Pesquisadores brasileiros descobriram que os botos rosa (gênero Inia) usam uma comunicação complexa e com sons variados. O estudo foi publicado na revista científica “Peerj” e pode ajudar a desvendar como a comunicação evoluiu nos mamíferos marinhos.
Os cientistas acreditavam que os botos da região amazônica tinham um perfil mais solitário e uma comunidade pequena que exigia poucos recursos para comunicação, mas o estudo mostrou que os animais interagem bastante uns com os outros e têm um repertório diverso.
Ao todo, os cientistas conseguiram identificar 237 sons diferentes. O tipo mais comum era emitido quando filhotes estavam presentes, sugerindo uma comunicação entre eles e as mães.
Leia mais:O cientista Gabriel Melo-Santos estudou os botos que frequentam o mercado de peixe do município de Mocajuba, no Pará. Em busca de alimentos, os animais costumam fazer visitas diárias ao local, o que permitiu que os pesquisadores acompanhassem com mais regularidade os animais.
“Em Mocajuba, durante a estação seca, as águas são bem transparentes e nos permitem observar o comportamento dos botos em detalhe. Lá, reconhecemos cada boto individualmente através das marcas naturais no corpo dos animais. Então sabemos quem é cada boto, o sexo e a faixa etária. Dessa forma, conseguimos associar os sons gravados aos contextos comportamentais”, explica.
Para o estudo, câmeras e microfones subaquáticos foram usados e amostras de DNA foram coletadas dos animais. Com mais de 20 horas de gravação e mais de 200 sons identificados, os pesquisadores acreditam que ainda há mais para ser descoberto.
“Os sons emitidos pelos botos podem nos ajudar a entender como se deu a evolução da comunicação sonora nos cetáceos. Além disso, precisamos saber como se dá o sistema de comunicação dos botos para entender como eles podem ser afetados por atividades humanas (como o tráfego de embarcações, por exemplo)”, diz Melo-Santos.
Segundo o pesquisador, a linhagem evolutiva dos botos (e outros golfinhos de água doce no mundo) divergiu dos outros cetáceos (baleias e golfinhos), o que faz deles relíquias evolutivas e peças importantes para desvendar como essa comunicação evoluiu.
Assobios
Os sons usados pelos botos são diferentes dos assobios usados pelos golfinhos, mas o propósito, segundo os cientistas, é o mesmo: se comunicar com a espécie. Além disso, os botos fazem chamados mais longos e os assobios são menos frequentes. Os indícios são de que nos botos os assobios são usados para afastar outros grupos e não para comunicação entre eles, como nos golfinhos.
“A associação entre as mães e os filhotes são as mais fortes e duradouras em botos-rosas então é vantajoso que os filhotes tenham sons que possam comunicar à mãe sua posição e seu estado emocional, por exemplo“, explica Melo-Santos.
Os chamados dos botos ficam em uma frequência entre os sons de baixa frequência emitidos por baleias e os de alta frequência emitidos por golfinhos. A bióloga Laura May Collado da Universidade de Vermont, que também participou do estudo, acredita que isso acontece por causa do habitat dos botos.
“Há muitos obstáculos, como florestas inundadas e vegetação em seu habitat, então esse sinal pode ter evoluído para evitar ecos da vegetação e melhorar o alcance de comunicação das mães e seus filhotes”, diz ela.
Comunicação semelhante a de outros mamíferos
Além disso, o estudo indica que os sons usados para comunicação entre cetáceos podem ter aparecido muito antes do que se sabia e para uma comunicação semelhante a de outros mamíferos.
“Assim como a de algumas espécies de golfinhos marinhos (orcas, baleias piloto, entre outros), botos emitem sons com voz dupla, por exemplo. Para orcas, baleias piloto e outras espécies, esses sons podem indicar a identidade de um grupo social. Fenômenos não-lineares, como a bifonação (voz dupla) e a presença de sub-harmônicos, estão presentes em várias espécies de mamíferos terrestres”, diz Melo-Santos
O cientista explica que alguns destes sons são muito presentes no nosso cotidiano, como o choro de bebês e o latido de cachorro. Em diferentes espécies, esses sons podem indicar estado emocional e identidade individual.
O próximo passo do estudo é verificar como os botos em regiões com menos presença humana se comunicam e identificar se os chamados dos botos carregam sua identidade individual e/ou sinalizam sua localização.
Gabriel Melo-Santos é pesquisador da Universidade de St. Andrews e fez parte do Doutorado na Universidade de Vermont, mas iniciou seu estudo sobre botos na Universidade Federal do Pará.
O estudo sobre a comunicação dos botos-rosas foi patrocinado pela Fundação Rufford, Cetacean Society International e Swarosvki Foundation. (Fonte:G1)