Vivendo em dois dos pontos socioeconomicamente considerados mais vulneráveis da Marabá Pioneira, as famílias dos Bairros Francisco Coelho, o Cabelo Seco, e Vila Canaã, a Vila do Rato, vivem o suspense – e consequentemente a angústia – de serem retirados dos locais para a construção das obras de infraestrutura portuária e de proteção das margens do Rio Tocantins e Rio Itacaiúnas, apelidadas de “Nova Orla”, em Marabá.
Os foram recursos garantidos pelo Ministério da Integração Nacional, à época tendo Helder Barbalho como ministro, que destinou R$ 66.883.180,48 para construção de muro de arrimo que contenha erosão em três pontos: Marabá Pioneira, Folha 33 (Nova Marabá) e Bairro Amapá (Cidade Nova), totalizando 1.320 metros de extensão. A primeira parte do recurso foi liberada para a Prefeitura de Marabá e até hoje a construção não foi iniciada.
Na Marabá Pioneira os dois bairros serão contemplados e em ambos os casos a comunidade local sofre com o risco de ver casas sendo engolidas pelos rios em decorrência da erosão acelerada pela dragagem de seixo e areia nos rios.
Leia mais:VILA DO RATO
Segundo o Censo de 2010 e o Atlas Brasil de 2013, a renda média dos moradores do Bairro Vila Canaã, por exemplo, é de R$ 510. No ano passado, eles chegaram a ser notificados por equipes da Postura de que teriam que deixar as casas no prazo de sete dias, mas depois foram informados que o aviso havia sido erroneamente entregue. Agora, não sabem quando será o próximo susto.
“Vieram (equipes da Prefeitura) notificar todo mundo para desabitar porque terão que fazer algo aqui. Meu medo é jogarem a gente pra fora e ficarmos sem local para morar porque a gente que vive aqui é suspeito de qualquer hora jogarem a gente fora. A casa é minha, moro há mais de 10 anos aqui, eu, meu marido, temos dois filhos. Se tiver que sair eu não tenho pra onde ir”, afirma Carina Leite da Silva.
Domingos Pereira Marinho, que vive praticamente do rio, pescando, sendo canoeiro e confeccionando tarrafas, vive há 10 anos no local e também diz ser receoso com o ‘escuro’ em que as famílias foram colocadas. “Estão com esse projeto, mas até agora não fizeram nada, não estamos sabendo de nada. Apenas mandaram uma liminar pra gente sair daqui em sete dias, recorremos e depois vieram aqui dizer que era errada e que não era para cá a liminar. Não sabemos de nada, nunca desceu ninguém aqui, nunca temos informações”.
Lindalva Alves vive com o companheiro e afirma que até gostaria de deixar a vida muitas vezes sofridas de margem de rio, mas não tem pra onde ir e não pretende deixar o ‘barraco’ em que vive facilmente. “Tenho medo de ficar sem nada. Eu não fico sem meu barraquinho, não. Ae passar máquina bem aí passa comigo dentro porque não saio, não. Fico zangada se quiserem me tirar sem dar outro barraco pra gente. Semana passada o menino ouviu na rádio dizendo que eles iriam passar com a patrola derrubando todos os barracos de quem mora aqui”, afirma, sem saber detalhar a fonte da informação que chegou até ela.
Demonstrando mais tranquilidade, Lindalva Ribeiro de Araújo diz acreditar que a Prefeitura Municipal vai firmar acordo com os moradores, garantindo meios de saída, como aluguel social, por exemplo. “A gente tem reconhecimento de que vão passar um muro de sustentação, uma orla que falam, mas ninguém sabe se é verdade porque faz bastante tempo que eles têm esse projeto. O Túlio (coordenador de Postura) veio aqui e conversou conosco, que não era pra ter medo e que se tivesse algo pra gente sair eles iriam entrar em acordo conosco”, declarou.
Acerca da previsão de início das obras, entretendo, não se sente segura. “Falaram desde o ano passado que iam mexer aqui, aí finalizou o ano e ainda não fizeram. A gente não vai brigar, queremos um acordo, ver o que podem fazer pra gente não ficar no meio da rua porque se a gente mora aqui é porque a gente não tem condição de morar em um lugar melhor. Aqui a gente trabalha e se sairmos daqui vamos passar necessidade. A gente vive daqui, atravessa gente (de barco), pesca, remenda rede, essas coisas. Se formos pra um local mais difícil vamos passar necessidade”.
