Correio de Carajás

Novos áudios detalham suspeitas de superfaturamento em obras

São bombásticos os áudios entregues ao DIÁRIO por uma fonte, revelando possíveis irregularidades na reforma do Parque do Utinga, em Belém. Como você leu nas edições de 02/12 e de ontem (9), a fonte, que trabalhou naquela reforma, garante que as obras foram superfaturadas em pelo menos R$ 12 milhões. Nas gravações, o secretário estadual de Cultura, Paulo Chaves, sugere, inclusive, que o empresário José Levy, da Paulitec, a executora da obra, fraude a certificação da madeira que seria usada na construção de uma cerca. Em outras conversas, ele tenta convencer técnicos da Secretaria de Cultura (Secult) a maquiarem um acréscimo de serviços e um aditivo de preço, em favor da Paulitec.

No entanto, há outros fatos que também chamam a atenção nessas gravações, que documentam duas reuniões (em 12/07/2016 e em 19/07/2016) entre Paulo Chaves, técnicos da Secult, da construtora Paulitec e da Sanevias, empresa responsável pelo gerenciamento das obras, para discutir entraves e aditivos na reforma do Utinga. O primeiro é o comportamento do empresário José Levy: ele interrompe e praticamente não deixa que o funcionário da Sanevias explique o porquê de não querer atestar o volume de aterro que a Paulitec afirma ter usado. Além disso, xinga, ameaça, chama palavrões, dá pancadas na mesa.

À certa altura da discussão sobre o volume de aterro, José Levy diz ao técnico da Sanevias: “Vou trazer um equipamento de São Paulo e vou medir essa merda eletronicamente. Não quero a Sanevias aqui. Não trato mais nada disso. É uma incoerência. Engenharia é meio-termo, é bom-senso, e você não tem o mínimo de bom-senso. Você não vai na obra, cara. Aí, não acaba a obra, (mas) não é problema teu, vai cair no doutor Paulo. Daqui pra frente, não trato nada com a Sanevias, porque não tem respaldo técnico. Se tivesse, tinha palavra e fazia. Não tem peito pra arcar com porra nenhuma. Negócio de parceria caracu, não vai”.

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PROTEÇÃO

Porém, chama ainda mais atenção a proximidade de José Levy com o secretário de Cultura, Paulo Chaves. É verdade que a Paulitec é a queridinha dos tucanos e executou ou executa algumas das milionárias obras do PSDB, no Pará: Feliz Lusitânia, Hangar – Centro de Convenções, Hospital Abelardo Santos, BRT da Augusto Montenegro, em Belém. Mesmo assim, a relação entre o empresário e o secretário, que contratou a Paulitec para o Utinga através de uma licitação cercada por suspeitas de irregularidades, chega a ser enternecedora, digamos assim, até a lembrar aquela música de Roberto Carlos “Não quero ver você triste”.

Na reunião de 19/07/2016, José Levy tenta até consolar Paulo Chaves, que se diz “muito triste” diante das divergências, aparentemente inconciliáveis, entre a Paulitec e a Sanevias, sobre o volume de aterro já usado no Utinga. Diante da “tristeza” do secretário, o empresário diz a ele: “Deixa eu dizer pra você, pra você não ficar tão triste, pra você saber que tem pessoas que olham por você. Você já viu a gama de serviços que tão sendo executados que eu não posso medir, e tão sendo executados porque você pediu?” E passa a desfiar trabalhos de drenagem e a aquisição antecipada de materiais, até com aparente prejuízo financeiro, para agradar o amigo de fé, irmão, camarada.

Mas, por incrível que pareça, há um momento ainda mais desconcertante, dessa reunião. É quando um técnico da Sanevias, de nome Nei, reclama que a Paulitec nem mesmo responde as correspondências enviadas pela empresa, que gerenciava as obras. Nei também pergunta por um documento, o planejamento dos serviços da Paulitec, até ironizando: “É segredo?”. E é então que José Levy dá uma resposta tão enigmática quanto comprometedora. “As coisas que não são entregues são para proteger uma pessoa” – afirma o empresário – “E essa pessoa se chama Paulo Chaves”.

Paulo Chaves visitando obra do Parque do Utinga: suspeia de pressão em fiscalização e fraudes na construção (Foto: Igor Brandão/Agência Pará)

Gravações também indicam irregularidades na Estação das Docas e Mangal das Garças

Outro fato que chama a atenção são as revelações de José Levy sobre fatos, talvez irregulares, na construção da Estação das Docas e do Mangal das Garças. Em uma conversa, ele sugere a Paulo Chaves o uso de policarbonato (um material semelhante ao vidro, porém, mais barato e menos durável), como alternativa à madeira de acapu, para a construção de uma cerca no Utinga.

