Correio de Carajás

Ex-prefeito de Marabá é processado por peculato-desvio

Atualização 11 de junho de 2019 por

Depois de realizar investigação, o Ministério Público Estadual ingressou com ação na Justiça contra o ex-prefeito de Marabá, João Salame Neto, acusando-o de ter cometido crime de peculato-desvio, que teria ocorrido durante sua gestão, no ano de 2016. João, como gestor municipal, não teria repassado aos credores, valores descontados dos contracheques de servidores públicos municipais.

O MP recorda que naquele ano de 2016 se detectou a existência de débito da Prefeitura de Marabá aos credores relativos a empréstimos consignados realizados junto a bancos e financeiras, planos de saúde, planos odontológicos e sindicatos, como o Sintepp, Sindiguarda, Servimmar, dentre outros, totalizando a quantia, na época, de R$ 11.328.750,70. Os valores descontados ficavam na conta de “recursos próprios” da Prefeitura, que eram usados pelo Executivo.

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Na ação proposta pelo MP, baseada no relatório da Comissão de Transição entre os governos de Salame e Tião Miranda, o dolo foi específico, não apenas na vontade livre de efetuar o delito, mas também o de adquirir o proveito, vantagem, com o desvio dos valores mencionados, em que “o prefeito João Salame visava preencher o “rombo” nas contas públicas municipais, provenientes de sua má gestão financeira e administrativa, enquanto deixava os servidores públicos sem a devida assistência médica ou odontológica ou mesmo inadimplentes junto às instituições financeiras, como no caso dos empréstimos consignados, sem que concorressem para isso, já que suas contribuições e empréstimos foram compulsoriamente recolhidos pela Prefeitura Municipal de Marabá e delas se apropriou indevidamente, utilizando-se para fins próprios”, diz a denúncia.

As duas instituições financeiras mais prejudicadas pelo ato do prefeito João Salame foram Banco do Brasil (R$ 2.424.879,22) e Caixa Econômica Federal (R$ 1.949.948,31). A Unimed ficou sem receber R$ 686.026,17, causando grandes sequelas para usuários do referido plano de saúde, que não conseguiu acesso aos serviços médicos e laboratoriais naquele período. Ao todo, foram 19 instituições que sofreram com o não repasse de valores descontados de milhares de servidores públicos municipais.

A conta, atualizada por ocasião do ingresso da ação na Justiça, em 2 de fevereiro deste ano, era de R$ 12.019.844,69.

VERSÃO DE SALAME

A Reportagem do CORREIO procurou a advogada do ex-prefeito João Salame, Heide Castro, que enviou trechos da defesa, que foi protocolada na Justiça dias atrás. Nela, diz, entre outras coisas, que Salame teria deixado dinheiro em caixa e outra para o município receber no início de 2017, que daria para pagar os débitos que ele havia contraído. A pergunta é: por que não usou o dinheiro que ele havia deixado em caixa e não pagou logo os débitos menores?

Leia abaixo o que foi enviado:

“O MP o acusa (João Salame) de peculato-desvio, em razão do “suposto” não pagamento dos consignados. Ocorre que esse tipo de crime só se configura caso o gestor não pague os débitos em seu exercício ou não deixe recurso em caixa suficiente.

João deixou recurso em caixa e deixou preciso suficiente para o pagamento dos consignadas; Ou seja, analisando as provas que foram colhidas, é de ver-se, claramente, que nada há que sirva de esteio da pretensão punitiva em desfavor do acusado, de forma que a petição inicial acusatória encontra-se amparada em conteúdo produzido de forma unilateral e insuficiente (a saber o relatório da Comissão de Transição de mandato), como dito acima, faz com que a ação seja carente, por lhe falta da condição da ação chamada de JUSTA CAUSA.

A exordial do MP, em relação ao crime descrito amparou-se na jurisprudência apontada na própria representação da PMM, para qualificar a conduta do ora defendente. Reproduz-se abaixo a mesma jurisprudência, a qual contribui para a compreensão do tipo penal previsto no artigo 312 do CP. Senão vejamos:

AÇÃO PENAL 916 – AMAPÁ – DIREITO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PECULATO-DESVIO. ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DE MANDATO.

  1. Se o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas cuja detenção se dá em razão do cargo que ocupa e se as emprega em finalidade diversa daquelas a que se destinam, pratica o delito de peculato-desvio, desimportante não tenha o desvio se dado em proveito próprio.
  2. No caso sob exame, o Município é mero depositário das contribuições, descontadas dos contracheques de seus servidores para pagamento de empréstimos consignados, as quais pertencem ao Banco. 3. Por outro lado, ao impedir a quitação das obrigações, o gestor ordena ou autoriza assunção de obrigação. No caso dos autos, sem adimpli-la no mesmo exercício financeiro, nem deixar receita para quitação no ano seguinte, nos termos do artigo 359-C, do Código Penal.
  3. Nada obstante a crise financeira por que passava o Município, a contratação de pessoal e os repasses voluntários a instituições não governamentais, impedem a configuração da dirimente de inexigibilidade de conduta diversa, a afastar o juízo de reprovação penal da conduta.
  4. Pretensão punitiva julgada procedente para condenar o acusado pela prática dos crimes previstos nos arts. 312, caput, e 359-C, na forma dos arts. 29, 71 e 70, todos do Código Penal.

Afirma o ministro Barroso, conforme excerto do voto: “Por outro lado, ao impedir a quitação das obrigações, o gestor ordena ou autoriza assunção de obrigação. No caso dos autos, sem adimpli-la no mesmo exercício financeiro, nem deixar receita para quitação no ano seguinte, nos termos do artigo 359-C, do Código Penal” tem-se que o tipo penal discutido recai sobre o gestor que não adimple suas obrigações financeiras no mesmo exercício ou não deixa previsão de recurso para pagar, o que não ocorreu com o ora defendente.

O defendente traz aos autos informações que serão elucidadas no decorrer da instrução processual penal, ainda em sede de defesa preliminar:

  1. Existia recursos advindos da arrecadação nas contas bancárias da prefeitura municipal de Marabá e também previstos para o primeiro mês (01.2017) da gestão do seu sucessor. Recursos sem vinculação e que seriam destinados a quitar os débitos com os credores dos consignados;
  2. No último mês de seu mandato (12/2016) assinou contrato de serviços bancários com o Banco do Brasil, no valor total de R$ 15 milhões a serem pagos a PMM pelo contratado, sendo que 7.500.000,00 já seriam depositados em favor dos cofres públicos municipais após 20 dias úteis da assinatura do contrato. Salienta-se que esse valor também não era de receita vinculada, sendo previsto para o pagamento das dívidas com os consignados.

Ressalte-se que o relatório da Comissão Administrativa de Transição de Mandato, assinado pelos indicados da gestão que se sucedeu a do réu, faz o recorte das “supostas” dívidas deixadas pela gestão. Trata-se, portanto de um instrumento unilateral, sendo necessário, portanto, para a benéfica compreensão do litígio em juízo, que sejam juntados aos autos os documentos necessários à demonstração dos valores em conta da Prefeitura Municipal de Marabá, bem como das previsões de receitas de arrecadação oriundas do período da gestão do réu e que foram recebidas na gestão posterior, bem como a evidência do crédito de 7.500.000,00 conforme cláusula nona, parágrafo primeiro do contrato 020/2016- SEMAD/PMM, e previstos para serem creditados no início do ano de 2017”. (Ulisses Pompeu)