Correio de Carajás

Canais digitais tornam agências bancárias “fantasmas” em Marabá

Pix, apps e IA: Com 97% das operações no celular, agências físicas viram “sombras” do que já foram na terra de Francisco Coelho

Bancos redefinem serviços para o digital e, em Marabá, as agências físicas começam a esvaziar/Fotos: Evangelista Rocha
Por: Luciana Araújo

Há cinco anos, a pandemia de covid-19 reinventou a maneira como a população mundial lida com a internet e os recursos digitais. O modelo de educação a distância se fortaleceu, as vagas de teletrabalho cresceram, redes sociais como o TikTok tomaram conta da rotina dos usuários e, em todo o mundo, agências bancárias fecharam as portas.

A realidade pós-pandemia acelerou o desenvolvimento tecnológico, e a Inteligência Artificial (IA) se tornou protagonista dessa evolução. Paralelamente, sua existência tem impactado negativamente diversas classes profissionais, incluindo os bancários.

“Ela (a IA) começa a assumir o lugar dos trabalhadores. Poderia estar sendo utilizada para otimizar e trazer eficiência, mas tem atingido nossos postos de trabalho, impulsionando demissões justamente por estar nos substituindo”, expõe João Paulo Machado Silva, 45 anos, bancário e delegado do sindicato da categoria em Marabá.

Leia mais:

Essa reestruturação acontece porque os aplicativos de banco agora oferecem serviços e soluções que antes só eram possíveis acessando as agências. Desbloqueio de cartões, transferências de altos valores, empréstimos e investimentos são alguns exemplos. Além disso, com o Pix, boa parte da população deixou de realizar o saque do dinheiro em espécie.

Outro impacto direto são os bancos digitais e as fintechs. Pela facilidade da abertura de contas e por entregarem serviços semelhantes aos bancos tradicionais, essas instituições atraem um grande público, principalmente os mais jovens.

É Wellington Araújo, dirigente do Sindicato dos Bancários em Marabá, quem estima que cerca de quatro agências bancárias foram fechadas no município desde a pandemia. Na região, esse número chega a 10. Como consequência, inúmeros bancários perderam seus empregos.

“São pais e mães de família que estão sendo demitidos. A sociedade também é impactada, porque quando você fecha uma agência, quem deixa de ser atendido é aquele idoso do INSS, o pequeno comerciante, a Dona Maria e o Seu José que têm aquele empreendimento lá da feira. São eles que precisam daquele banco para poder tocar seu negócio”, argumenta Wellington.

Em Marabá, o fechamento mais recente aconteceu em janeiro de 2025, quando o Itaú encerrou as operações na agência da Folha 32. O Correio de Carajás entrou em contato com o banco para entender as circunstâncias que levaram ao fechamento. Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a instituição afirma, de maneira sucinta, que está transformando sua estratégia de varejo para pessoa física, focando na experiência digital.

O Itaú menciona que cerca de 97% das transações de pessoas físicas ocorrem pelos canais digitais e que a transformação redefine o papel da rede física, que adotará um modelo mais consultivo e nichado. Confira a nota na íntegra no final desta reportagem.

Em anos passados, o município chegou a ter 23 agências abertas. Atualmente, restam 17. Indo na contramão dessa regressão, a economia marabaense segue em crescimento. Para Wellington e João Paulo, essa conta não fecha.

Dirigentes sindicais, Wellington e João Paulo debatem os desafios da inclusão digital e a perda de empregos com o fechamento de agências em Marabá

SOBRECARGA DE SERVIÇO

A partir do momento em que a digitalização impacta o fechamento de postos de trabalho, para aqueles que seguem empregados, resta a sobrecarga.

“Quando uma agência é fechada, os clientes que eram atendidos ali são obrigados a irem para outra. Isso gera uma sobrecarga de serviço para aqueles que estão naquela outra agência”, explica João Paulo.

Se antes os funcionários atendiam os clientes, hoje eles tentam vender produtos financeiros e digitais. Recebem a atribuição de transmutar o serviço prestado presencialmente em uma assistência virtual. Em muitos casos, também cabe a eles a tarefa de alfabetizar digitalmente os novos usuários.

