O Ministério Público Federal, em Marabá, acaba de manifestar-se favoravelmente a uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada ajuizada pela Associação Indígena Bayprã de Defesa do Povo Xicrin do Odjã, Associação Indígena de Defesa do Povo Xicrin do Cateté e Associação Indígena Porekrô de Defesa do Povo Xicrin do Cateté e do Dudjekô.
Essas entidades ingressaram com ação contra a Vale S/A, Salobo Metais, FUNAI, IBAMA e ICMBio, visando à reparação por impactos socioambientais decorrentes do Projeto de Mineração Salobo, a correspondente compensação financeira e a suspensão das atividades do projeto, em razão da ausência de estudo de componente indígena, de consulta prévia à comunidade Xikrin e descumprimento de condicionantes estipuladas nas licenças prévia, de instalação e operação. O valor da ação é de R$ 7.746.435.371,44.
Leia mais:Ela tramita na Justiça Federal e é assinada pelo advogado José Diogo de Oliveira Lima, o qual enfatiza que o posicionamento do MPF em Marabá converge com o parecer do Ministério Público Federal, em Brasília, em favor da causa dos indígenas.
O procurador da República que assina o parecer em Marabá é Alexandre Aparizi, que leu atentamente a defesa de Vale, Salobo Metais, Ibama, Funai e ICMBio e os refutou.
As associações indígenas autoras da ação fundamentam seus pedidos em três pontos primordiais: a) ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades Xikrin, nos termos da Convenção 169 da OIT às comunidades Xikrins das TI Xikrin do Cateté e TI Trincheira Bacajá, localizadas na área de influência do empreendimento Projeto Salobo; b) ausência de elaboração de componente indígena especificamente em relação ao Projeto Salobo, a partir de dados primários e considerando-se os efeitos sinérgicos dos impactos advindos de outros empreendimentos no entorno das mencionadas comunidades indígenas, necessário à delimitação da compensação pelos danos ambientais causados; c) descumprimento de condicionantes ambientais, estabelecidas nas licenças prévia e de instalação.
Os indígenas esperam que a Salobo Metais e Vale elaborem os estudos do componente indígena e cumpram todas as condicionantes indicadas nas licenças prévias, de instalação e operação, além da apresentação de um plano de recuperação de área degradada (PRAD).
As comunidades pedem que à Justiça que a Salobo Metais e Vale façam depósito mensal de quantia pecuniária, a título de compensação financeira pela ausência do cumprimento das medidas elencadas, no valor mensal de cinco salários mínimos por integrante da comunidade indígena Xikrin, independentemente da idade, até a efetiva realização de todas as medidas citadas acima.
A FUNAI deverá ser obrigada a emitir Termo de Referência atualizado para realização de Estudo de Componente Indígena. No caso do IBAMA, este deverá fiscalizar o estudo do referido componente, bem como se abstenha de conceder licença de operação, ou prorrogação, sem que sejam respeitadas na íntegra as medidas pleiteadas, no que tange a efetiva participação da comunidade indígena.
Para o ICMBio, as comunidades pedem que a Justiça obrigue que se abstenha de conceder licença de supressão vegetal (ou qualquer tipo de licença), até que seja realizado o ECI Xikrin.
Em sua contestação, a Salobo Metais e Vale alegaram a inépcia da inicial por estar em total desacordo com o art. 319 e ss. do Código de Processo Civil, considerando-a confusa, repetitiva e ilógica, devendo ser extinta sem resolução de mérito, com a consequente improcedência dos pedidos das autoras, pois incertos, ilógicos e sem qualquer delimitação.
As empresas argumentaram, ainda, que todos os órgãos competentes reguladores e fiscalizadores das atividades da empresa não apenas confirmam a legalidade do empreendimento através da liberação de licenciamentos de funcionamento do empreendimento Salobo.
A respeito do impacto ambiental em terras indígenas, as empresas afirmaram o seguinte: “De antemão, importante apontar que o pleito de ECI formulado pelas autoras é totalmente descabido, não havendo qualquer fundamento para discutir-se realização de Estudo de Componente Indígena, por inexistir obrigatoriedade nesse sentido”.
O MPF não concordou com a Vale e a Salobo Metais sobre a necessidade de extinção do processo e concordou com a concessão de antecipação dos efeitos da tutela. “Muito embora seja preferível uma inicial apresentada de maneira mais sucinta, objetiva quanto a causa de pedir e aos pedidos, a sua extensão não é elemento que de per si seja suficiente para o indeferimento da inicial”.
Para os membros do MPF, neste momento da ação encontra-se pendente a apreciação do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, razão pela qual a referida manifestação deverá se limitar ao item antecipação de tutela, sem prejuízo de posterior manifestação dos demais pedidos constantes na inicial. “Há que se perquirir em primeiro lugar a necessidade da consulta prévia e consequente estudo de componente indígena, se existe e se é dado cumprimento ao estabelecido, além é claro do dano ambiental ocasionado pelo empreendimento e sua influência, física e cultural, à comunidade Xikrin.
Para o procurador, tanto a Vale, Salobo Metais, IBAMA, ICMBio e FUNAI foram uníssonos em afirmar que o estudo a respeito do componente indígena no empreendimento não fora realizado, alegando apenas sua desnecessidade. Ressaltam ainda que o projeto atende a todos os requisitos exigidos nos licenciamentos aprovados pelo órgão ambiental. “Entretanto, tais alegações padecem de suporte probatório nos autos”.
O procurador foi mais longe e observou que os deslocamentos sazonais que membros da comunidade indígena realizam para área próxima ao Salobo, há mais de 50 anos, para a coleta da castanha-do-pará, estabelecendo acampamentos com duração de meses nesse local. “Assim, o Projeto Salobo está em área de perambulação histórica dos Xikrin. Ao redor da TI dos Xikrin existem outros empreendimentos que geram impactos ambientais e socioeconômicos de forma cumulada, como o Onça Puma. De fato, verifica-se que a comunidade é impactada por diversas obras com a mesma finalidade. Essa situação é geradora de desgastes sociais e emocionais que raramente são considerados nos estudos de uma única obra. Por isso, a necessidade urgente da realização de estudos que contemplem a noção de impactos cumulativos e sinérgicos, ou seja, a sobreposição de projetos e a relação entre eles e seus efeitos sobre a comunidade”. (Ulisses Pompeu)