Correio de Carajás

‘É uma afronta’: pecuaristas anunciam churrasco durante programação oficial da COP30

Agenda acontece durante a AgriZone, espaço do agronegócio brasileiro. Antropólogo afirma que o setor está diretamente ligado à branquitude no Brasil.

Entrada da Agrizone, na COP30, em Belém do Pará. — Hélen Freitas/Repórter Brasil

Uma organização de pecuaristas anunciou a organização de um churrasco durante a AgriZone, espaço mobilizado pela Embrapa e o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para a COP30, que ocorre em Belém. O evento vai acontecer no dia 17 de novembro, dia da Pecuária Sustentável na programação da AgriZone. A expectativa é de que cerca de duas mil pessoas participem da programação, que contará com 378 atividades.

Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, a agropecuária foi responsável por 74% de toda a poluição climática brasileira em 2024.

“É uma afronta às discussões que estão acontecendo durante a COP30”, afirma Thales Vieira, diretor de programas do Observatório da Branquitude. Ele é um dos autores da pesquisa “Branquitude e agropecuária: desafios para a justiça climática”, que aponta que 70% dos donos de gado são brancos.

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O churrasco é oferecido pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), com o objetivo de destacar “a excelência da carne bovina brasileira”. O anúncio destaca a presença de “chefs convidados” e o uso de  “cortes certificados e harmonização com sabores regionais da Amazônia”.

 A ABIEC é uma entidade criada para representar os interesses dos exportadores de carne do país e participa da programação da Blue Zone, a área oficial da COP30. A organização estará representada pela diretoria de Sustentabilidade, Fernando Sampaio, Simone Gonçalves e Danielle Schneider.

Para Thales Vieira, o setor agropecuário impacta a agenda ambiental de duas maneiras.

“Uma é a própria emissão do metano, que é um dos gases que os bois emitem. A outra é o desmatamento para que se tenha pastagem para esses bois. Então, o setor agro brasileiro tem pouquíssimo compromisso de se imaginar e de se pensar formas que sejam menos predatórias ao meio ambiente”.

A ABIEC não se posicionou sobre o assunto até o fechamento da reportagem.

Carne brasileira é responsável por parte das emissões do Brasil

De acordo com dados de um relatório sobre emissões de metano do SEEG, o Brasil é o quinto maior emissor desse gás estufa no mundo, sendo a pecuária a principal fonte dessas emissões.

A entidade explica que o metano é 28 vezes mais perigoso para o aquecimento global do que o dióxido de carbono (CO2) e é responsável por um aumento significativo da temperatura global.

Natália Figueiredo, gerente de políticas públicas da ONG Proteção Animal Mundial, critica a ideia de um churrasco por conta do peso da pecuária nas emissões brasileiras.

“Uma coisa é um consumo consciente, outra coisa é uma festa da carne. É um contrassenso climático”, afirmou.

Dados de 2020 do relatório de Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, do governo federal, apontam que apenas a chamada “fermentação entérica” — a digestão de animais como bois, vacas, búfalos, ovelhas, cabras, suínos e equinos —, geradora de gás metano (CH4), foi responsável por 57% das emissões de CO2 equivalente do setor agropecuário no Brasil.

O CO2 equivalente é uma unidade de medida usada para calcular o impacto de emissões de diferentes gases estufa.

Segundo levantamento de 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 238 milhões de cabeças de gado. O número é superior ao da população humana brasileira, de cerca de 213 milhões.

Gerente de Clima da Proteção Animal Mundial, Camila Nakaharada acredita que o churrasco proposto pela ABIEC é mais uma ação de greenwashing, quando instituições vendem uma imagem de preocupadas com o meio ambiente e sustentabilidade, mas não são.

“As empresas sempre tomam todos os espaços possíveis para fazerem o greenwashing delas, para fazerem a falsa propaganda delas, para colocarem a narrativa delas, de que são salvadoras, que têm a solução para os problemas, quando, na verdade, são muitos problemas que elas trazem”, afirmou.

Brancos são os principais detentores de gado no Brasil

O Observatório da Branquitude, grupo criado para enfrentar as desigualdades raciais do país, desenvolveu a pesquisa “Branquitude e agropecuária: desafios para a justiça climática”, publicada em setembro de 2025, com o perfil das pessoas com mais posse de gado no Brasil.

De acordo com o estudo, 70,66% das cabeças de gado do país pertenciam a pessoas brancas em 2017.

A pesquisa ainda analisou o perfil dos proprietários de terra e mostrou que, entre as pessoas que têm entre 500 e 2.500 hectares de terra no Brasil, 72,6% são brancos. Por outro lado, para as pessoas que têm até cinco hectares, 65,4% não são brancas.

“A forma como o agro produz e pensa o Brasil é uma discussão diretamente ligada à branquitude”, conclui Thales Vieira.

(Fonte: Alma Preta/ Pedro Borges e Solon Neto)