Se o tema já dividia opiniões, a reação ao anúncio de que neste ano não haverá horário de verão não foi diferente. A decisão do governo Jair Bolsonaro foi comemorada entre aqueles que reclamam das dificuldades de adaptação e criticada por quem gosta de ter uma hora a mais de sol por dia. Mas, afinal, manter o horário de verão no Brasil deixou de fazer sentido?
Ao anunciar a suspensão do horário de verão, o governo afirmou que o adiantamento anual dos relógios em uma hora perdeu “razão de ser aplicado sob o ponto de vista do setor elétrico” diante das mudanças no padrão de consumo de energia e avanço tecnológico.
“Nos últimos anos houve mudanças no hábito de consumo de energia da população, deslocando o período de maior consumo diário para o período da tarde, quando o horário de verão não tem influência”, informou o Ministério de Minas e Energia.
Leia mais:De acordo com o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, o governo fez uma pesquisa segundo a qual 53% dos entrevistados pediram o fim do horário de verão. Não foram divulgados, entretanto, detalhes da pesquisa e dos estudos técnicos.
O tema já vinha sendo estudado desde o governo Michel Temer. Mas, por enquanto, a extinção do horário de verão só tem validade para este ano.
Especialistas ouvidos pelo G1 concordam que a economia de energia proporcionada pelo horário de verão deixou de ser relevante, mas se dividem sobre a suspensão e eventual fim definitivo da medida no Brasil. Parte dos analistas defende estudos mais aprofundados sobre os custos e benefícios para a economia e para a população e pedem também uma consulta pública sobre o assunto.
De acordo com dados pelo Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, o Brasil economizou pelo menos R$ 1,4 bilhão desde 2010 por adotar o horário de verão, em razão de uma redução média de 0,5% no consumo de energia, chegando a 4,5% no horário de pico. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), números já divulgados, entre 2010 e 2014, o aproveitamento da luz do sol resultou em economia de R$ 835 milhões para os consumidores, principalmente devido à redução da necessidade do uso de termelétricas (de operação mais cara).
Os números oficiais mostram, entretanto, que a economia no consumo de energia caiu nos últimos anos e que a medida passou a ter pouca relevância tanto para a segurança do setor de energia como na composição do preço da conta de luz. A economia gerada caiu de R$ 405 milhões em 2013 para R$ 147,5 milhões, em 2016. Já a energia poupada caiu de 2.565 MW em 2013, para 2.185 MW em 2016. (Veja gráfico acima).
Horário de pico mudou no país
O objetivo por trás da origem do horário de verão é aproveitar os dias mais longos para obter um melhor aproveitamento da iluminação natural, poupando assim recursos da matriz energética e reduzindo os riscos de apagões, principalmente no horário entre 18h e 21h, quando as lâmpadas dos espaços públicos são ligadas, boa parte da população chega em casa e boa parte do comércio, escritórios e indústria continua ativa.
Acontece que, nos últimos anos, mudou o padrão de consumo do país. Lâmpadas incandescentes foram substituídas por lâmpadas mais eficientes e o horário de pico de energia se deslocou do início da noite para o meio da tarde, por volta das 15h, devido ao aumento expressivo do uso de ar-condicionado. Além disso, entraram em operação no país novos sistemas de geração de energia, principalmente de energias como eólicas e solar – que são mais baratas –, fazendo com que haja sobra de energia no sistema.
“A economia gerada hoje pelo horário de verão é irrelevante. O impacto no sistema é muito pequeno”, afirma o coordenador do Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ.
Para ele, não faz mais sentido, do ponto de vista de segurança do setor elétrico e de custo ao consumidor, a adoção do horário de verão. Ainda mais em um cenário de ociosidade na capacidade de oferta de energia instalada, por conta da recessão econômica. “Temos hoje sobra de energia no Brasil. Esse dado respalda tecnicamente a decisão do governo”, diz.
Estudo do Ministério de Minas e Energia divulgado no ano passado já apontava para a perda de efetividade do horário de verão. Segundo a nota técnica, a adoção de outros instrumentos regulatórios, como a tarifa branca e preço por horário, podem produzir resultados mais relevantes para o setor elétrico “em termos de investimentos evitados pela redução da demanda máxima, economia de energia e flexibilização da operação do sistema”.
Vantagens e desvantagens
A economista da FGV Energia, Glaucia Fernandes, afirma que do ponto de vista de eficácia para o setor elétrico o horário de verão de fato não mais se justifica, mas diz que outros aspectos também merecem ser considerados.
