O Ministério Público disse na tarde desta terça-feira (12) que a vereadora Marielle Franco foi morta por causa de uma “repulsa” do atirador Ronnie Lessa a sua atuação política em defesa de causas voltadas para as minorias. O PM reformado Ronnie foi apontado pela força-tarefa como o atirador.
Essa motivação não inviabiliza, segundo as promotoras, um possível mando do crime. As investigações seguem em sigilo justamente para identificar se alguém eventualmente tenha encomendado a morte de Marielle.
“Todos os autos de investigação nos autorizam a hoje a afirmar e a colocar e a imputar aos dois denunciados a motivação torpe, decorrente de uma (…) repulsa, de uma reação de Ronnie Lessa à atuação política de Marielle na defesa de suas causas”, disse Simone Sibilio , promotora de justiça e coordenadora do Gaeco. Entre essas causas estão a defesa de “minorias, mulheres negras, LGBT, entre outras”.
Leia mais:“Essa motivação ela é decorrente da atuação política dela, mas não inviabiliza um possível mando. Ela não inviabiliza que o crime tenha sido praticado por uma paga ou promessa de recompensa. Essas causas juridicamente e faticamente não se repelem”, acrescentou a promotora.
Perguntada sobre que elementos da investigação demonstram a motivação torpe para o crime, a promotora afirmou que as pesquisas feitas por Ronnie Lessa “demonstram perfil absolutamente reativo a essas pessoas que se dedicam às causas das minorias”.
Ela disse ainda como se deu o crime: “O executor Lessa atirou contra o carro que estavam a vítima. Foram 14 disparos que atingiram o veículo. A denúncia também imputa o crime mediante emboscada porque monitoraram a vítima. Eles aguardaram ela sair da Câmara, tinham informações privilegiadas e ficaram na Rua dos Inválidos até Marielle sair de lá”, acrescentou Sibilio. Lessa confessou o crime, segundo a polícia.
Segundo o MP, Ronnie Lessa afirmou informalmente, no momento da prisão, que ele tinha sido avisado sobre a realização da operação previamente. Ele foi preso por volta das 4h.
Suposto envolvimento com milícias
Está em apuração, segundo as promotoras, a possibilidade de envolvimento de Ronnie Lessa com as milícias.
“Não se tem ainda prova contundente de que ele participa de alguma organização de milícia. Mas ainda há a possível participação dele em atividade paramilitar, não em Rios das Pedras”, disse a promotora Leticia Emile Alquebres Petriz.
“O Lessa é um PM reformado. O nome dele não surgiu única e exclusivamente a partir do homicídio da Marielle e Anderson. O nome dele já era investigado sobre crimes de contravenção. Podemos afirmar que existem homicídios ligados à contravenção em que ele figura como suspeito”, acrescentou.
Policiais da Divisão de Homicídios da Polícia Civil e promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro prenderam, por volta das 4h30 desta terça-feira (12), o policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos.
A força-tarefa que levou à Operação Lume diz que eles participaram dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Os crimes completam um ano nesta quinta-feira (14).
As promotoras afirmaram que a operação não foi programada para coincidir com o aniversário do crime. “A investigação ficou madura. Se não tivesse madura, MP não ofereceria denúncia. Operação seria amanhã, foi antecipada em razão de rumores de que operação seria vazada”, disse Simone.
Parentes de Marielle participam de coletiva
A irmã de Marielle, Anielle Franco, participou da coletiva e afirma que espera que o mandante do crime seja encontrado.
“A gente não tem muito o que avaliar. É uma mistura de sentimentos. Foi um passo grande dado. A gente espera que consiga descobrir o mandante. É um vazio muito grande que da, só a gente sabe que estamos passando”.
Antonio Francisco da Silva, pai de Marielle, disse que a prisão dos suspeitos do assassinato o surpreendeu. “Eu esperava que isso não acontecesse. Eu estava errado na minha visão. O próximo passo será a condenação dos dois. Um indivíduo que age em tocaia, sem dar a menor chance de defesa, esses indivíduos não podem fazer parte da sociedade. Se eles tiveram a intenção de calar a Marielle, eles conseguiram. Mas não conseguiram nos calar que ficamos aqui para defender o legado de Marielle”, afirmou.
“Hoje eu entendi que o que aconteceu foi muito maior do que eu imaginava. Tem muita coisa para ser descoberta e para colocar um ponto final na nossa dor. Ainda tem muita coisa para se descobrir o que falta. Para descobrir quem foi o mandante ou se teve um mandante”, completou Agatha Gomes, mulher do motorista Anderson Gomes.
“Com a prisão dos dois suspeitos diminui um pouco a nossa angústia. A minha principalmente porque eu ficava imaginando que nunca consegui chegar a um motivo, por menor que fosse, para que tivesse sido feito o assassinato de Marielle e Anderson. Sempre me perguntava o que ela fez para merece tamanha injustiça. Se ela era uma defensora dos direitos humanos, ela não estava cometendo crime. Com a prisão desses indivíduos, fica muito difícil pra mim entender esse motivo. Eu nunca consegui ver nenhum motivo para que minha filha fosse assassinada”, disse também Antônio.
Promotora explica como atirador foi identificado
Elisa Fraga, promotora de justiça e coordenadora da Coordenadoria de segurança e inteligência, explicou como o atirador foi identificado.
“Tivemos três frentes de trabalho. Uma desenvolvida na divisão de inteligência, com agentes de campo. Uma outra que trabalhamos com a ação telemática, em conjunto com agentes do Gaeco: analisamos o conteúdo que recebemos dos provedores. A terceira é através da divisão de evidências digitais e tecnologia”.
“Recebemos uma imagem feita na casa das pedras, a imagem foi gerada por uma câmara de infravermelho. Para saber o biotipo do atirador, podemos traçar um perfil dele. Depois conseguimos usar uma atividade de luz e sombra para identificar que não tinha ninguém no banco da frente, onde tinha sombra é um vácuo de imagem”, acrescentou.
“Nessa imagem obtida, havia um braço direito do atirador. Fizemos a análise e com a comparação de outras imagens do Ronnie Lessa, observamos uma compatibilidade do réu com o atirador”, disse ainda Elisa.
Prisões
Segundo informações obtidas pelo G1, Ronnie e Élcio estavam saindo de suas casas quando foram presos. Eles não resistiram à prisão e nada disseram aos policiais.
Ronnie estava em sua casa em um condomínio na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, o mesmo onde o presidente Jair Bolsonaro tem residência. Élcio mora na Rua Eulina Ribeiro, no Engenho de Dentro.
A Operação Lume cumpre ainda 32 mandados de busca e apreensão contra os denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munição e outros objetos. Durante todo o dia, haverá buscas em dezenas de endereços de outros suspeitos.
Após a prisão de Ronnie, agentes fizeram varredura no terreno da casa dele e encontraram armas e facas. Detectores de metais foram usados para vasculhar o solo, e até uma caixa d’água passou por vistoria. (Fonte:G1)