Correio de Carajás

Indígenas Munduruku protestam em frente à Blue Zone na COP30

Povos exigem revogação do Decreto 12.600/2025, cancelamento da Ferrogrão e proteção contra grandes empreendimentos dentro do território

✏️ Atualizado em 14/11/2025 10h18

Em nota enviada à imprensa na manhã desta sexta-feira (14), indígenas do Movimento Ipereg Ayu, do povo Munduruku, deram uma declaração sobre o ato realizado em frente à entrada da Blue Zone da COP30. A manifestação ocorreu no intento de cobrar uma reunião emergencial com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os portões foram liberados por volta de 9h30.

O grupo denuncia que o governo federal está avançando com projetos de infraestrutura que ameaçam diretamente o território Munduruku, bem como todos os povos da bacia do Tapajós e Xingu. Tudo isso sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT.

Além dos megaempreendimentos, os Munduruku também protestam contra projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ jurisdicional que vêm sendo discutidos no âmbito da COP30 e em negociações governamentais.

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Para o movimento, tais iniciativas representam formas de ‘venda da floresta’ que retiram autonomia dos povos, permitem a entrada de empresas e intermediários nos territórios e não enfrentam a raiz dos problemas climáticos: o desmatamento industrial, o garimpo, as hidrovias e a expansão da soja.

“O governo e o mundo precisam entender que nossa floresta não está à venda. Nós não negociamos a mãe natureza”, afirmou uma liderança Munduruku durante o ato.

O principal alvo da manifestação é o Decreto nº 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias e incluiu o Tapajós, o Madeira e o Tocantins como eixos prioritários para navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto ‘abre a porteira’ para novas dragagens, derrocamento de pedrais sagrados e expansão acelerada de portos privados. “Esse decreto ameaça exterminar nosso modo de vida, porque transforma o rio em estrada de soja. Presidente Lula, o senhor precisa ouvir o nosso povo antes de decidir sobre nosso futuro”, afirma uma liderança do Movimento Ipereg Ayu.

Dados dos estudos do Inesc mostram que o corredor Tapajós–Arco Norte é hoje um dos principais vetores de avanço do agronegócio sobre a Amazônia. Entre 2010 e 2022, 68% de todo investimento federal em infraestrutura na região foi destinado a corredores de exportação, incluindo BR-163, Terminais de Itaituba/Miritituba e projetos de hidrovias no Tapajós. Em 2023, 47% das exportações de soja do Brasil já saíam pelos portos do Arco Norte — antes, eram 16% em 2010.

Na prática, isso tem efeito direto no território Munduruku. O Inesc e organizações parceiras apontam que:

  • A movimentação de cargas e adubos nas hidrovias do Tapajós explodiu: 167 mil toneladas em 2022, contra apenas 4 mil toneladas em 2019, um salto de mais de 4.000%.
  • O crescimento dos portos e barcaças reduz a pesca, contamina água e restringe a circulação de comunidades ribeirinhas — impactos já denunciados por aldeias Munduruku ao longo dos rios Tapajós e Teles Pires.
  • Dragagens emergenciais recentes no Tapajós, feitas sem consulta, mobilizaram sedimentos contaminados e afetaram igarapés usados por aldeias para pesca e navegação.

“Tudo isso acontece sem o Estado nos ouvir. Querem destruir o fundo do rio, querem explodir nossos pedrais sagrados, querem lotar o Tapajós de barcaças para levar soja para fora do Brasil. Quem mora aqui somos nós, não as empresas”, disse uma liderança Munduruku.

O movimento também cobra o cancelamento definitivo da Ferrogrão (EF-170) — projeto planejado para transportar soja desde Sinop (MT) a Miritituba (PA), onde as barcaças seguem pelo Tapajós. Segundo estudos do Ministério dos Transportes, a ferrovia pode multiplicar por seis o volume de grãos enviados pelo rio até 2049. Para os Munduruku, isso significará:

  • Mais portos próximos às aldeias (Miritituba, Itaituba e Trairão já concentram projetos em série);
  • Mais dragagens e risco de explosão de pedrais sagrados;
  • Expansão da soja sobre a borda das terras indígenas e aumento de conflitos fundiários;
  • Contaminação da água e dos peixes por agrotóxicos.

“O governo fala em compromisso climático, mas investe em projetos que destroem rios e florestas. O presidente Lula precisa olhar para o Tapajós e ouvir quem vive onde essa ferrovia quer passar”, afirma outra liderança.

Os Munduruku também cobram do governo federal a aceleração da demarcação das terras indígenas, dos processos parados no Ministério da Justiça e na Casa Civil, e responsabilizam o Estado por conflitos que aumentaram com o avanço da soja.

“Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute. Não aceitamos ser sacrificados para o agronegócio. Revogue o Decreto 12.600. Cancele a Ferrogrão. Demarque nossas terras. Fora crédito de carbono — nossa floresta não está à venda. Quem protege o clima somos nós, e a Amazônia não pode continuar sendo destruída para enriquecer grandes empresas”, finaliza. (Com informações do Movimento Munduruku Ipereg Ayu)