📅 Publicado em 04/12/2025 16h06✏️ Atualizado em 04/12/2025 16h28
Os olhos de Marabá se voltam nesta quinta-feira (4) para o Fórum da comarca, onde ocorre o julgamento que deve definir o destino de Sara Nunes, quase dois anos após o assassinato de Ana Beatriz, morta a facadas em janeiro de 2024 dentro de um bar no bairro Novo Horizonte. A sessão, que encerra a série de 54 julgamentos do Tribunal do Júri realizados neste ano, mobilizou familiares, amigos e moradores que acompanham o caso desde o início. O crime, marcado pela brutalidade e pela repercussão em vários estados, reacendeu na comunidade o sentimento de comoção e a expectativa por justiça.
A sessão plenária teve início por volta das 9h, com o sorteio do Conselho de Sentença, formado por seis mulheres e um homem, e logo em seguida foram abertas as oitivas, quando testemunhas e posteriormente a própria ré foram escutadas pela juíza Alessandra Rocha.
“Ela ainda se desculpou comigo”, conta David Gabriel
Leia mais:Entre os depoimentos estava o de David Gabriel Barros de Souza, amigo de Ana Beatriz e, também, ferido na noite do crime por Sara. Ele relatou às partes que não tinha convivência íntima com a ré, apenas a conhecia de vista e do ambiente de trabalho. O mesmo valia para Ana, com quem foi construindo amizade ao longo do tempo. Gabriel afirmou que tinham fofocas no trabalho insinuando que os dois estariam se relacionando, situação desconfortável para Ana, que era casada à época.
Sobre o dia do crime, David disse que chegou ao bar com Ana por volta das 18h30 e que, pouco depois, Sara apareceu rondando o local; Ana teria comentado que ela estaria tirando fotos dos dois. O estopim, porém, foi quando Ana enviou uma solicitação nas redes sociais ao companheiro de Sara, o que gerou um desentendimento virtual imediato. David contou que, enquanto estava no balcão pagando a conta, Sara se aproximou de Ana já a agredindo, sem qualquer diálogo, e que ao tentar apartar a briga entre as duas acabou sendo perfurado pela faca que a acusada escondia nas costas.
Ana, atingida diversas vezes, morreu ainda na ambulância, enquanto ele seguiu em uma motocicleta logo atrás. David também relatou que Sara permaneceu do outro lado do muro do bar segurando a faca até a chegada da polícia e que, antes de ser detida, teria pedido desculpas por tê-lo ferido. No Hospital Municipal de Marabá (HMM), onde recebeu curativos, já havia uma investigadora da Polícia Civil à sua espera para colher informações preliminares.
No depoimento David contou que as duas eram amigas próximas, porém a amizade abruptamente rompeu após o clima no ambiente de trabalho. Ele relatou que a faca usada no crime foi um elemento surpresa, não percebido por ninguém antes da agressão, e destaca supostos antecedentes de comportamento violento atribuídos à ré, incluindo episódios envolvendo facas em discussões com um ex-namorado. A defesa, por sua vez, não apresentou pontuações novas ou contundentes, limitando-se a reiterar argumentos já registrados nos autos.
Além do homicídio, Sara também é acusada de fraude processual e do crime de lesão corporal contra David. “A Ana, no chão, só perguntava pela mãe e que não conseguia respirar”, declarou Uandrea de Souza
A irmã de David, Uandrea de Souza, que também estava no bar na noite do crime, apresentou ao Tribunal sua versão dos fatos. Ela afirmou que conhecia Sara apenas de vista, da época de escola, e que, segundo lembrava, a ré já carregava um histórico de ser “briguenta”. Contou que, na mesa do bar, estavam apenas ela, David e Ana Beatriz, e que, ao chegar, percebeu Ana o tempo todo no celular, com expressão fechada.
Após as trocas de mensagens entre Ana e Sara, o clima na mesa desandou, levando o irmão a chamá-la na tentativa de “salvar a noite”.
Ainda de acordo com seu depoimento, o momento da agressão foi repentino: “Ela já chegou pegando a Ana pelo pescoço”, relata, explicando que ficou nervosa e se afastou da briga. Após o ataque, Uandrea conta que se aproximou de Sara e pediu que ela entregasse a faca, o que não ocorreu; a ré teria permanecido parada, apenas aguardando, segurando a arma.
