Correio de Carajás

IA é tratada ao mesmo tempo como ameaça e aliada do clima na COP30

Imagem gerada por IA

A inteligência artificial tem ganhado as conversas sobre mudança climática na COP30, conferência das Nações Unidas em Belém, como uma novidade com duas caras: se por um lado a expansão de datacenters e seu consumo de recursos preocupa pelos impactos ambientais, por outro a nova tecnologia é vista como aliada em ações de preservação da natureza ou de redução de emissões de gases-estufa.

É esse aparente paradoxo que aparece não só nas conversas, mas nos documentos e estudos lançados pelos organismos internacionais antes e durante a conferência.

Nesta semana, por exemplo, foi lançada na COP30 a plataforma AI Climate Academy, uma iniciativa da Unesco, da União Internacional de Telecomunicações e da Anatel. O começo da iniciativa, em Belém, foi com um workshop para pessoas dos países amazônicos.

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“A ideia é oferecer cursos presenciais em países em desenvolvimento para o uso da IA no enfrentamento à mudança do clima”, diz o diplomata Pedro Ivo, negociador-chefe do Brasil para tecnologia no âmbito da convenção do clima da ONU. “No primeiro trimestre do ano que vem vamos estruturar o instituto, e queremos que ele evolua depois ele evolua para a realização de estudos.”

A IA entrou na pauta das COPs em 2023, em Dubai. Naquela ocasião, lembra o diplomata, os países reconheceram essa tecnologia, pela primeira vez, como uma ferramenta de combate à mudança do clima, mas também apontaram a necessidade de lidar com riscos associados à ascensão dela —não só quanto a seu impacto ambiental, mas também quanto ao viés dos modelos de linguagem e à segurança de dados, para citar só alguns desafios.

“Um conjunto significativo de atores olha mais pelo lado das oportunidades, que existem mesmo, do ponto de vista, por exemplo, de cientistas que podem acelerar suas pesquisas ou jornalistas de clima que podem usar a IA em investigações”, diz Guilherme Canela, diretor da Divisão de Inclusão e Políticas Digitais e Transformação Digital da Unesco.

“Mas há atores que olham para os riscos concretos dessa tecnologia, como o alto consumo de recursos naturais e energéticos dos datacenters.”

A partir da COP28, se fortaleceu a produção de análises e a divulgação de diretrizes nesse campo pelas Nações Unidas. Alguns dos últimos documentos nesse campo, por exemplo, foram divulgados nos últimos meses.

Em julho, antes da COP30, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) lançou um relatório técnico voltado para formuladores de políticas públicas e profissionais da área; o foco especial são os países mais afetados pelas mudanças climáticas.

O documento aponta, entre outros exemplos, aplicações da IA que ajudam a reduzir emissões climáticas, sistemas de previsão de eventos extremos e algoritmos que servem para monitorar o nível do mar, a poluição ou o desmatamento —a plataforma PrevisIA, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, é um dos estudos de caso.

Mas o relatório também alerta que o uso intensivo de recursos naturais pode anular os benefícios climáticos da IA. A UNFCC ainda denuncia a desigualdade no acesso a essa tecnologia —países de menor renda têm menos acesso à infraestrutura digital para se beneficiar dela— e possíveis usos maliciosos, como para acelerar a exploração de combustíveis fósseis.

O documento do braço climático das Nações Unidas recomenda, entre outras sugestões, que se crie uma estrutura regulatória sob convenção do clima para garantir que a IA seja transparente, justa e responsável, prevenindo o viés e o uso indevido da tecnologia.

Na terça-feira (11), segundo dia da COP30, a UNFCCC publicou a nova edição do anuário que monitora as ações de proteção ao clima em todo o mundo, na qual repete alguns desses princípios, além de mostrar casos que julga bem-sucedidos.

Entre os exemplos elencados, está uma ferramenta de IA para prever monções na Índia, apoiando 38 milhões de agricultores a tomar decisões em meio aos riscos climáticos. A análise de impacto da iniciativa ainda está em curso, mas os projetos-piloto mostraram uma redução do endividamento dos agricultores e a alta de investimentos em safras de maior valor agregado contra o cultivo de subsistência.

O anuário aponta a alta dos investimentos em IA entre 2014 e 2024 —da ordem de US$ 250 bilhões—, mas aponta um problema: faltam métricas globais abrangentes sobre o uso de infraestrutura digital em ações climáticas. O rastreamento é mais detalhado quando o tema é o fluxo do dinheiro.

A Unesco também produziu um estudo, que saiu em junho, e aponta as contradições da tecnologia. A análise estima, por exemplo, que o uso de energia anual do ChaGPT equivale ao de 3 milhões de pessoas na Etiópia. A demanda computacional da IA, segundo o relatório, vem dobrando a cada cem dias —com um aumento proporcional do consumo energético.

Além das questões estritamente ambientais, a IA também tem sido alvo de preocupação por outro motivo: a desinformação em relação ao clima. No caso do apagão que atingiu Espanha e Portugal em junho, por exemplo, notícias falsas chegaram a atribuir a falta de luz às energias renováveis.

“Esse tipo de desinformação sempre existiu, o diferente hoje é o que eu chamo de três ‘Vs’: velocidade, volume e verossimilhança”, diz Guilherme Canela, da Unesco. “Já há notícias de que algumas dessas ‘deepfakes’ em eventos extremos, como os incêndios nos EUA, que levaram as pessoas a tomarem decisões que colocavam suas vidas em risco.” (Fonte: Folha de S. Paulo)