“A Casa Belém era uma loja de tecidos finos e que logo fez uma clientela cativa, criando uma espécie de ‘terceira margem do rio’ (só para parafrasear o famoso conto de Guimarães Rosa mesmo)”.
Até o final da década de 1960, quando não havia estrada que ligasse Marabá ao resto do mundo, a via mais movimentada era a Avenida Marechal Deodoro (também conhecida como Marabazinho ou, atualmente, simplesmente Orla). Toda a vida comercial estacionava em frente ao Rio Tocantins, onde barcos chegavam e saíam dia e noite trazendo gente, cargas comerciais e fazendo da cidade uma das mais pujantes da região tocantina. Era lá, ao longo de menos de 1 km que se concentrava, também, as maiores e principais casas comerciais.
Lojas Pernambucanas, Nelito Almeida, Casa Contente, Casa Tibiriçá, além de praticamente todos os depósitos de castanha-do-pará, que por sua natureza já movimentavam muita gente durante o inverno, estavam estabelecidas em local estratégico, à margem esquerda do Rio Tocantins.
Leia mais:Mas, aos poucos, o comércio foi se deslocando para outras vias, sobretudo para a Antônio Maia, na década de 1970. Uma das primeiras da área de tecidos a apostar no comércio fora da Marechal Deodoro foi a Casa Belém, que pertencia ao casal Andrade e Tonica. Ficava localizada na Rua Barão do Rio Branco, onde hoje funciona o Hospital Santa Terezinha.
A Casa Belém era uma loja de tecidos finos e que logo construiu uma clientela cativa, criando uma espécie de “terceira margem do rio” (só para parafrasear o famoso conto de Guimarães Rosa mesmo).
Eu morava a poucos metros dali, na Travessa Lauro Sodré e, toda vez que minha mãe ia costurar roupas para minhas irmãs irem à Igreja, o destino era a Casa Belém para comprar os melhores tecidos. Como menino, eu sempre ia comprar aviamentos que faltavam e ia e vinha quantas vezes fossem necessárias.
Diziam que o casal era “mão de vaca”. Não tinham filhos e dona Tonica chamava o marido apenas de “Andrá”. Ela tinha uma horta que cultivava no fundo do quintal, mas também criava galinhas e – sem nenhuma cerimônia – colocava no balcão ovo caipira, manga e caju para vender, dependendo da safra. Não dava nada para ninguém.
A mulher vestia-se sempre elegante – mesmo que quase nunca saísse de casa – a não ser para os bailes de Carnaval, que o casal não perdia um. Sua costureira era a afamada Margarida Gomes, que tinha um ateliê que funcionava na Avenida Antônio Maia, em frente onde hoje é a Didiu Importados.
Tonica e “Andrá” não tinham filhos. Ela criou duas sobrinhas, uma delas de prenome Maria, que casou-se com João Maria Barros. Tinha vários irmãos aqui em Marabá. Seu Andrade eu não soube de parentes por aqui.
Como o casal era “seguro nas finanças”, para não dizer mão de vaca, o negócio prosperou bastante e atingiu seu ápice no final da década de 1970. Mas, o grande baque veio com a enchente de 1980. Quando perceberam a grandiosidade daquele “dilúvio”, os maiores comerciantes da cidade trataram de pagar embarcações para retirar as mercadorias às pressas.
Andrade e Tonica até que tentaram retirar seu estoque de produtos da Casa Belém e levá-lo para um ponto mais alto, no núcleo Cidade Nova, mas acharam o preço que o barqueiro cobrou muito alto para a mudança. E pagaram caro por isso, porque apostaram que o rio não atingiria seu comércio. A enchente foi ao teto e eles perderam tudo.
Os tecidos não prestavam mais para vender e nada restou para comercializar. A Casa Belém estava falida. Seu Andrade entrou em depressão profunda e morreu pouco tempo depois de passada a enchente. Dona Tonica, a mulher dos vestidos finos, não os tinha mais e mudou-se da imensa casa e foi viver com parentes. Um dia, cerca de seis anos depois, foi vista numa feira na Marabá Pioneira, fazendo compras: ovos, manga e caju, talvez. Estava vestida de chita, um tecido de terceira categoria.
(Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira