Diferentes representantes de órgãos públicos do meio ambiente, universidades, organizações não-governamentais e voluntários se uniram em uma força-tarefa para tentar fazer uma estimativa do número de animais mortos pelas queimadas no Pantanal, que já consumiram mais de 2,9 milhões de hectares na região.
As ações em campo começaram há 10 dias, primeiro em Mato Grosso, e, nesta semana, em Mato Grosso do Sul. Diante do cenário emergencial, o mutirão teve pouco tempo para definir a equipe e elaborar um protocolo padronizado para todas as instituições envolvidas. As coletas serão realizadas enquanto durarem os incêndios e os resultados serão depois publicados em periódicos científicos. Há também o objetivo de informar o público geral.
“Este é um trabalho sem precedentes no Pantanal e muito importante pela união de diversas instituições em prol de um mesmo objetivo”, aponta Diego Viana, pesquisador do Instituto Homem Pantaneiro, e responsável pelas ações de campo em MS.
Leia mais:Os levantamentos são feitos ao longo de transectos (linha através de uma faixa de terreno), de até 1km, a partir dos quais as carcaças observadas são registradas via aplicativo, com data e coordenadas geográficas. A distância perpendicular de cada carcaça à linha de referência também é catalogada. Isso permite a modelagem para a estimativa da densidade de animais mortos. O trabalho precisa ser executado em até 72 horas depois da passagem do fogo, já que as ossadas podem desaparecer.
Essa técnica de levantamento já foi utilizada em outros biomas, como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia. A diferença é que antes ela era usada para animais vivos e saudáveis. Agora o objetivo é contabilizar as carcaças de animais atingidos pelos incêndios. Dessa maneira vai ser possível expressar o impacto das queimadas nas populações do Pantanal.O levantamento envolve no momento 20 pessoas, atuando principalmente em Mato Grosso. A situação é considerada mais crítica no estado, que já perdeu 1,2 milhão de hectares. Apesar de ter um território maior da savana alagada, Mato Grosso do Sul foi menos impactado e os focos de incêndio no estado tinham sido reduzidos pelas chuvas mais recentes. Porém, recomeçaram nos últimos dias.
O trabalho conta com representantes do projeto Bichos do Pantanal, da ONG Panthera, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), do Instituto Homem Pantaneiro, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre outras instituições. A unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Pantanal tem atuado na elaboração dos protocolos e na análise dos dados coletados.
O Pantanal vive o seu pior ano em termos de queimadas desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou o monitoramento, em 1998. O fogo já consumiu mais de 20% de todo o bioma, destruindo o equivalente a mais de 10 vezes as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo juntas.
As amostras iniciais tiveram o predomínio de pequenos mamíferos e serpentes. Os animais menores são pegos facilmente pelo fogo porque seu deslocamento é curto e lento. Os de maior porte têm maior chance de fugir, principalmente para áreas úmidas ou próximas aos rios, se não forem cercados pelas chamas ou queimados nas patas pelo fogo que arde por baixo da vegetação. Mas em áreas em que há pouca água, praticamente nenhuma espécie consegue escapar. Já foram encontradas mortos jacarés, onças e antas.
Em números gerais, o Pantanal tem cerca de 2 mil espécies de plantas, 580 de aves, e 280 de peixes, 174 de mamíferos, 131 de répteis e 57 de anfíbios. O número de invertebrados é desconhecido. O bioma também é refúgio para espécies ameaçadas de extinção que vivem em outras regiões. O projeto Bichos do Pantanal estima que entre 30% e 35% das espécies de flora e cerca de 20% de mamíferos foram atingidos pelos atuais incêndios, com base em levantamentos anteriores.
“A gente está no meio do inferno. É uma das piores estações de fogo que já vimos ocorrer no Pantanal nos últimos 10 anos. De algumas semanas para cá tivemos uma diminuição dos focos de incêndio, mas foi porque tudo o que havia para ser queimado, já foi”, comenta Wilkinson Lopes Lázaro, doutor em ecologia pela UFRJ e pesquisador do projeto Bichos do Pantanal.