“Uma coisa é o ponto de vista energético, outra é o ponto de vista socioeconômico e toda a tradição e cultura criadas em cima do horário de verão. O assunto merece estudos mais aprofundados e a sociedade também precisa ser consultada”, defende a pesquisadora.
Entre as vantagens proporcionadas pelo horário de verão, os defensores da medida costumam citar que a hora adicional de sol estimula as pessoas a ficarem mais tempo nas ruas, com impactos positivos no trânsito, nos transportes públicos e na segurança pública.
“As pessoas se sentem mais seguras quando a cidade ainda está clara. O horário de verão dá a impressão de estar saindo sair mais cedo do trabalho e estimula o happy hour”, afirma o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), em São Paulo, Percival Maricato, que estima um aumento da ordem de pelo menos 5% no faturamento do setor em razão do adiantamento dos relógios.
O setor de bates e restaurantes se diz preocupado com o fim do horário de verão. “Estamos discutindo internamente com os associados, mas provavelmente reforçaremos esse lado da população que quer a manutenção do horário de verão. Para o nosso setor, bom não é com certeza”.
Apesar da reclamação de alguns setores, os benefícios econômicos do horário de verão são extremamente controversos. Além disso, uma parte significativa da população alega transtornos em suas rotinas, alteração do relógio biológico e pesquisas científicas sugerem que a transição pode causar problemas como falta de atenção, de memória e sono fragmentado.
Para CNI e Fecomercio-SP, tanto faz
Na avaliação de representantes da indústria e do comércio, a adoção do horário de verão traz efeitos “próximos à neutralidade” para a atividade. Ou seja, sob o ponto de vista econômico seria uma grande “tanto faz”.
Para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o horário de verão deixou de ser relevante. “Sua adoção não agrega benefícios para os consumidores de energia elétrica, tampouco em relação à demanda máxima do sistema elétrico brasileiro. Portanto, os resultados nos últimos anos foram próximos à neutralidade para o setor elétrico. O mesmo acontece com o setor industrial, no qual a adoção do horário de verão é neutro, não representando nenhuma perda ou ganho na competitividade”.
Opinião parecida compartilha a Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo). “A adoção ou não do horário diferenciado para a atividade varejista, em termos gerais, exerce pouco ou nenhum impacto seja em termos de economia de energia, seja de variação no fluxo de consumidores”, avaliou.
Até mesmo parte dos especialistas em energia ficam em cima do muro sobre o fim do horário de verão.
“O assunto sempre foi bem polêmico, divide o país. Sair de cima do muro é difícil”, admite Leonardo Calabró, vice-presidente da consultoria Thymos Energia.
“Implementar o horário de verão por questão se segurança deixou de ser necessário. Agora, qualquer redução no consumo de energia é sempre é benéfico. Então, é válido fazer essa experiência esse ano, até mais para poder ter dados mais adequados para depois tomar uma decisão mais definitiva”, opina.
Na falta de estudos mais detalhados e definitivos sobre as vantagens e desvantagens do horário de verão, o mais prudente, segundo os especialistas, é não acabar definitivamente com a medida, avaliando a cada ano a sua pertinência ou não.
“Se a demanda por energia voltar a crescer e o sistema não conseguir atender, daí é só retomar o horário de verão. É o custo da canetada”, opina Nivalde de Castro.
O especialista não arrisca, entretanto, fazer uma projeção do prazo que o país poderia abrir mão do horário de verão sem correr riscos para o setor elétrico. “Tudo vai depender do ritmo de crescimento da economia e isso nem o Paulo Guedes sabe”, acrescenta.
Origem do horário de verão
No Brasil, o horário de verão foi instituído durante a gestão de Getúlio Vargas, em 1931 e 1932, mas só passou a ser adotado sem interrupções a partir de 1985, tendo ocorrido também alterações entre os estados e as regiões que o adotaram ao longo do tempo.
No mundo, o horário diferenciado é adotado por dezenas de países, mas é mais comum em países fora da região tropical. Ele é adotado em países como Canadá, Austrália, Groelândia, México, Nova Zelândia, Chile, Paraguai e Uruguai. Por outro lado, Rússia, China e Japão, por exemplo, não implementam esta medida, segundo documento do Ministério de Minas e Energia.
Outros países também tem discutido o fim do horário de verão. O Parlamento Europeu aprovou no final de março, o fim da obrigatoriedade do horário de verão a partir de 2021, atendendo ao resultado de uma pesquisa feita em toda a União Europeia (UE) e na qual a ampla maioria dos cidadãos se mostrou a favor do fim da mudança de hora duas vezes por ano. Agora, cada nação poderá escolher em qual horário quer ficar permanentemente. (Fonte:G1)