“O que me motiva? É dar uma resposta a essas famílias. Eu perdi um filho meu há 9 meses. Eu tive a oportunidade de me despedir do meu filho. Eu acho que essas pessoas precisam fazer essa passagem. (…) Enquanto isso não acontecer com as 11 famílias, nós não vamos parar”.
O relato é da cabo Tailane Aparecida Teixeira, que faz parte do grupo de mais de 3,2 mil bombeiros que atuaram ao longo do último ano nas buscas da tragédia da Vale, em Brumadinho (MG).
A barragem da mina do Córrego do Feijão se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, deixando 270 vítimas. Em mais de 4 mil horas de buscas, corpos ou fragmentos de 259 pessoas foram encontrados e identificados, o que corresponde a cerca de 96% das vítimas. Mas o Corpo de Bombeiros garante que a operação de resgate, a maior já realizada no país, segue a procura pelos 11 desaparecidos sem prazo para terminar.
Leia mais:“Nós vamos continuar até encontrar as 11 joias ou até o momento em que o material que a gente está encontrando não seja mais passível de identificação por parte da Polícia Civil”, afirma o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Edgard Estevo.
Em um ano de buscas pelas vítimas, quase 7 milhões e metros quadrados já foram vistoriados. Em média, 130 militares participaram diariamente dos trabalhos, que já passaram por cinco fases.
Além da superação no aspecto profissional, cada bombeiro empenhado na operação também teve que lidar com fatores emocionais e psicológicos. “Emocionalmente, eu também me envolvi porque eu perdi um primo nesta ocorrência”, revelou o coronel.
Ainda se recuperando da dor da perda do filho João Pedro, a cabo Tailane chegou a Brumadinho já na quinta fase da operação. Esta etapa tem como foco a varredura em até 3 metros de profundidade da área encoberta pela lama, que tem cerca de 10 quilômetros lineares e 32 quilômetros de perímetro.
“Fiquei um período afastada, mas, retornando, eu quis ser voluntária até mesmo para mostrar para meu outro filho que a gente tem que dar esperança para as pessoas”, diz.
Além dos bombeiros de Minas, a operação envolveu militares de outros 15 estados, do Distrito Federal, da Força Nacional, das Forças Armadas e do Exército de Israel. Ao todo, cerca de 50 órgãos públicos participaram dos trabalhos nos últimos 12 meses.
Foram mais de 1,6 mil horas de voo feitas por 31 aeronaves que, em grande parte do tempo, cruzavam o céu de Brumadinho transportando corpos que eram içados da lama – cena que marca a memória dos moradores da cidade.
Ao longo do último ano, a paisagem devastada pela lama da barragem da Vale se transformou, assim como as técnicas e estratégias utilizadas pelos bombeiros.
“Logo no início, eram buscas superficiais. É preciso dizer que, naquele momento, nós tínhamos aqui um rejeito absolutamente fluido. Nós não andávamos, nós não nadávamos. Não havia como empregar muitos maquinários. E nem mesmo os cães eram operados naquele momento aqui”, explicou o coronel Edgard Estevo.
Essas buscas em superfície se concentraram, principalmente, na primeira e na segunda fases da operação, que duraram cerca de 40 dias. Ao passo que os trabalhos avançavam na terceira etapa, a ajuda de cães farejadores se tornou essencial na localização de vítimas. Ao todo, quase 70 animais e tutores passaram pela zona quente em Brumadinho.
Já entre o 60° dia e 200º dia após a tragédia, período que compreende a quarta fase da operação, foi intensificado o uso de maquinário. Atualmente, por exemplo, cerca de 150 máquinas pesadas auxiliam os bombeiros a cada dia.
O trabalho de inteligência também sempre foi um aliado. Segundo o coronel, todos os corpos e objetos encontrados são mapeados e, após o reconhecimento das vítimas, os dados são cruzados, possibilitando a identificação dos pontos de maior probabilidade de encontrar as outras pessoas, assim como a profundidade.
“E, ao longo deste um ano de trabalho, nós verificamos que 93% de tudo que nós encontramos estava até 3 metros de profundidade. Decidimos então que, até coincidindo com o período chuvoso, que nós teríamos um retorno de pontos com lama fluida, nós teríamos então uma varredura em toda a área até 3 metros de profundidade”, afirmou o comandante-geral do Corpo de Bombeiros.
Por causa do período chuvoso, outra estratégia precisou ser adotada: a instalação de duas tendas de 150 metros de comprimento e 50 metros de largura. De acordo com o comandante da operação, tenente-coronel Alysson Malta, em dias de chuva, a vistoria do rejeito removido pelas máquinas é feita no local.
O oficial está à frente dos trabalhos desde o início das buscas. Quando chegou a Brumadinho, estava à espera do nascimento do filho caçula.
“Eu tenho três filhos, e um dos períodos mais marcantes foi quando nós encontrávamos aqui crianças. E realmente não tem como, por mais que a gente queira desvincular o pessoal do profissional, é muito difícil”, disse.
Parte da motivação para seguir em frente na liderança das tropas veio justamente dos parentes das vítimas, segundo o tenente-coronel. “Eles me chamaram para uma determinada sala e eu imaginei que seria algum problema. E aí fui surpreendido com um chá de fraldas. Isso foi um grande incentivo, foi um combustível para continuar me esforçando e incentivando a nossa tropa e a se dedicar mais e mais nessa operação”, contou.
Sem prazo para o fim dos trabalhos, o Corpo de Bombeiros já planeja a sexta fase da operação que deve ser implementada ao fim do período de chuvas. Na nova etapa, a varredura deverá ser feita em até 6 metros de profundidade.
“Mas sempre usando a inteligência de pontos que são considerados de maior interesse porque existe maior probabilidade de encontrar [os desaparecidos]”, destacou o coronel Edgard Estevo. (Fonte:G1)