CABELO SECO
O Bairro Francisco Coelho abriga um pontal, onde teve início a cidade de Marabá, no encontro entre os Rios Itacaiunas e Tocantins. É lá que vivem as pessoas mais afetadas pela erosão no bairro e onde também está a faixa mais pobre de famílias: com rendimento mensal na média de R$ 412,38.
Conforme o presidente da Associação dos Moradores do Bairro Francisco Coelho, Maxivan Moraes Silva, a promessa de construção do muro de arrimo gera expectativa nas famílias, preocupadas que um dia suas casas acabem dentro do rio. Pelo risco, quatro delas já foram retiradas pela Prefeitura Municipal e várias outras já tiveram os quintais engolidos.
“São aproximadamente 200 famílias na ponta do Cabelo Seco e umas 15 casas foram desalojadas por risco nas residências, as famílias recebem aluguel social. A expectativa é grande porque a promessa também é grande. A gente espera que seja neste ano, após o inverno, mas não sabemos data prevista. De lá pra cá (meados de 2018) não falamos mais com a administração”, declarou, reiterando a urgência da obra. “O povo quer o cais o mais rápido possível”.
Raimundo Coelho de Sousa nasceu no bairro, há 74 anos, e nunca saiu. Vive sozinho em uma casa de madeira que considera comprometida. “Acabou meu quintal, foi caindo, caindo, falta fazerem a orla e nunca fizeram, só estão prometendo e não fazem. A cada ano que passa cai mais terra. Só veio a promessa de fazer neste verão (2018), mas passou e não fizeram e agora estão falando de novo em fazer”, desabafa.
Ele acrescenta que se deita temeroso todos os dias. “Durmo com medo de qualquer hora desabar e não posso largar a casa, eu nasci e me criei aqui, sou pescador. Algumas casas já foram retiradas e estão morando de aluguel social e ninguém sabe se faz ou não (obra), a conversa é fazer”.
Tertuliano Dias Aragão chegou ao local em 1953 e também diz que há medo nas famílias. “Pode, numa chuva forte, casa cair. Tem casa bem na ribanceira e eles tem como arrumar um lugar pra dragar mais distante das casas, fora a poluição”. Sobre a obra, diz também estar na expectativa. “Falaram que tem uma verba depositada e deu um problema de não sei o que e acho que ficou porá 2019, mas não temos certeza se começa, ninguém sabe”.
SAIBA MAIS
Na noite de ontem, segunda (18), a Reportagem do Jornal CORREIO procurou a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Marabá e esta informou não ter conseguido, devido o adiantado horário, contato com a Secretária de Obras, mas se comprometeu a agendar uma entrevista com o secretário, Fábio Moreira, ainda nesta semana.
Obra já tem empresa responsável por executá-la há um ano
Em fevereiro do ano passado, 2018, a Comissão Especial de Licitação da Secretaria Municipal De Viação e Obras Públicas (SEVOP) divulgou, no Diário Oficial da União, o resultado do julgamento da habilitação da empresa que ofertou o menor preço para a elaboração de projeto e execução das obras de infraestrutura portuária e de proteção das margens do Rio Tocantins e Rio Itacaiunas em Marabá.
A vencedora foi a empresa Cejen Engenharia Ltda que ofertou o valor global de R$ 42.170.000,00. A documentação apresentada foi considerada satisfatória, sendo a empresa declarada habilitada.
Ainda na época, a Prefeitura Municipal de Marabá informou ao Jornal CORREIO que bastava ser iniciado o processo de emissão de licenças e que a previsão de início era ao término do período chuvoso de 2018 e após a baixa dos rios, em abril ou maio, acrescentando que a verba já estava pré-empenhada.
Ontem, segunda, a assessoria de comunicação relatou à Reportagem que o projeto foi refeito algumas vezes e, por fim, a Prefeitura Municipal, em acordo com o Ministério da Integração, contratou uma consultoria para confeccioná-lo.
(Karine Sued com informações de Josseli Carvalho)