Correio de Carajás

Mulheres comandam mais de 5 mil empresas em Marabá

Capital do Cobre no Brasil é a quinta cidade com maior número de empreendedoras no Pará; Parauapebas fica à frente, com mais de 7 mil mulheres na chefia

No Dia do Empreendedorismo, o Correio de Carajás conta a história de quatro mulheres donas do próprio negócio
Por: Milla Andrade

O empreendedorismo feminino tem se consolidado, nos últimos anos, como uma das principais forças da economia brasileira. Segundo a Jucepa (Junta Comercial do Estado do Pará), em Marabá, há 5.741 mulheres donas do próprio negócio, dados registrados em março deste ano. O número coloca o município na quinta colocação entre as cidades com maior volume de empresas comandadas por mulheres no Pará. A capital, Belém, lidera com 26.500 registros, seguida de Ananindeua (8.110), Parauapebas (7.113), Santarém (5.741) e Castanhal (4.411).

De acordo com o Sebrae, em 2022, um total de 10,35 milhões de mulheres lideravam negócios no país. O crescimento segue avançando, impulsionado pela busca por independência financeira, realização pessoal e, muitas vezes, liberdade para conciliar trabalho e família.

Entre 2019 e 2023, esse avanço foi destaque. Em 2024, a participação feminina no meio empresarial chegou a 46,8%. Segundo a Jucepa, cerca de 40.299 mulheres atuam no comércio varejista no Pará, o que representa 40% do setor. Outro segmento de destaque é o alimentício, com 7.450 empresas comandadas por mulheres.

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No estado, existem 420 mil empresas ativas, desse total, aproximadamente 106.735 têm mulheres como proprietárias ou sócias. O número representa uma conquista histórica construída com muita luta.

Mais do que estatísticas, cada dado carrega trajetórias de coragem, persistência e enfrentamento. Mulheres que lidam com desigualdade de gênero, preconceito e inúmeras barreiras, e mesmo assim seguem abrindo caminhos, inovando e inspirando outras.

DA INDÚSTRIA À CADEIRA DA PRESIDÊNCIA

Elas quebram paradigmas, ocupam espaços e continuam resistindo. Em entrevista ao Correio de Carajás, a presidente da Associação Comercial e Industrial de Marabá (ACIM), Nilva Nogueira Fernandes Olivi, destaca o poder da representatividade feminina e a presença pulsante das mulheres dentro da instituição.

O Brasil ocupa hoje a sétima posição mundial em número de mulheres empreendedoras. Segundo o Sebrae, dos 52 milhões de empreendimentos no país, 32 milhões são liderados por elas.

Nilva Olivi assumiu a presidência da ACIM e se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo em mais de 50 anos de entidade. Empresária do setor de combustíveis e formada em Ciências Sociais e Contabilidade, ela avalia que sua chegada ao posto acompanha o avanço do empreendedorismo feminino no município e no país.
Em sua fala, a presidente reforça como o crescimento vem de décadas. “O empreendedorismo feminino começou a crescer junto com as atividades comerciais e industriais e a mulher foi pertencendo a um espaço que anos atrás era muito difícil”, destaca.

Empresária do ramo de combustíveis, Nilva Olivi é atualmente a primeira mulher na presidência da Acim

Segundo ela, a pandemia também acelerou o movimento. “A mulher tem uma carga de horários, com família e filhos, mas ela se reinventou. Após isso, o empreendedorismo feminino passou a ser importante”, conclui.

Nilva chegou à ACIM após convite para integrar o Conselho da Mulher Empresária. Antes disso, acompanhava a instituição pela atuação do marido, César Olivi, diretor há mais de três décadas. Com a saída da então presidente do conselho, assumiu a função e, depois, foi indicada à presidência da entidade.

Quando o presidente se afastou para disputa eleitoral, ela assumiu o comando. “As pessoas ficavam falando que estava na hora de uma mulher ser presidente. Eu acredito que as coisas acontecem no tempo certo. Tudo isso foi em função da força do empreendedorismo feminino”, diz.

“Eu sinto que sou aceita por todos”, afirma ao ser questionada sobre resistência à presença feminina no poder. “Nunca ouvi nenhum comentário, pelo contrário, todos entendem e apoiam”. Atualmente, cerca de 40% dos associados da ACIM em Marabá são mulheres.

Nilva reconhece a sobrecarga enfrentada pelas empreendedoras. “A mulher não tem só dupla jornada, ela vai até o terceiro turno. Eu passei por tudo isso, criando filhos e trabalhando o tempo todo”, relembra.

Para ela, os desafios do mercado atingem homens e mulheres. “Estamos de igual para igual em relação aos desafios do mercado”, avalia. Mesmo em setores considerados masculinos, acredita que as barreiras foram quebradas. “Hoje a mulher faz atividades que há anos atrás eram essencialmente masculinas, mas hoje a mulher já está em todas as atividades. Esses bloqueios não existem mais”.

