Sem dúvida, cada vez mais mulheres do mundo todo têm frequentado campos de futebol, quadras e pistas de corrida. A prática esportiva, a crescente profissionalização nas mais diversas modalidades e a busca do fitness e da qualidade de vida através do esporte trouxeram maior exposição e, consequentemente, lesões que outrora eram quase que exclusiva dos homens.
Estudos publicados nos últimos 20 anos mostram que as mulheres não apenas estão se lesionando, mas que o fazem em taxas absurdamente maior que os homens. No futebol, por exemplo, atletas do sexo feminino têm quatro vezes mais chance de sofrer uma lesão ligamentar do joelho e, na corrida de rua, esta proporção extrapola o índice de um homem para sete mulheres lesionadas para a mesma intensidade e volume dos treinos.
Arendt e Dick, estudando atletas do sexo feminino no basquete e no futebol, notaram que, em cinco anos, a taxa média de lesão do ligamento cruzado anterior do joelho foi de 0,31 por 1000 atletas de para jogadoras de futebol feminino, em comparação para os 0,13 por 1000 atletas de exposições para os masculinos. Para o basquete, a taxa foi de 0,6 por 1000 atletas mulheres em comparação com 0,07 por 1000 atletas homens.
Leia mais:Mas, afinal, por que isso acontece?
A ciência tenta explicar esta discrepância através de três teorias:
- Neuromuscular: autores que defendem a primeira afirmam que as atletas exibiriam um tempo de recrutamento de grupos musculares e um tempo de ativação destes músculos maiores que os observados em homens e que isso poderia afetar a dinâmica de diversas articulações, principalmente as do joelho. Isso significa que, em uma aterrissagem do vôlei ou a cada passo de uma corrida de rua, o “comando” vindo do cérebro para que a musculatura se contraia de maneira adequada, chega “atrasado”, fazendo com que as articulações estejam mal posicionadas e em maior risco de lesão, tanto por microtrauma repetitivo quanto para entorses e distensões. Há uma diferença de aterrissagem, na qual muitas vezes os joelhos da mulher caem “para dentro” (valgizado) e em rotação interna, o que não acontece com o homem.
- Anatômica: a teoria anatômica tenta explicar a discrepância do índice de lesões entre homens e mulheres através das diferenças morfológicas. No quadril, a bacia mais larga aumentaria o braço de alavanca sobre os músculos rotadores do quadril, especialmente e os glúteos médio e mínimo, predispondo a bursite e tendinites trocantéricas. No joelho, a patela alta e lateralizada e o sulco troclear raso (trilho por onde a patela deslisa quando se flexiona o joelho) seriam responsáveis por um contato reduzido entre a patela e o fêmur, e, consequentemente, levariam a doenças causadas pela pressão excessiva na cartilagem articular, como condromalácia, síndrome da hiperpressão lateral, sinovite e hoffite do joelho.
O tamanho e espessura reduzidos dos ligamentos do joelho e tornozelo colocariam estas articulações em risco nos casos de entorses e contusões. Por fim, o eixo dos membros inferiores, ou seja, o formato das pernas das mulheres, tende a ser em “X”, conhecido na ortopedia como joelho valgo ou genu valgum. Isso seria um fator de maior lateralização da patela, predispondo às doenças do joelho descritas acima, além de causar sobrecarga medial das tíbias, levando à canelite e a fraturas de estresse da tíbia e a tendinite do tornozelo. - Hormonal: a evidência de efeitos dos hormônios sexuais femininos sobre o tecido conjuntivo é ainda limitada. Identificou-se receptores do hormônio relaxina, sintetizado na fase ovulatória do ciclo menstrual e intensamente na gestação. Estudos mostram que este hormônio, cuja função é a de afrouxar os ligamentos do corpo da mulher, especialmente da bacia, facilitando o trabalho de parto, reduz a síntese de colágeno dos ligamentos da mulher em mais de 40% comparado com os ligamentos dos homens, tornando-os mais elásticos e mais frágeis.
Os níveis de estrogênio no sangue também estariam ligados à resposta neuromuscular. Estudos que compararam o índice de lesões nas diferentes fases do ciclo menstrual mostraram que a mulher se lesiona mais no período menstrual a isso seria atribuído ao atraso da resposta motora ao gesto esportivo. Um estudo interessantíssimo sobre os efeitos do ciclo menstrual e uso de contraceptivos orais em oitenta e seis jogadoras de futebol em um período de 12 meses mostrou que as atletas que tomaram contraceptivos orais tiveram uma taxa significativamente menor de lesões do que as jogadoras de futebol que não tomam contraceptivos orais. Além disso, notou-se que as jogadoras de futebol eram mais suscetíveis de lesões traumáticas entre os dias 1 e 14 de seus ciclos menstruais.
Além destes fatores, a fadiga muscular, condição comum entre esportistas sem condicionamento físico, seria também apontada como um fator para lesões esportivas mulheres corredoras. Esta fadiga, causada pelas forças de reação do solo, cinemática das extremidades inferiores e ativação muscular durante a corrida comprometeria a função muscular, causando atraso da ativação dos músculos isquiotibiais.
Por fim, a maior taxa de lesão entre mulheres e as lesões típicas do gênero, associadas às diferenças metabólicas e biomecânicas entre os sexos, têm chamado a atenção da ciência. Mudanças tanto na área preventiva quanto no tratamento de lesões em mulheres devem vir à tona nos próximos anos através de novos estudos.
(Fonte:G1/ Adriano Leonardi )
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