Voz aguda, corpo esbelto e o sorriso de menina podem esconder, à primeira vista, o perfil incisivo de Renata Guerreiro Milhomem de Souza, uma juíza capaz de aplicar uma sentença dura contra malfeitores que praticaram o audacioso assalto contra a sede da Prosegur em Marabá, em setembro de 2016.
Uma das magistradas mais destacadas da atual “safra” do Fórum de Marabá, Renata Guerreira é a titular da 1ª Vara Criminal e chegou à cidade no ano seguinte ao assalto à Prosegur. Ela tem se destacado por prolatar sentenças com celeridade, mesmo que para isso leve para casa – periodicamente – processos para se debruçar à noite e aos finais de semana, fora do expediente em seu local de trabalho.
Paralelamente, a juíza tem se envolvido em projetos de cunho ambiental, como o Sarã, que visa recuperar áreas degradadas em ilhas turísticas de Marabá. A seguir, acompanhe entrevista concedida por ela à Reportagem do CORREIO esta semana:
Leia mais:CORREIO – De onde a senhora é e o que fez antes de ser juíza?
Renata Guerreiro – Eu nasci em Belém, em 28 de fevereiro de 1982. Desde criança, sempre sonhei ser juíza, como lembra minha mãe. Estudei Direito pela UFPA, depois fiz mestrado entre os anos de 2005 e 2007. Quando defendi minha dissertação já havia sido aprovada em alguns concursos. Tomei posse no cargo de advogada da Eletronorte e fiquei seis meses nesse cargo. Em 2008 eu tomei posse como juíza substituta no Tribunal de Justiça do Pará. Era bem jovem, tinha 25 para 26 anos.
CORREIO – Por onde atuou como juíza antes de chegar a Marabá?
Renata Guerreiro – Foi a partir desse concurso que eu, efetivamente, conheci o interior do Pará. Já tinha passado por algumas cidades, inclusive por Marabá, mas apenas turisticamente. Nunca tinha morado em nenhuma cidade do interior. Foi uma experiência muito nova e também enriquecedora porque conheci uma realidade que eu não imaginava, vivendo as dificuldades do nosso povo. A primeira comarca foi Conceição do Araguaia, depois fui para o Oeste do Pará e respondi por Santarém e outros municípios. Logo em seguida atuei em uma região mais próxima a Belém.
CORREIO – Qual a maior lição desse período inicial?
Renata Guerreiro – Nesse período de (juíza) substituta que eu andei por todos esses locais, cresci enquanto profissional porque aprendi o exercício da função, do cargo, mas também enquanto pessoa, sem dúvida. Acho que foi um crescimento muito bom para mim.
CORREIO – E quando chegou a Marabá, já como titular?
Renata Guerreiro – A primeira comarca como juíza titular foi São Domingos do Araguaia. Quando vim promovida, em fevereiro de 2017, já vim para a 1ª Vara Criminal.
CORREIO – Nesses três anos de atuação em Marabá, uma das sentenças mais marcantes foi o caso do assalto à Prosegur?
Renata Guerreiro – Eu acho que o da Prosegur talvez tenha sido a atuação de maior conhecimento pela sociedade por conta do impacto que o crime causou. Foi realmente um acontecimento de grandes proporções, eu diria, cinematográficas. A quantidade de pessoas envolvidas na prática do ilícito, o forte armamento empregado, a explosão, o tombamento dos caminhões na rodovia com incêndio. Então, era um crime de grande repercussão e a complexidade para nós, enquanto Poder Judiciário, de receber o material de prova, compreendê-lo e chegar a uma convicção racional que nos permitisse dar uma decisão que entendemos que era a adequada e correta, de acordo com a legislação.
CORREIO – Essa sentença (caso da Prosegur) teve quantas páginas?
Renata Guerreiro: A decisão original, em arquivo do Word, chegou às 190 páginas, mas nós reduzimos para efeito de publicação porque senão tomaria uma parte considerável do Diário de Justiça Eletrônico. Então, houve uma certa limitação, publicando o que de essencial havia, além da parte dispositiva, que é o que transita em julgado, em não havendo recurso.
CORREIO – Há quantos processos sob a sua análise, atualmente?
Renata Guerreiro – Atualmente, nós temos como acervo total aproximadamente três mil processos. Há alguns que permanecem suspensos, quando o acusado não é encontrado nos endereços que se dispõem nos meios de pesquisa.
CORREIO – Sabemos que é enorme a demora nas sentenças, por inúmeras situações. Mesmo diante desse cenário, a decisão no emblemático caso da Prosegur saiu em um curto espaço de tempo. É por pressão do CNJ?
