O produtor rural Reginaldo Rocha Negreiros, vice-prefeito de Piçarra, é um dos líderes do movimento em seu município. Em entrevista ao CORREIO DE CARAJÁS nesta sexta-feira, 16, ele observou que a paralisação do fornecimento de leite foi extremamente necessária porque os laticínios baixaram o preço do leito de R$ 1,70 para R$ 1,50 em outubro e adiantavam que deveriam diminuir mais ainda o valor para novembro, podendo ficar a R$ 1,30.
A alegação dos laticínios, segundo o produtor, é de que o mercado não compra mais leite pelo preço de antes. “Mas não podemos aceitar esse valor. Assim, o negócio fica inviável”, adverte.
Em nota, a indústria Laticínios Sertanorte, localizada em Piçarra, afirmou o apoio à paralisação dos produtores, de forma que seja construtiva para o setor leiteiro. “Indústria e produtores precisam andar lado a lado e brigar juntos por seus interesses”, assegura o comunicado.
Ainda, afirma que o problema é a nível nacional e, para solução do tema, se declara a favor da paralisação em todo Brasil. “Quem dá as cartas finais sempre foi o mercado e jamais a indústria. E, como sempre citamos, ‘a lei da oferta é a procura”, declara.
SINDLEITE ARGUMENTA
Procurado pela Reportagem do CORREIO, Antônio Mauro Freire, membro da diretoria do SINDLEITE (Sindicato das Indústrias de Laticínio do Estado do Pará), argumentou que o produto com o qual trabalha é uma commodity, que sofre variações de preço de acordo com o mercado.
Explicou que no início da pandemia se comprava dos produtores o litro de leite a R$ 0,80 e o quilo de queijo a R$ 15,00. Mais recentemente, após a fase aguda da pandemia, ouve aquecimento e o quilo de queijo dobrou e foi a R$ 27,00. Enquanto isso, o litro de leite saltou de R$0,80 a R$ 1,70 nesta região. “Eu alertava que esse preço não existia e não se sustentaria. Agora, aconteceu uma queda brusca com o queijo. Baixou para R$ 22,00, diminuindo 16%. Tivemos de ajustar o preço, assim como aconteceu com o leite”.
Mauro volta a frisar que a queda do preço do leite não é culpa de laticínios, que não regulam o mercado. “Eu peço que os produtores mostrem comprovante de entrega de leite de março e abril, para ver como se pagava 80 centavos pelo litro”.
Por outro lado, ele minimiza a paralisação, garantindo que os fornecedores que deixaram de vendar não representam nem a metade dos produtores. “Ameaçaram tocar fogo em caminhão que fosse buscar leite”, conta.
Mauro avalia que houve “irresponsabilidade” por parte de alguns laticínios, que inflacionaram o mercado, oferecendo valores mais altos para comprar de pequenos produtores.
O SINDLEITE, segundo ele, conta com 22 laticínios associados nesta região, embora haja mais de 100 empresas deste segmento na região.
Por outro lado, disse que em Azul do Norte foi registrada ameaça a alguns frigoríficos e que os compradores chegaram a registrar boletim de ocorrência para se resguardar de possíveis ataques nas estradas vicinais. (Ulisses Pompeu)