“Nós tínhamos lugares, agências, em que funcionários tinham que cumprir metas de aplicativo. Tinham que ensinar o cliente a utilizar esse aplicativo para poder vender produto”, conta Wellington.

A dupla de bancários reflete que os clientes têm sido vistos, cada vez mais, como meros detentores de um capital que precisa ser captado, e não como seres humanos. Suas dificuldades e necessidades são colocadas de lado e, como muitos não foram ‘alfabetizados digitalmente’, estão mais suscetíveis a fraudes e golpes.

Por isso, a classe roga por melhores condições de atendimento ao cliente e, também, qualidade de vida para si. Mas, para que isso aconteça, é preciso que novas agências e postos de trabalho sejam abertos para diluir a sobrecarga atual.

“A gente precisa, em primeiro lugar, de respeito. À sociedade em geral, ao município, aos cidadãos e a nós como categoria. É isso que a gente quer”, clama Wellington.

João Paulo: “A IA está assumindo o lugar dos trabalhadores”

INCLUSÃO DIGITAL

O avanço dos serviços digitais no sistema bancário reacende o debate sobre inclusão e acesso para pessoas que não têm tanta familiaridade com o uso de aplicativos, entre elas idosos e analfabetos. Para os representantes do Sindicato dos Bancários, a transição acelerada para o autosserviço tem ampliado desigualdades e colocado parte da população em situação de vulnerabilidade digital, ou seja, mais suscetível a golpes e fraudes.

Wellington e João Paulo apontam que o uso obrigatório de aplicativos para operações básicas impacta diretamente pessoas idosas, indivíduos com dificuldade de aprendizagem e cidadãos que, por diferentes motivos, não dominam ferramentas digitais.

“Isso para a gente é extremamente danoso. Sem contar que não é todo mundo que sabe utilizar o aplicativo. E aí, como é que essas pessoas ficam? Vão ficar à margem da sociedade? Vão ficar sem atendimento?”, questiona Wellington. As preocupações também envolvem a bancarização de novos usuários e o acesso a serviços essenciais.

Diante desse cenário, uma pergunta martela na mente dos profissionais: quem deve estar no centro das decisões do setor financeiro? A tecnologia ou o ser humano? A avaliação da dupla é de que as instituições precisam reforçar o compromisso social, garantindo alternativas seguras e acessíveis para todos os perfis de clientes.

Eles lembram que, embora os mecanismos de segurança digital tenham avançado, o atendimento presencial segue sendo um direito. A legislação impede que consumidores sejam obrigados a utilizar exclusivamente o autosserviço, preservando a opção de dialogar diretamente com funcionários e solicitar suporte individualizado. Para o setor, esse equilíbrio é fundamental para assegurar inclusão, respeito às escolhas dos usuários e atendimento adequado às necessidades da população.

Wellington: “São pais e mães de família que estão sendo demitidos”

NOTA DO ITAÚ NA ÍNTEGRA

“O Itaú Unibanco vem transformando sua estratégia de Varejo PF, com foco em oferecer uma experiência digital cada vez mais fluida e hiper personalizada.

Hoje, cerca de 97% das transações de pessoas físicas já ocorrem pelos canais digitais, e o superapp vem se consolidando como um aliado na gestão financeira do dia a dia. Com o apoio da Inteligência Itaú, vamos levar a experiência digital a novos patamares, direcionando investimentos para equipar times comerciais, em pontos físicos e digitais, para liderar conversas ainda mais qualificadas e soluções aderentes às necessidades dos clientes.

Essa transformação também redefine o papel da rede física, que continuará sendo parte essencial da estratégia e passará, ao longo dos próximos anos, a adotar um modelo mais consultivo e nichado. As unidades estarão preparadas para atender diferentes perfis com maior proximidade e especialização, unindo a eficiência do digital a uma presença humana acolhedora e qualificada nos momentos que exigem relacionamento e orientação financeira”.