Em sua fala, Uandrea reforça pontos utilizados pela acusação, afirmando que foi ela quem recolheu os pertences de Ana que ficaram espalhados no chão e que, em nenhum instante, Sara prestou qualquer socorro – nem à vítima fatal, nem a David. Destacou ainda que o bar estava lotado no momento do crime e mencionou ter “sabido”, informalmente, que Sara já teria tentado esfaquear outra pessoa tempos atrás, possivelmente um ex-namorado. Segundo relatou, Ana caiu ao chão pedindo pela mãe e com grande dificuldade de respirar.
A defesa, mais uma vez, não trouxe contestações novas, limitando-se a repetir argumentos já levantados anteriormente nas alegações e nas fases preliminares do processo.
“Meu filho, a tia Bia agora é uma estrelinha”, lamenta a irmã de Ana
Um dos momentos mais emocionantes do julgamento veio do depoimento de Evelyn Machado, irmã de Ana Beatriz, que falou ao Júri claramente tomada pelas lembranças e pela dor.
Ela contou que estava em casa quando, por volta de 3h30 da manhã, recebeu um telefonema do número da mãe, mas quem estava na linha era a irmã de David. “Ela só perguntou se eu podia ir até a casa da minha mãe”, relata Evelyn, dizendo que, imediatamente, passou a questionar o que havia acontecido. “Eu perguntava o que houve com a minha mãe e ela dizia que só ia me contar quando eu chegasse. Eu insisti, queria saber na hora. Foi quando ela disse que não tinha acontecido nada com a minha mãe, mas com a Ana. Que tinha acontecido um acidente e que ela havia morrido”.
Desesperada, Evelyn saiu de casa acompanhada pelo marido e seguiu para a residência da mãe, onde recebeu a confirmação oficial da morte da irmã. Ela afirmou que Ana já havia comentado sobre Sara anteriormente, especialmente sobre as fofocas que circulavam no ambiente de trabalho.
Muito abalada, Evelyn destacou ao plenário o impacto da perda dentro da família, lembrando inclusive de como o filho pequeno tenta compreender a ausência da tia. “Meu filho pergunta: ‘mamãe, onde está a tia Bia?’ E eu respondo com grande dor no coração: ‘meu amor, a tia Bia está cuidando da gente lá do céu. Agora ela é uma estrelinha’”.
Ela explica que a vítima e a ré trabalhavam juntas em uma loja de celulares e que, apesar das desavenças e dos comentários maldosos, Ana nunca demonstrou que iria fazer algo contra Sara, apenas se incomodava com a situação.
Antes do encerramento de seu depoimento, Evelyn contou que uma pessoa, que preferiu não se identificar, lhe disse que certa vez Ana estava atendendo uma cliente na loja enquanto Sara, ao lado, apenas balançava a cabeça negativamente. A mesma pessoa teria alertado: “Ana, cuidado com a Sara. Ela é uma cobra, ela é perigosa”.
A defesa concentrou sua atuação justamente nessa parte do relato e insistiu repetidamente para que Evelyn revelasse o nome da pessoa que fez o alerta. A testemunha se manteve firme e não revelou a identidade, o que acabou dominando o trecho final de sua oitiva.
Logo após a irmã de Ana, foram ouvidos também o dono do estabelecimento onde o agravante aconteceu, Maxmiller Araújo de Andrade, dando quais providências providenciou após o crime, como chamar por emergência e ceder as imagens de segurança; e também a delegada Allana Araújo, que confirmou que Sara apagou informações do telefone celular, as mensagens que enviou para a Ana foram apagadas, configurando o crime de fraude processual. Foi divulgado também áudios que Sara havia enviado a uma amiga horas antes do crime, alegando que “ela [Ana] deveria torcer para encontrar o Deus, mas não ela”.
Sara responde por homicídio qualificado, lesão corporal e fraude processual, já que também feriu um amigo da vítima que tentou intervir e é acusada de apagar conversas após o crime. No depoimento ao júri, ela disse que a briga começou por uma desavença antiga com Ana Beatriz, marcada por acusações de fofoca. Declarou que saiu de casa apenas para discutir, admitiu ter consumido álcool e cocaína e afirmou que, no tumulto no bar, sacou a faca sem perceber quando atingiu a vítima. Negou ter planejado o crime.
O interrogatório foi curto, conduzido pela defesa, com perguntas feitas apenas pelos jurados. Sara demonstrou arrependimento e disse que gostaria de ter agido diferente. A acusação é representada pela promotora Cristine Magella e pelos advogados assistentes Diego Freires e Kevin Damaceno. A defesa é feita pelos advogados Arnaldo Ramos e Diego Souza.