A presidente reforça o peso da representatividade. “Ser a primeira mulher presidente é entender que eu preciso deixar um legado, para mostrar a força que a mulher tem. É uma grande responsabilidade, porque represento hoje toda a comunidade e setor comercial e industrial”.

Atualmente, a ACIM conta com o Conselho da Mulher Empresária, presidido por Gilene Sá, que promove capacitação, networking e ações sociais. “A mulher começa a empreender dentro de casa fazendo alguma atividade manual. Ao ver o crescimento, ela sente a necessidade de regularização e visibilidade. Isso começa aos poucos”, pontua.
Para ela, sonhar é fundamental. “Devemos sonhar para entender o que precisamos, como vamos fazer, tudo com muita cautela. Sempre pense como será hoje e o dia de amanhã, e se preparar para este voo. É importante sonhar, se preparar e ousar, sair de um lugar comum e tentar viver de uma forma melhor”, finaliza.

TATUADORA TRANSFORMOU PAIXÃO EM NEGÓCIO

Na soma de histórias que inspiram, o Correio de Carajás conheceu a trajetória da tatuadora e empreendedora Nohemi Lima Dias, de 23 anos. Apesar da pouca idade, ela revela que não mediu esforços para montar o próprio estúdio na Velha Marabá, onde lidera a equipe.

Nohemi explica que encontrou na tatuagem uma forma de expressão artística, independência financeira e realização pessoal. “Atualmente trabalho com mais dois homens”, compartilha.

Antes de mergulhar na arte, trabalhou como body piercer, vendedora e até no ramo da alimentação. Mas foi no estúdio que descobriu o caminho para unir talento e empreendedorismo. “Sempre tive interesse na tatuagem, mas eu nunca tive a oportunidade de começar. Comecei a investir nisso e deu tudo certo”, diz.
A decisão de empreender surgiu há um ano e 10 meses. “Foi por uma questão financeira, de não querer trabalhar para os outros. Eu pensei: é o momento de guardar dinheiro, começar a investir e fazer o que eu realmente gosto”, conta.

Mesmo em um ambiente predominantemente masculino ela afirma que conseguiu espaço. “Como mulher, enfrentamos muito preconceito dentro da área da tatuagem, porque é uma categoria dominada por homens”.

Aos 23 anos, Nohemi lidera um estúdio de tatuagem na Velha Marabá

Motivada pelo descrédito que recebeu, a jovem garante que isso a motivou. “Quando eu fui pedir oportunidade para trabalhar em um estúdio, recebi um ‘não’. Muita gente não acreditava em mim e eu tive que mostrar meu valor”.

Hoje, ela gerencia as finanças, agenda, atende, pensa no marketing e ainda tatua. “Nem eu sei essa resposta”, brinca, quando questionada sobre como dar conta de tudo.

Sobre seu diferencial, ela é direta, e acredita que o a faz se sobressair dos demais é ser mulher. “A maioria das minhas clientes são mulheres. Elas se sentem mais confortáveis para tatuar comigo, ainda mais tatuagens íntimas”, afirma Nohemi.

Para o futuro, a jovem deseja expandir o negócio e investir ainda mais na carreira. “Acredito que ser empreendedora vai me dar esse privilégio de estar mais presente em casa. Quero que outras pessoas também trabalhem comigo, que outras famílias se beneficiem do meu estúdio”.

De sorriso largo, a jovem garante que é possível ser uma empreendedora de sucesso. “Rompa todas as barreiras do preconceito. Desenvolva sua arte e nunca desista. Eu consegui ir atrás mesmo com tudo dizendo que eu não ia conseguir, fui lá e fiz acontecer”, finaliza.

DO TRABALHO CLT AO EMPREENDEDORISMO ARTESÃO

Apesar dos avanços, os desafios continuam. A dupla jornada, a conciliação entre filhos e trabalho, além da dificuldade de ser levada a sério em alguns setores. Mesmo assim, elas seguem mudando o cenário.

Nesse contexto, o Correio de Carajás apresenta a história da artesã belenense Maryelle dos Santos Almeida, de 39 anos. Ela compartilha que o que começou como um passatempo de adolescência virou profissão. “Desde pré-adolescente eu gostava dessa parte de artesanato. Quando eu era pequena, tinha uma tia que usava muito laço, eu gostava dessa parte de enfeitar”, conta.

Aos 39 anos, Maryelle se lançou no mundo do artesanato e para ela tem dado certo

Maryelle relembra que durante anos conciliou o emprego formal com o artesanato, até o nascimento da filha mais nova. “Pensei, vou tentar ganhar dinheiro, juntar as duas coisas”, lembra.

O início foi por meio dos laços de fita, mas buscou um diferencial. Se encantou pelo bordado ponto cruz. O resultado foi o laço bordado, que conquistou a clientela. “Fiz um, foi elogiado, fiz outros e também elogiaram, então peguei o gosto”.

