Correio de Carajás

Crianças abusadas convivem com medo e o perigo dentro de casa

“Eu estraguei a minha família”. A sentença é constantemente repetida por vítimas de abuso sexual no consultório da psicóloga Janaína Botelho, especialista que atende crianças e adolescentes no Centro de Referência de Assistência Social (Creas), em Parauapebas. A culpa é traço das vítimas de um crime sobre o qual não é possível traçar o perfil de quem o pratica, mas que têm em algo em comum: na maioria dos casos as vítimas têm relação de afeto com o criminoso.

Foram noticiados no Correio de Carajás, de janeiro até o início de março, seis casos que resultaram em prisão dos acusados. Dentre as vítimas, bebês de apenas 14 dias a adolescentes que são alunas, vizinhas, enteadas e até mesmo filhas dos agressores. Também não há uma idade específica que caracterize quem pratica os abusos. Dentre os presos há jovens e idosos e alguns deles ainda filmam a prática.

Embora o maior número de agressores seja de homens, a psicóloga alerta que há casos de mulheres que também cometem este crime e que crianças do sexo masculino também são alvos.   Uma das formas do criminoso agir é oferecendo dinheiro, chocolate, refrigerante e biscoito em troca do silêncio, como foi relatado em uma das matérias relatando a prisão de um homem acusado de abusar de crianças vizinhas.

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Janaína Botelho destaca que as violências são marcadas por uma relação de poder de um superior contra um mais frágil. Usando força física ou artifícios psicológicos, como aliciamento, a intimidação e a sedução. O abuso costuma ocorrer na maioria das vezes dentro de um ambiente de fácil acesso à criança, onde já há um determinado nível de intimidade entre ela e o agressor.

Psicóloga defende a que livros podem ajudar crianças a identificarem abusos

PREVENÇÃO

Por ocorrer dentro de casa, com poucas ou nenhuma testemunha e permeado pela relação de afeto, o crime é difícil de ser detectado, mas a psicóloga defende que o melhor é fazer a prevenção, orientando às crianças sobre formas de abuso.

Uma das maneiras que Janaína encontrou para isso são os livros infantis, a exemplo do Pipo e Fifi, que aborda conceitos sobre o corpo, sentimentos, convivência e trocas afetivas, ensinando a diferenciar toques de amor de toques abusivos. Mudanças nas atitudes podem ser um sinal de quem passou por algum crime, como problemas na escola, voltar a fazer xixi na cama ou chorar muito.

“A escola é um local para detectar porque quando ela se identifica com alguma professora, ela fala. Quando é muito pequenininho, às vezes, não entende que passou por um abuso. As adolescentes, na maioria, quando começam a ter uma boa relação com a gente, elas falam”, conta a especialista.

A psicóloga diz ainda que muitas vezes a mãe já sabe o que está acontecendo. “A gente vai orientar essa mãe. A criança não necessariamente ela chega a falar, tem crianças que querem falar através do desenho, e a gente consegue perceber. É um conjunto, você já conversou com a criança, ela já tem um vínculo com você, em um ambiente propício, a gente pede para ela fazer um desenho da família, o lugar que mais convive, a escola. Lembro de um caso, em um projeto que trabalhei, que uma menina começou a desenhar a mãe, o irmão, quando ela foi desenhar o pai, disse que não queria desenhar ele e apagou. Como a criança vai apagar o pai? Aconteceu alguma coisa”, destaca.

Este indício, entretanto, precisa ser analisado com bastante cautela e associado a outros fatores para determinar se houve abuso sexual ou se trata de outro problema familiar, alerta. “Ou ele é um agressor que bate na mãe ou um pai que fala palavras tóxicas demais. Mas é a partir destes indícios que chamamos a família para conversar”.  

Sobre a metodologia, Janaína conta que o trabalho feito no Creas é de acompanhamento. “A gente chama as pessoas, faz visitas, tem atividade em grupo, mas tem casos que os envolvidos não aceitam e não acreditam na criança, ficando do lado do pai ou do padrasto”. Conforme ela, em casos detectados, é feito plano de acompanhamento com uma média de três meses de duração.

“A gente avalia se faz mais três meses ou não. Mas a família tem que saber que esse plano existe, tem que saber que tem todo um trabalho e participar dele. Lembro de um caso, de uma menina que mudou completamente, uma adolescente, ela chegou aqui destruída, mas voltou a ser alegre, amorosa”, relembra, sobre a necessidade de tratamento às vítimas.

Sinais que podem caracterizar uma situação de abuso:

  • Hipererotização: o corpo se torna uma via de comunicação. Ela toca no corpo, usa-o como mecanismo de sedução.
  • Isolamento: a criança perde autoestima e se torna insegura. Não quer mais brincar com os amigos nem sair de casa.
  • Regressão no desenvolvimento: tanto cognitiva, quanto fisiológica. A criança volta a usar chupeta e a precisar de fralda, por exemplo.
  • Existência de segredos: eles costumam ser indícios de chantagens que podem estar sendo feitas pelo abusador.
  • Oscilações de humor.
  • Perda de interesse nos estudos.
  • Distúrbios alimentares.
  • Conhecimento sexual impróprio para a idade.

(Theíza Cristhine)