Correio de Carajás

Professora une robótica e ancestralidade em escola da TI Mãe Maria

Educação indígena de Bom Jesus do Tocantins conquista reconhecimento nacional e fortalece raízes da aldeia Krintuwakatêjê

Professora Ariete Moraes recebeu moção de aplausos após criar projeto de robótica que estimula a preservação da cultura Gavião/ Fotos: Jeferson Lima
Por: Milla Andrade
✏️ Atualizado em 13/11/2025 14h07

A equipe de reportagem do Correio de Carajás esteve na aldeia Krintuwakatêjê (Parkatêjê), na tarde da última terça-feira (11), na Terra Indígena Mãe Maria, às margens da BR-230, em Bom Jesus do Tocantins, para conhecer de perto a história inspiradora da professora Ariete Moraes Rocha Ribeiro.

Docente da Escola Indígena Estadual Jathiati Parkatêjê, ela conquistou uma menção honrosa nacional no Prêmio Toda Matéria – Professor do Ano 2025, com o projeto ‘Robótica Educacional Krintuwakatêjê’, que une tecnologia e saber tradicional para fortalecer a identidade do povo Gavião.

A premiação reconhece práticas pedagógicas inovadoras em todo o país. Ariete foi uma das seis vencedoras nacionais, um feito inédito para a educação escolar indígena do Pará.

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Em entrevista ao Correio, a professora destaca que, mais do que ensinar robótica, a atividade é usada para instigar o uso da tecnologia como ponte entre a cultura e o aprendizado. “Sou professora do 5º ano. Nessa trajetória, tivemos a ideia de implantar a proposta, que permite trabalhar a cultura da comunidade em diversos aspectos”, conta.

Ariete Ribeiro: “A robótica veio como uma forma de potencializar algo que estava enfraquecendo na comunidade, que é a língua materna”

As atividades envolvem a língua materna, pintura corporal, reciclagem e também o uso da parte elétrica, tudo alinhado à robótica e à identidade da comunidade. “A robótica veio como uma forma de potencializar algo que estava enfraquecendo na comunidade, que é a língua materna”, explica Ariete.

No projeto, os estudantes criam robôs, jogos e animações que ajudam a revitalizar a língua Jê e valorizar a cultura Gavião, conectando tradição e inovação dentro da aldeia. “Eu percebia nas ministrações das aulas que as crianças não se interessavam pela língua. Então pensei em planejar algo inovador, levar o computador e a tecnologia para fortalecer o que é importante para a comunidade”, diz.

Um total de 50 alunos participam das aulas de robótica na aldeia

RECONHECIMENTO NACIONAL

A educadora conta que o projeto começou com materiais recicláveis e, aos poucos, ganhou o apoio de parceiros que doaram notebooks e kits de robótica programável. “Nós encontramos parceiros pelo caminho. Antes de tudo isso, trabalhávamos somente com material reciclável”, destaca.

O reconhecimento nacional veio de surpresa. No Dia do Professor, Ariete foi comunicada que havia sido premiada, uma homenagem feita por um colega, outro professor, que inscreveu o projeto no concurso. “Eu nem sabia da inscrição. Fiquei grata com essa homenagem, porque ele reconheceu o projeto como algo que ajuda a comunidade”, diz, orgulhosa.

Além da Menção Honrosa, a professora será entrevistada pelo Sebrae e pela TV Sim, de Belo Horizonte (MG), onde falará sobre educação empreendedora, compartilhando suas experiências com o uso da tecnologia e da inteligência artificial em comunidades indígenas. A entrevista vai ao ar no próximo dia 18 de novembro, através do programa Conecte CER pelo Youtube.

Durante a visita, foram destacados inúmeros projetos desenvolvidos por professoras ao longo do ano letivo, estudos voltados à escrita, matemática, contação de histórias, preservação da língua e, claro, a tecnologia com as aulas de robótica.

Recentemente, a equipe fez sua primeira participação no Campeonato Internacional de Robótica à Distância (CIRDI) e no Cultura Tech. Os alunos chegaram até as quartas de final, competindo com escolas públicas e privadas de todo o país.

“NÓS SOMOS CAPAZES”

Entre os alunos, o entusiasmo é visível. A estudante Tojaretere Imayru, do povo Gavião, fala com orgulho sobre as descobertas que o projeto proporciona. “Eu acho robótica muito legal, porque nós aprendemos muitas coisas. Às vezes a gente fala: ‘Eu não sou capaz’, mas nós somos capazes de fazer aquilo que achávamos não conseguir com a robótica”, compartilha.

A estudante Tojaretere Imayru diz que aprender sobre robótica a fez acreditar em si mesma

Tojaretere discorre sobre a própria criação e revela que agora já consegue desenvolver projetos sozinha. “Minha professora fica impressionada comigo, porque antes eu não fazia isso. O mais legal que eu já fiz foi o robozinho da corrida de tora. Usei material reciclável e ficou muito bonito”, compartilha.

Assim como a colega, o estudante Mrare Kukakrykty também narra a experiência nas aulas de robótica e o orgulho de ver a primeira criação funcionando. “Quando comecei a estudar robótica, consegui construir um robô sozinho, só com materiais recicláveis, como palito de picolé, papelão e tampas. Fiz ele andar com pilhas e alguns fios que eu mesmo conectei. Foi assim que comecei a trabalhar com a robótica”, descreve.

O aluno Mrare Kukakrykty mostra, empolgado, o robô que ele mesmo construiu

Com brilho nos olhos, Ariete resume o significado da conquista. “É um sentimento de gratidão ver que tudo está sendo valorizado, a cultura, o profissional, a identidade de um povo. É gratificante”, reafirma.

À frente da liderança da comunidade indígena Krintuwakatêjê, Rãrãkre Parkatêjê é cacica e professora responsável pela escola. Em sua fala, evidencia o feito como a realização de um sonho. “Era um grande sonho meu. Fico muito feliz quando vejo os projetos acontecendo”, comemora.

Segundo a cacica, a preservação e o aprendizado da língua materna eram motivos de preocupação. “Viemos lutando para que os jovens da nossa escola possam aprender a falar a língua materna e servir de espelho a outras comunidades”, destaca.

A cacica Rãrãkre Parkatêjê é responsável pela escola e acredita que a nova dinâmica tem dado certo na aldeia

Como forma de aprender mais sobre a própria linguagem e cultura, a robótica é usada como ferramenta de ensino-aprendizagem. Na Terra Indígena Mãe Maria, Ariete mostra que a educação, quando nasce do território e respeita suas raízes, é capaz de acender caminhos inteiros e preservar povos.