Hoje, a dona de casa é responsável por todas as etapas de seu empreendimento, desenha, corta, borda e entrega. Trabalhar de casa permite acompanhar de perto a rotina dos dois filhos. “Pela manhã, eu sou dona de casa. De tarde, tudo é voltado para o trabalho”.

A artesã cria verdadeiras obras de arte por meio do bordado

Segundo ela, a rotina, é intensa, mas faz bem. Em datas comemorativas, a demanda aumenta e aqui ela tem que se virar em muitas. “Já cheguei a dormir de madrugada para cumprir as entregas. Mas eu não penso no trabalho, eu penso no resultado final”, pontua. Mesmo gerindo um empreendimento virtual, ela garante que tudo isso exige muito, o cuidado em cada peça deve ser levado para o cartão-postal, que são as redes sociais. “Eles são a nossa vitrine”.

Mesmo enfrentando julgamentos, a empreendedora mantém o foco. “Muita gente fica meio assim quando eu falo que larguei o trabalho fora para empreender. Mas eu não deixo a bola cair. Eu sei que tenho um propósito”, conta com um sorriso.

E para quem empreende, cada conquista é sempre comemorada. Ela compartilha que depois de oito anos no ramo, agora se prepara para construir o espaço onde produzirá e atenderá as clientes. “Por enquanto, a loja é virtual, mas quero receber as pessoas aqui”.

Para ela, todo trabalho manual vai além da renda, inclui tempo, dedicação e amor em cada peça, algo que ultrapassa o financeiro. “É um refúgio e uma terapia. Um tempo bem gasto”, completa.

Convicta da própria escolha, a artesã é enfática. “Nem que eu pudesse voltar a ser CLT, eu ainda escolheria ficar em casa, investir no meu sonho, porque eu sei que dá certo”, avalia.

NOS BOLOS, ENCONTREI UM RECOMEÇO

Em 2022, 49% das empreendedoras eram chefes de família. Entre elas está Francisca Nogueira, de 52 anos, que encontrou na confeitaria o caminho de autonomia e reconstrução. Natural de Porção de Pedra, no Maranhão, ela conta que chegou a Marabá há mais de duas décadas. De família humilde, se emociona ao relembrar que o trabalho fez parte da criação das duas filhas, como mãe solo.

Hoje, Francisca é proprietária da ‘Frank Cakes’, faz bolos, brigadeiros, doces finos e personalizados, mas relembra que o percurso nem sempre foi doce. Depois de uma vida dedicada a trabalhar para outros, a confeiteira conta que começou no ramo como auxiliar de cozinha. “Devido à prática no local, eu fui pegando gosto pela profissão e resolvi entrar. É uma coisa que eu tenho carinho, tenho amor por fazer”, relata a confeiteira.

Motivada pela curiosidade e pela vontade de fazer acontecer, ela reflete que a mudança partiu da necessidade de autonomia. “No comércio, você fica à disposição do patrão. Quando você tem o seu próprio negócio, você pode ter um tempo para você”, destaca.

Como em todo processo, o maior obstáculo sempre é o medo, medo do incerto, de deixar o garantido. Segundo ela, o medo é capaz de travar um iniciante, mas com ela foi diferente, ela enfrentou mesmo sentindo. “Depois você vê que é gratificante. Não é só pelo dinheiro, mas também pelo resultado e pela felicidade do cliente”, declara.

Maranhense, emancipada em Marabá, Francisca encontrou na confeitaria a força para empreender

O processo foi longo ela compartilha que para se aperfeiçoar, investiu em cursos, inclusive em São Paulo. E para ela, tudo valeu a pena, pois conhecimento ninguém tira. Há oito anos, quando iniciou a sua trajetória empreendedora, Francisca diz que o custo dos insumos era menor, assim como a concorrência. “Os preços subiram, mas mercado é grande, cabe todo mundo. Eu amo o que faço”.

Para ela, empreender é enfrentar desafios, mas acima de tudo geri-los e permanecer firme no propósito. “Ser empreendedora é lidar com os desafios do dia a dia. Mas é importante saber que os obstáculos também levam a um ganho”.

Como mãe solo, ela reconhece que a confeitaria garantiu autonomia e sustento. Francisca segue empreendendo na cozinha de casa, e cada encomenda é prova de que valeu a pena. “Não tenha medo, ele impede muita coisa”, reflete.

As trajetórias de Nohemi, Nilva, Maryelle e Francisca mostram que, apesar das dificuldades, o empreendedorismo feminino segue abrindo oportunidades. Cada uma encontrou no próprio negócio uma forma de renda, independência e autonomia.

Da tatuagem à presidência de uma instituição centenária, dos laços bordados aos doces feitos dentro de casa, elas provam que empreender não é apenas abrir um negócio, é transformar a própria história. É resistir, enfrentar preconceitos, superar medos e viver com mais liberdade. Juntas, elas representam milhares de mulheres que, em Marabá e no Brasil, movem a economia e inspiram novas gerações a acreditar que também é possível.