Como não fazia parte de um projeto formal anterior do governo, o levantamento não conta com uma linha de financiamento e enfrenta limitações de recursos, pessoal e logística. Algumas instituições, como o ICMBio e o INPP, colaboram com o apoio de funcionários e diárias. Há pesquisadores atuando de forma voluntária. Outros problemas são o trabalho sobrecarregado, a exposição a grandes quantidades de cinza e poeira e o risco de fogo subterrâneo.
A força-tarefa tem o apoio das polícias militares ambientais do MT e MS, de brigadistas do Prevfogo IBAMA e ICMBio, e voluntários que trabalham ou vivem na região, não só para o combater aos incêndios, mas também para capturar imagens dos animais encontrados. Essa colaboração ajuda na montagem da lista de espécies afetadas. A comunicação é constante entre os diferentes grupos porque as equipes de resgate de animais e de levantamento das amostras não podem acompanhar de perto os brigadistas na linha de fogo, por questão de segurança.
“É uma luta muito árdua, porque muitas das áreas que salvamos mês passado, o fogo dá a volta e está queimando agora. Muitas vezes o resultado de sucesso de um mês atrás está perdido. Os bombeiros já têm a infraestrutura de turnos, toda a rotina de equipes, de rendimento. Para o brigadista voluntário, o guia de turismo, fazendeiro, pesquisador, não tem turno. Vai depender da demanda. Houve vários dias de varar a noite, de 24 horas, 30 horas de combate. A gente não tem outra opção, não tem ninguém para substituir. A gente se dedica até a exaustão”, conta Fernando Tortato, biólogo pesquisador da ONG Panthera, que está atuando como brigadista voluntário no combate às queimadas.
A força-tarefa também pretende investigar como as queimadas estão impactando a vida aquática da região. Estudo do “Bichos do Pantanal” aponta que o Pantanal perdeu nos últimos 10 anos 17% da área em que havia água, cerca de 14 mil km2. A perda da vegetação marginal dos rios vai afetar a alimentação e o ciclo de reprodução dos peixes, que fazem parte da cadeia de outros animais.
A mortandade de peixes também deve crescer por causa do agravamento da “dequada” – fenômeno natural em que a vegetação aquática morre no recuo das águas (decomposição de muita matéria orgânica), o que causa o esgotamento temporário do oxigênio na água.
“A fauna toda vai ser impactada em função da alteração da qualidade da água. É interessante levantar essas informações agora, para elaborarmos estratégias para mitigar situações futuras como essa. Se não tivermos chuvas em 10 dias, a situação vai piorar ainda mais. O ambiente pantaneiro é muito dependente do ciclo da chuva. Estamos perdendo água no Pantanal, e isso é preocupante. O Pantanal é sinônimo de água”, diz Claumir Muniz, doutor em ecologia e recursos naturais e professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT).Pesquisadores afirmam que as mudanças climáticas vêm agravando as queimadas no Pantanal, que já é uma região na qual o fogo faz parte do funcionamento natural do ecossistema. A ação humana, com o uso do fogo para manejo da vegetação, pode estar acelerando esse processo e aumentando a sua intensidade, afetando diretamente a diversidade do bioma. Perícias iniciais apontaram que boa parte do fogo que vem destruindo o Pantanal foi provocado pelo homem. As previsões indicam que a frequência desses eventos extremos deve aumentar. Por outro lado, o ciclo das chuvas deve ser menor nos próximos anos
“Contar as carcaças dos animais mortos permite estimar o impacto dos incêndios. Essa informação tem um valor inestimável por informar numericamente o impacto desses eventos catastróficos, e assim sensibilizar a população em geral, mas também as autoridades, proprietários, gestores de áreas protegidas, sobre a necessidade de se adotar práticas de manejo que evitem esta sinergia entre eventos climáticos extremos e comportamento de risco ambiental”, explica o pesquisador Walfrido Moraes Tomas. (Fonte:G1)