Um levantamento realizado por uma rede de pesquisadores de seis países identificou que 68% das áreas de proteção ambiental e territórios indígenas da Amazônia estão sob ameaça de projetos de infraestrutura, planos de desenvolvimento econômico e atividades de exploração da maior floresta tropical do planeta.
Atualmente, existem 390 milhões de hectares dedicados à conservação ambiental e territórios indígenas, de um total de 847 milhões de hectares da chamada Pan-Amazônia.
Este território compreende não só os 62% da floresta localizados no Brasil, mas também sua extensão em outros sete países – Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e um território de outro país na América do Sul, a Guiana Francesa.
Leia mais:Para identificar as ameaças, a Rede Amazônica de Informação Ambiental Georreferenciada (Raisg), sob a coordenação da ONG Instituto Socioambiental, reuniu dados de governos e informações de imagens de satélite e analisou os impactos de seis tipos de intervenções: obras de infraestrutura de transporte, hidrelétricas, mineração legal, extração de petróleo, queimadas e desmatamentos.
“O que mais chama atenção é que 43% das áreas protegidas e 19% dos territórios indígenas estão ameaçadas por três ou mais destes fatores”, diz Júlia Jacomini, pesquisadora da Raisg e uma das responsáveis pela apuração dos dados sobre a Amazônia brasileira.
Muitos projetos são apoiados por governos
O estudo da Raisg aponta que os maiores danos são causados por projetos apoiados por governos federais e regionais, como por exemplo, a abertura de estradas. O levantamento aponta que, dos 26 mil quilômetros dos 136 mil quilômetros construídos até 2018 na Amazônia estão dentro de áreas de conservação e territórios indígenas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2019/8/2/qSQscgR4y8L6uKmd50gA/belomonte.jpg)
“Estes projetos de infraestrutura são, em sua grande maioria, iniciativas de Estados nacionais em parceria com empresas, como parte de projetos de desenvolvimento que valorizam mais os aspectos econômicos e setores produtivos do que a preservação ambiental e dos modos de vida dos povos locais”, diz Jacomini.
A extração de minério e petróleo são duas das atividades que representam maior risco à preservação destas áreas na floresta: 22% destas regiões protegidas sofrem alguma forma de pressão ou ameaça por parte destas indústrias.
O estudo destaca que alguns destes empreendimentos estão entre as maiores minas a céu aberto do mundo e implicam na construção de extensas redes de tubulações para transportar o petróleo extraído no meio da selva.
Isso gerou, por exemplo, 190 derramamentos de petróleo nos últimos 20 anos na Amazônia peruana, diz o estudo. Segundo o Organismo de Supervisão de Investimentos em Energia e Mineração, uma agência do governo do país, isso ocorreu por falta de manutenção da infraestrutura dos poços mais antigos, que datam dos anos 1970.
Ao mesmo tempo, no Equador, a exploração de petróleo levou ao desmatamento de mais de 2 milhões de hectares e ao derramamento de 650 mil barris de petróleo nos rios e córregos amazônicos.
Ao mesmo tempo, 162 das 272 usinas hidrelétricas planejadas, em construção ou já em operação na Amazônia estão dentro de áreas de proteção.
Mineração é uma das principais ameaças no Brasil
Em relação ao Brasil, a atividade de mineração foi uma das principais ameaças identificadas. O país lidera em área de floresta destinada a essa atividade entre as nações amazônicas, com 108 mil hectares, o que representa 75% do total.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2019/G/2/pHzMb4QAyM2UEBK0UVaw/indio.jpg)
O ritmo de desmatamento da Amazônia brasileira caiu 72% desde 2004, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mas a tendência mais recente vai no sentido contrário: houve um aumento de 13,7% no último ano.
A abertura de estradas e hidrovias tem um impacto relevante sobre isso: 94,9% da perda de vegetação nativa ocorre a 5,5 km de distância de estradas e a 1 km de rios navegáveis, de acordo com uma pesquisa do cientista Christopher Barber, do Centro de Excelência de Ciências Geoespaciais, nos Estados Unidos.
O estudo do Raisg cita ainda o projeto de construção da Ferrogrão, uma ferrovia com 933 km de extensão que ligará o Mato Grosso ao Pará, ao alertar que a expansão do transporte ferroviário na Amazônia brasileira “pode potencializar os impactos sociais e ambientais na região, com danos diretos a áreas de proteção e territórios indígenas”.
Região ainda não tem um plano internacional de conservação
O resultado do levantamento estará disponível ao público por meio do portal Amazônia na Encruzilhada, elaborado pela InfoAmazônia, uma agência dedicada a divulgar informações sobre a região amazônica. No site, os visitantes terão acesso a mapas interativos, fotos, vídeos e estudos de casos.
Segundo o jornalista Gustavo Faleiros, editor do InfoAmazônia, a iniciativa busca conscientizar sobre a importância de se criar uma política transnacional para a Pan-Amazônia para, ao se realizar intervenções na região, considerar os efeitos sobre toda sua extensão.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2019/h/1/3gNXWOSgC55QVTyi4E3w/portal.jpg)
“Um estudo apontou, por exemplo, que se seis hidrelétricas previstas para a Amazônia forem construídas, todo um fluxo de nutrientes pelos rios será interrompido, afetando a vida aquática e a produção agrícola nas margens do rio”, diz Faleiros.
“A Amazônia não é do Brasil, da Colômbia, do Peru ou do Equador. É um grande sistema interligado, mas até hoje não existe um plano internacional de conservação ambiental da região.”
“Estamos falando de vários ecossistemas interligados. Um país pode ter um sistema de proteção e monitoramento forte, mas todo o bioma é impactado por um derramamento de petróleo que ocorre em um país e atinge os outros. Sem olhar para o todo, não há como garantir a preservação da Amazônia.” (Fonte:G1)