Paulo Chaves recusa, um técnico pede informações e José Levy explica: “Dei essa ideia só pelo tempo. Como não tem nada aprovado, o preço, podia ser que desse uma solução e jogava esse vidro pro Porto das Flores, porque, a hora que fosse colocar é só trocar, porque não vai arranhar em dois anos. A Estação (das Docas) tem 14 anos, agora que tá arranhada. E quantas pessoas sabem que aquilo (na lateral do prédio) é policarbonato?” E, em meio ao bate-boca sobre o volume de aterro que seria necessário para o Utinga, ele revela: “No Mangal das Garças, era 22 mil metros cúbicos: pagaram 120. Porque tudo o que derramava ia embora. É a mesma coisa (aqui)”.

Mas não é apenas José Levy que faz revelações que exigem uma profunda investigação do Ministério Público, para, finalmente, abrir a caixa preta da atuação da Paulitec no Pará. Na reunião de 19/07/2016, um engenheiro, Nei, da Sanevias, diz: “Todo serviço deve ser pago pronto; tem uma especificação técnica que é compactada, comprovado, com ensaios, controle tecnológico, todo mundo sabe. Do universo de 100% desse material (ele se refere aos 22 mil metros cúbicos de aterro já pagos à Paulitec), zero por cento de comprovação. Inclusive, hoje, vocês vão passear na obra e as vias acesso A e B, por exemplo, não estão concluídas. Não tem nada concluído nessa obra; zero serviços concluídos, apesar de pago”.

Em outro momento, o mesmo engenheiro diz, ainda sobre o aterro: “O que não foi dito ainda é que, pelo parâmetro que a Paulitec está apresentando, estoura de longe a planilha; não daria pra terminar. A nossa planilha original, da Sanevias, dava menos de 42 mil (metros cúbicos de aterro). Com esse parâmetro vai dar muito maior. Leva farelo, se continuar medindo nesse parâmetro”.

E o que dizer do discurso de “Lamarão”, para apaziguar os ânimos? “A minha situação não é nenhuma; eu não trabalho pro Estado. Se sair ou não sair (a obra), não tô preocupado. Eu tô preocupado é com o cara que me pediu pra dar uma ajuda e eu vim ajudar. Eu tô preocupado com a empresa dele (aparentemente, a Paulitec) não ter os prejuízos que pode ter – nem tem, porque já tem ganhos demais, não vou avaliar isso. Não tô preocupado com o orçamento que foi dado pra vocês (a Sanevias) fazer o gerenciamento, que já foi reajustado, e tu sabes que o número não é pequeno. Não tô preocupado com isso, não quero nem saber disso: pra mim, já foi, já passou. Se tu me perguntares: Lamarão, tu vais contratar uma gerenciadora pra tocar isso aqui? Eu vou te responder: não vou. Eu vou montar um pessoal, que eu tenha confiança, e vou botar dentro da obra. O número que foi ganho, tu sabes que é um número alto pra cacete, pra coisas que não foram feitas. Por isso é que eu não quero estar discutindo o que foi feito, o que não foi feito, o que é que a Paulitec cobrou a mais, cobrou a menos: acabou. Quero é saber do dia 19 pra frente”.

Vale lembrar que, segundo a fonte que entregou os áudios e documentos ao DIÁRIO, boa parte do suposto superfaturamento das obras estaria, justamente, no volume de aterro declarado (leia o DIÁRIO de 02/12).

Suposto parente de Simão Jatene intermediou negociações

Nas duas reuniões da equipe que participou da reforma do Utinga, os áudios também documentam uma presença enigmática: um homem, identificado apenas como “Lamarão”, que não é funcionário nem da Paulitec, nem da Sanevias e nem do Governo. Segundo a fonte, “Lamarão” seria parente (possivelmente, cunhado) do governador Simão Jatene. O problema é que não há, aparentemente, justificativa legal para a participação dele nesses encontros. Mesmo assim, ele fala como se tivesse poder de mando sobre a Secult e até sobre os cofres do Governo.

À certa altura de uma discussão sobre o pagamento do volume de aterro que a Paulitec afirmava já ter usado, mas que a Sanevias se recusava a atestar, “Lamarão” diz a José Levy: “Zé, tu falaste uma coisa que é verdade: sem bom-senso não se resolve nada; sem conversa não vai se resolver nada. Então, pra ser mais drástico possível, é o seguinte: a Secretaria vai atestar. E pronto, acabou a história”. Antes, ele já havia dito a José Levy, para tentar acalmá-lo: “Zé, se o Paulo me autorizar, eu assino essa coisa. O meu problema, tu sabes qual é: eu não tenho nada de vínculo assinado. Então, isso teria de ser uma coisa vinda do Gustavo e do Mourão”.

Funcionários públicos, os engenheiros Mourão Carrera e Gustavo Leão eram os fiscais do contrato entre a Secult e a Paulitec, para a execução do Utinga. E, aparentemente, são eles que aparecem sendo pressionados a maquiar um acréscimo de serviços e um aditivo de preço nesses áudios (veja no DIÁRIO deste domingo).

(Diário do Pará)