Passar o Natal sem familiares já é algo triste para muitas pessoas e é mais ainda para quem não tem teto e vive nas ruas de Porto Alegre, uma das maiores capitais do Brasil. Paulo Ferreira, 45 anos, e sua companheira, Vera Regina Vieira, 62 anos, sobrevivem na área central sob o Viaduto da Conceição, próximo à rodoviária, e ganham algum dinheiro catando materiais recicláveis e vendendo água para taxistas e pedestres. A água é comprada por um empreendedor que abastece os moradores de rua e divide o lucro com eles. O esforço de ambos rende pouco mais de R$ 1 mil, em média, por mês.
As festas de final de ano não são nada alegres como nas famílias estruturadas e que possuem um local para morar. “Ficamos aqui, olhando as festas nos edifícios, os fogos e recebendo as doações que nos trazem. Tem muita gente boa que vê a nossa dificuldade e nos traz algo. Agradecemos por isso, porque não ter um teto e um emprego é muito ruim. O pastor de uma igreja aqui perto, faz um churrasco no Natal para quem está na mesma situação nossa e aproveitamos. É lógico que seria melhor estarmos na nossa casa, com os parentes e filhos, mas eu nem penso nisso porque não temos como fazer nada para mudar essa realidade”, desabafa Paulo.
Ele é natural de Soledade, no interior do Rio Grande do Sul, e assim como os pais e os quatro irmãos, trabalhava na roça desde cedo. Mas só quando tinha trabalhos de capina e roçadas nas chácaras. Há cinco anos, ele decidiu tentar a sorte em Florianópolis. Ficou sabendo por amigos que havia emprego de pintura em pousadas. O trabalho durou apenas seis meses e nem deu para juntar dinheiro. Já com os pais falecidos, voltar para o interior estava fora dos planos. “Lá é difícil ganhar dinheiro. Hoje, estamos na rua, mas ganhamos mais. Fome não passamos”, revela.
Leia mais:No ano seguinte ao que chegou em Porto Alegre, procurando latinhas durante a festa da virada promovida pela Prefeitura na Orla do Guaíba, conheceu Vera e o cachorro Bob, hoje com 11 anos. Conversaram e decidiram se unir. Este será o quarto Natal que vão passar juntos, o segundo embaixo do viaduto na casa improvisada com móveis recolhidos das ruas. A comida é preparada com fogo de chão, com panelas sobre uma grade. Vera mantém o local limpo e Bob bem cuidado. A história de Vera é um pouco diferente. Não veio do interior tentar a sorte. Tinha casa e filhos em Porto Alegre. No total, nove. Os homens, envolvidos com a criminalidade, já morreram. Sobraram as cinco filhas, mas raramente elas se vêem. “Eu não gosto do lugar onde tem a minha casa e não gosto de ficar me incomodando. Aqui, eu toco minha vida sem ter que dar explicação para ninguém”, diz.
Eles já chegaram a consumir crack, mas conseguir deixar por vontade própria. Ficou a cachaça e a maconha, consumidas sem muita frequência. “Dizem que não dá para largar o crack, mas eu larguei. Dá sim”, afirma. Vera está há mais de 40 anos morando pelas ruas de Porto Alegre e nem lembra exatamente quando deixou sua casa. Não se recorda também das comemorações de Natal, que fez questão de esquecer devido aos problemas de relacionamento entre os familiares. As filhas raramente a procuram e no Natal ela também não recorda se foi visitada algum dia.
“A minha vida é assim mesmo, na rua tentando sobreviver. Agora estou com ele (Paulo) e a gente se ajuda para ir tocando a vida”, conta. Já Paulo recorda do tempo no interior. Apesar da falta de emprego fixo, no Natal sempre dava para reunir a família e comemorar a data com churrasco e cerveja. “Era muito bom, tudo com muita alegria. Mas isso somente enquanto meus pais estavam vivos. Depois que partiram, não teve mais como conviver com meus irmãos”, revela. No total eram cinco, mas um já faleceu.
Os quatro ainda vivos continuam trabalhando na roça, em Soledade. Contato com eles é algo que não existe. “Eu tenho a minha vida aqui. A gente gostaria de ter um local para morar e trabalho, mas nunca ninguém da Prefeitura nos procurou para oferecer algo diferente do que temos”, lamenta. Vera também é analfabeta, mas está matriculada em um curso oferecido por uma igreja próxima e aprendendo a ler e escrever. Paulo não pensa em seguir o exemplo. “Não sei se vale a pena. Vai mudar o que na minha vida?”, questiona. Neste Natal, ambos ficarão sob o viaduto aguardando pela iniciativa voluntária de várias pessoas que preparam refeições para distribuir aos moradores de rua. (Da Redação)