Dois raios não caem no mesmo lugar? Não dê ouvidos a tudo o que lhe dizem. Em áreas de grande incidência, podem cair não somente dois, mas diversos raios. Prova disso é o Cristo Redentor, agraciado por seis raios por ano, em média, de acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Em Marabá, uma castanheira já foi vítima de dois raios no espaço de menos de dois anos. O primeiro caiu em 2013. Ela ganhou uma enorme “ferida”, perdendo grande parte do seu tronco. Muitos julgaram que estava morta, porque boa parte de suas folhas secou e os galhos murcharam. Antes de completar dois anos, um segundo raio se abateu sobre ela, conforme relatos da artista plástica Vitória Barros, que passa ao lado dessa castanheira todos os dias para chegar e sair de sua casa.
E a Reportagem do CORREIO fez fotos dessa mesma árvore em cada ocasião e retornou lá (pela enésima vez) nesta segunda-feira, 21 de setembro, Dia da Árvore.
Leia mais:Localizada dentro do condomínio homônimo (Castanheira), após o Aeroporto de Marabá, a árvore está no limite entre o asfalto do bairro e a estrada de chão que dá acesso à residência de Vitória Barros. Num raio de 400 metros há pelo menos outras nove castanheiras (há outra danificada por raio), mas a vítima dos dois raios é a que produz mais ouriços com castanha e, menos no período mais crítico, ela continuou a frutificar.
Nesta data emblemática, quando o Pantanal está pegando fogo e perdendo milhares de árvores, esta castanheira quase solitária nos deixa uma mensagem de resiliência.
Para saber como essa castanheira sobreviveu a dois raios, a Reportagem do CORREIO recorreu a dois especialistas no assunto, sendo um da Uepa e outro da Unifesspa.
Um deles foi Karen Cristina Pires da Costa, engenheira florestal e professora do curso de Agronomia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que tem se dedicado ao estudo da silvicultura de espécies nativas da Amazônia, com ênfase em Bertholletia excelsa (castanheira-da-Amazônia), avaliou as imagens e disse que parece incrível que a castanheira tenha sobrevivido a dois raios e continue produzindo frutos mesmo com parte de seu tronco comprometida.
“Mas ela é uma planta muito plástica, com capacidade incrível a se ajustar a mudanças que podem acontecer no ambiente, de modo a favorecer sua sobrevivência. Ela acaba mudando os aspectos das raízes, morfologia, massa, folhas e até da madeira. Quando ocorre diminuição da disponibilidade de água, alagamento, ou até mesmo num caso como este, que nunca estudei, muitas dessas mudanças morfofisiológicas podem ajudá-la a sobreviver e produzir em condições extremas, como a demonstrada nas fotografias que analisei”, disse.
O professor Luiz Eduardo Melo, do curso de Engenharia Florestal do Campus da Uepa em Marabá, também avaliou as imagens da castanheira em questão e disse que é muito comum árvores serem atingidas por raio, principalmente em locais abertos, como a que é objeto desta matéria. “Quanto mais alta ela for, maior a incidência de raios”, destacou.
O professor esclareceu, também, que a seiva que circula dentro das árvores, é melhor condutor de eletricidade do que o ar, o que estimula a atração dessas árvores por raio. “Sim, um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar e há uma tendência de isso acontecer dadas as circunstâncias, dependendo da quantidade de seiva que está circulando naquele momento específico da tempestade; depende também da profundidade da raiz”.
Segundo ele, os danos provocados por raios sobre uma árvore variam muito. Alguns são imperceptíveis aos olhos humanos, mas outros são mais severos e podem ocasionar quebra de galhos, mas isso também está relacionado ao nível de umidade que existe no tronco. Quanto mais umidade, maior o dano, porque a água que está dentro do tronco tendo a entrar em rápida ebulição. “Isso acontece muito quando se deixa castanheiras sozinhas em pastos ou em áreas descampadas, como parece ser o caso dessa da foto”.
Como a castanheira em questão está próximo a residenciais, a sugestão dele é a instalação de para-raio às proximidades, para evitar danos à árvore e aos moradores. (Ulisses Pompeu)