O governo dos EUA se recusou a apoiar a proposta do Brasil de ingressar na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revertendo sua orientação, após as principais autoridades americanas a apoiarem publicamente .
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo , rejeitou um pedido para discutir mais ampliações do clube dos países mais ricos, de acordo com uma cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, em 28 de agosto à qual a Bloomberg teve acesso. Ele acrescentou que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.
“Os EUA continuam a preferir a ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão”, afirmou o secretário de Estado na carta.
Leia mais:A mensagem contradiz a posição pública dos EUA sobre o assunto. Em março, o presidente Donald Trump disse em entrevista coletiva conjunta com o presidente Jair Bolsonaro na Casa Branca que apoiava à adesão do Brasil ao grupo de 36 membros, conhecido como “o clube dos países ricos”, um apoio que foi reiterado em maio . Em julho, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil durante uma visita a São Paulo.
Os EUA apoiam a ampliação comedida da OCDE e um eventual convite ao Brasil, mas dedicam-se primeiro ao ingresso de Argentina e Romênia, tendo em vista os esforços de reforma econômica e o compromisso com o livre mercado desses países, disse uma autoridade sênior dos EUA, que pediu para não ser identificada por não ter autorização para discutir deliberações políticas internas em público.
O endosso dos EUA à entrada brasileira na OCDE no início deste ano foi um dos primeiros claros benefícios obtidos pelo estreito alinhamento de Bolsonaro com o governo Trump. A entrada no grupo é considerada uma das principais apostas da política externa do Brasil. Ao GLOBO, o Ministério da Economia informou que não vai comentar o assunto.
Durante a viagem de Bolsonaro a Washington em março, o Brasil ofereceu acesso dos EUA à plataforma de lançamento de foguetes de Alcântara, no Nordeste do país, viagens sem visto para turistas dos EUA e cooperação na questão da Venezuela. O Brasil também se comprometeu a abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que lhe dava benefícios como prazos maiores para a adequação a acordos comerciais e regras mais flexíveis na concessão de subsídios industriais.
Trump, em troca, cumpriu a promessa de designar o Brasil como um aliado importante extra-Otan, status que permite a obtenção de material bélico a custos menores. Críticos do acordo questionaram se o apoio dos EUA se materializaria.
O governo brasileiro não respondeu a vários pedidos de comentários. Um funcionário da imprensa da OCDE em Paris também não comentou imediatamente.
O ministro da Economia, Paulo GUedes, afirmou que o Brasil já tinha sido avisado que não seria imediatamente apoiado pelos Estados Unidos, informou a jornalista Cristiana Lôbo, da Globonews. Segundo Guedes, o Brasil poderá ainda ser apoiado no futuro.
— Desde o encontro do presidente Bolsonaro com Trump, lá em Washington isso já havia ficado claro — disse Guedes, tentando minimizar o impacto negativo interno da decisão dos Estados Unidos.
Ao site O Antagonista, Guedes explicou que Washington “por questão estratégica, não poderia indicar o Brasil neste momento, mas não é uma rejeição no mérito”, e sim de “timing, porque há outros países na frente, como a Argentina”. O ministro completou a justificativa dos EUA dizendo que “abrir para o Brasil agora significaria ceder à pressão dos europeus, que também querem indicar mais países para o grupo”.
Como o processo de adesão, uma vez admitido, leva pelo menos três anos, dificilmente o Brasil se tornará membro da organização durante este mandato de Bolsonaro.
Frustração em Washington
Segundo o professor de Relações Internacionais da FGP-SP Oliver Stuenkel, a decisão de Washington de priorizar as candidaturas de Argentina e Romênia é um sinal da frustração de Washington com Brasília. No começo do governo Bolsonaro, afirmou Stuenkel, Trump esperava duas coisas do Brasil: ajuda de Brasília para retirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela e também para reduzir a influência chinesa na América Latina.
A esta altura, está claro que Brasília não conseguiu tirar Maduro do poder e o que país é dependente da China, com viagem presidencial marcada para outubro. Com a frustração dos dois planos, encerra-se o interesse americano no Brasil — e, em consequência, os motivos da Casa Branca para apoiar pleitos brasileiros, disse Stuenkel.
— A aproximação de Brasília com Washington só funciona quando o Brasil consegue entregar algo aos EUA — afirmou Stuenkel. — O que se fala em Washington é que o Brasil não conseguiu entregar nada na Venezuela, e a cada dia fica mais evidente que Brasil dificilmente conseguirá ajudar a conter a presença chinesa na América Latina. Era óbvio, mas o que [o deputado federal] Eduardo Bolsonaro, [o chanceler] Ernesto Araújo e [o assessor internacional da Presidência] Filipe Martins diziam era que o Brasil teria como fazer algo, o que não aconteceu. Com isso, a aproximação de Bolsonaro com Washington se encerra, porque não há mais nada que Washington possa querer de Brasília.
A OCDE, fundada em 1961, diz em seu site que visa “moldar políticas que promovam prosperidade, igualdade, oportunidade e bem-estar para todos”. A adesão ao grupo tem sido ultimamente considerada um selo de qualidade para países que buscam mostrar à comunidade internacional que suas nações estão abertas ao mercado internacional.
A adesão ao grupo também é utilizada por governos de países em desenvolvimento para promover reformas internas.
O Brasil apresentou seu pedido de adesão à OCDE em maio de 2017, durante o governo de Michel Temer.
(com André Duchiade — O Globo)