A divulgação dos resultados da primeira fase da EPICOVID19 reforçou a subnotificação de casos no País. O estudo, realizado entre os dias 14 e 21 de maio, revela que apenas uma em cada sete pessoas sabe que está doente com o novo coronavírus. Isso significa que, para cada caso confirmado de coronavírus nas cidades do Brasil, existem outras seis pessoas que não sabem da infecção e podem involuntariamente transmitir o vírus para outras pessoas. Curiosamente, Marabá aparece entre as 10 cidades com maiores índices de covid-19 no Brasil.
Até última atualização do Ministério da Saúde, o País tinha 374.898 casos confirmados e 23.473 óbitos pela doença. A metodologia consistiu em realizar testagens para 200 ou mais pessoas selecionadas por sorteio em 90 cidades brasileiras. Estes locais correspondem a 25,6% da população nacional e totalizam uma amostra de 54,2 milhões de brasileiros.
A Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) é referência brasileira e internacional na área de epidemiologia e está à frente do projeto, o maior estudo populacional sobre o coronavírus no Brasil. O médico epidemiologista pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) Marcelo Gurgel explica que as pessoas, por muitas vezes, desconhecem a condição e continuam circulando pelas ruas.
Leia mais:A baixa adesão ao isolamento social – única forma de minimizar o contágio do novo coronavírus – em algumas cidades também reforça o dado. A falta de um atendimento prévio, de testagens em massa, atrasos nos diagnósticos e as dificuldades do sistema público de saúde exercem pressão nos números. “Quem mais examina, notifica. Então se o estado referente testou pouco ou tem uma estrutura de saúde mais limitada, vai aparecer a manifestação da gravidade da doença em desfechos fatais”, explica.
Os resultados das 90 cidades não devem ser tidos como absoluto para o País, pois dependem da concentração de serviços de saúde e da dinâmica das cidades em relação aos cuidados contra o novo coronavírus. Há, por exemplo, cidades que recentemente saíram do bloqueio total – como é o caso de Belém – e outras que continuam em lockdown – como é o caso de Fortaleza. No caso, o mais importante do estudo é mostrar a subnotificação por regiões e o nível de prevalência da doença nos estados.
“Não é por acaso que o logotipo do EPICOVID19-BR remete a um iceberg. Os casos confirmados, que aparecem nas estatísticas oficiais, representam apenas a ponta visível de um iceberg cuja maior parte está submersa”, informam os pesquisadores no estudo, reforçando a necessidade da pesquisa para entender a real dimensão dos casos no País.
O estudo ainda aponta para a necessidade de as testagens não serem mais realizadas em milhares de pessoas, mas sim em milhões de residentes. “A subestimativa é muito grande e depende dos testes. Ainda assim, há margens de erros e de acertos que dependem do momento em que você faz o teste, além da qualidade da coleta”. A exemplo dos testes rápidos, que identificam se o organismo produziu anticorpos contra a doença e tem probabilidades de falsos resultados positivos ou negativos, é necessário complementar o exame com outros diagnósticos como o teste em RT-PCR e a avaliação do período de sintomas no ser humano.
Dentre as 15 cidades com maiores índices de prevalência da doença, 11 incluem a Região Norte, duas a Região Nordeste, duas na Região Sudeste, uma na Região Sul e nenhuma na Região Centro-Oeste. Segundo os pesquisadores, “esse resultado confirma o que já vinha sendo sugerido pelas estatísticas oficiais, de que a Região Norte tem o cenário epidemiológico mais preocupante do Brasil”.
A exemplo da Região Norte, a cidade de Breves (PA) a estimativa é de que 25 mil dos 103 mil habitantes da cidade estão ou já estiveram infectados com o novo coronavírus, com 24,8%. O segundo resultado mais alto foi observado em Tefé (AM), onde 41 mil dos 210 mil habitantes do município estão ou já estiveram doentes por Covid-19, com 19,6%. A amostra considera a estimativa de habitantes por área.
“Essas diferenças entre as cidades demonstram que existem várias epidemias num único País. Enquanto algumas cidades apresentam resultados altos, comparáveis com Nova Iorque (Estados Unidos) e da Espanha, outras apresentam resultados baixos, comparáveis a outros países da América Latina, por exemplo”, destacam os pesquisadores.
Ao todo, o projeto será realizado em três rodadas, com um intervalo de duas semanas entre cada uma. Durante a realização da primeira fase da EPICOVID19, equipes da pesquisa passaram por situações equivocadas. Em nota, a instituição divulgou que “em quase 40 cidades, os pesquisadores estão de braços cruzados, esperando autorização dos gestores municipais, num processo burocrático que pode causar prejuízo aos cofres públicos, visto que a pesquisa é integralmente financiada com recursos públicos”.
A universidade relata que entrevistadores do IBOPE, que atuou em conjunto com a instituição para o projeto, foram detidos e foi feito o uso de força policial contra os pesquisadores. “Trata-se de cerca de 2.000 brasileiros e brasileiras, que estão trabalhando para sustentar suas famílias, numa pesquisa que pode salvar milhares de vidas”, informou.
“Apesar de tudo, nossas equipes estarão em campo até a terça-feira, dia 19 de maio de 2020, para garantir que o maior estudo populacional sobre coronavírus do Brasil continue ajudando a salvar a vida de milhares de brasileiros”, encerra.
Confira as 10 cidades com maiores índices de covid-19
1º – Breves (PA): 24,8%
2º – Tefé (AM): 19,6%
3º – Castanhal (PA): 15,4%
4º – Belém (PA): 15,1%
5º – Manaus (AM): 12,5%
6º – Macapá (AP): 9,7%
7º – Fortaleza (CE): 8,7%
8º – Marabá (PA): 8,3%
9º – Rio Branco (AC): 5,4%
10º – Parintins (AM): 5%