Renata Guerreiro – Isso se dá por uma reunião de fatores. Na atualidade, quase todas as varas aqui na nossa comarca estão ocupadas por juízes titulares, o que nos possibilita gerir melhor a nossa unidade. Não precisamos, com essa formatação, se dividir em ‘mil e uma varas’ para dar conta do recado, embora vez ou outra precisemos substituir colegas que se ausentam (em razão de férias ou saúde). Mas sem dúvida, quando conseguimos responder de maneira contínua em uma mesma unidade, isso nos permite chegar à excelência da execução das metas superiores. Elas partem do Conselho Nacional de Justiça e nós temos o compromisso de atingi-las, isso é um estímulo na prestação de melhor serviço à coletividade.
CORREIO – Esse tipo de caso, ainda mais na proporção em que aconteceu, costuma causar alterações nas nossas emoções. Como foi lidar com tamanha pressão?
Renata Guerreiro – Eu posso te confidenciar, sem nenhuma vergonha em falar, que passei dez noites sem dormir direito na fase de sentença. Tudo isso por um compromisso pessoal. Eu precisava oferecer respostas à população e aos réus sobre um episódio de impacto na sociedade. Então, eu levava, sim, o processo para casa. Esse costume é comum entre os magistrados.
CORREIO – Como esposa e mãe, é difícil conciliar o trabalho com a família?
Renata Guerreiro – Essa é uma dura missão, mas eu consigo harmonizar essas atividades sim. Apesar de eu passar muitas horas fora de casa, procuro, com isso, deixar o exemplo aos meus filhos.
CORREIO – A senhora conta que iniciou sua trajetória na magistratura bem jovem. Como foi lidar com os desafios do cargo logo nos primeiros anos de exercício?
Renata Guerreiro – No início, nem as pessoas que entravam em uma sala de audiência acreditavam que eu era a juíza que conduziria o ato. E eu me sentia ainda muito insegura, porque a realidade da mulher é diferente, sabemos. A pergunta anterior, por sinal, atesta isso: um homem nunca seria questionado quanto à forma como gerencia casa e trabalho, porque a nossa sociedade vive sob a perspectiva patriarcal.
Esse panorama reconhece o homem, e apenas ele, como responsável pelo trabalho, devendo a mulher ser a encarregada do lar. Sobre os desafios, nós (mulheres) somos testadas cotidianamente. Somos questionadas sobre o nosso rigor ou equilíbrio nos trabalhos e sucumbimos às emoções, não tem como evitar. Tudo isso compõe a realidade da mulher, então temos que afirmar que somos, sim, capazes de executar um bom trabalho, com serenidade e leveza.
CORREIO – Muitos juízes passam pela cidade e não têm uma grande relação com as questões da comunidade, mas a senhora sempre participa de discussões de interesse social. Isso não afeta a imparcialidade do magistrado?
Renata Guerreiro – Eu vejo que essa é uma relação que precisa ser construída pelo magistrado com absoluto equilíbrio, porque se ele não conhece a realidade em que está inserido, de certo, encontrará dificuldade em realizar juízos que afetarão essa mesma comunidade. É necessário, no mínimo, conhecer as feiras, as ruas e os bairros para, por exemplo, saber onde os fatos se sucederam na instrução de um processo.
Isso porque a reprodução meramente testemunhal não consegue ser fidedigna. Ela não entrega os detalhes necessários e não responde ao que o processo requer, então o juiz necessita, enquanto ser humano, experimentar o contato com a realidade das pessoas, deixando claro que seu julgamento se manterá equilibrado e imparcial.
CORREIO – Como você avalia a organização das mulheres na luta por uma causa delas e por elas e a visão da sociedade sobre isso?
Renata Guerreiro – Como eu falei, a sociedade é, tradicionalmente, marcada pela figura do homem. O homem é visto como o provedor do lar, o mantenedor dos luxos da mulher e o envolvido nas discussões político-econômicas. Esse avanço das mulheres foi conquistado por elas, evidentemente que com o apoio de certa parcela da comunidade masculina, mas foi algo desejado e projetado pelo movimento das mulheres.
E ainda não estamos em condições de igualdade, as pesquisas demonstram. As mulheres ainda ganham menos que os homens no mercado de trabalho e ocupam menos postos de chefia que eles. No cenário político, ainda não temos uma equivalência entre os ocupantes de ambos os gêneros, masculino e feminino, e por aí vai. Enquanto sociedade, precisamos reconhecer essa prática para enfrentá-la com seriedade e compromisso. Esses movimentos são atuais, necessários e eu os apoio.
(Ulisses Pompeu)