“Uma tarde de abril, logo após o almoço, meu marido comunicou que queria me deixar. Fez isso enquanto retirávamos a mesa, as crianças brigavam como sempre no outro cômodo (…). Disse-me que estava confuso, que vivia maus momentos de cansaço, de insatisfação, talvez de covardia. Falou por muito tempo dos nossos quinze anos casados, dos filhos, e admitiu que não tinha o que reclamar deles nem de mim”. Esse é o parágrafo inicial do romance DIAS DE ABANDONO (2002), de Elena Ferrante.
Depois desse brevíssimo trecho, apresento a escritora italiana que escreve sob o pseudônimo ELENA FERRANTE, sua identidade é um segredo no mundo literário. Ela (porque eu acredito que seja uma mulher) é autora de uma Literatura intimista. Seus romances são viscerais. Por isso, hoje trago a obra Dias de Abandono, para abordar temas universais: separação, divórcio, traição, abandono.
Muitos escritores precederam Elena em histórias de adultério, separação, abandono. Diante disso, podemos até pensar: mais uma história de abandono. Não, Dias de Abandono não é mais uma história clichê sobre casamento e divórcio, apesar de um enredo simples, sem reviravoltas, o romance entra na alma de uma mulher que se vê abandonada pelo marido de forma repentina. Faz um verdadeiro raio x.
Leia mais:A mulher é Olga. A partir do momento que o marido comunica sua decisão de sair de casa, abandonando de forma material e afetiva seus dois filhos, ela passa a buscar onde errou. O que teria feito o marido cansar da vida de casado? Ela começa a se culpar. Culpa seu corpo por ter envelhecido. Sente que foi descartada pelo marido. Seu “prazo de validade” teria acabado para aquele homem. Mas nada responde à pergunta que ecoa durante todo romance: o que havia acontecido para ele deixar de amá-la? Olga quer entender por que não foi suficiente para o marido. Ela faz uma varredura pelo passado, reexamina de forma minuciosa a relação com o marido durante os 15 anos de casamento, mas não encontra resposta. Não há justificativa.
A busca por respostas é exaustiva, sofrida. Elena nos faz sentir a angústia da personagem. Durante a leitura, temos a impressão de estarmos ali, no apartamento quase inóspito de uma mulher que se abandona depois que o marido saiu de casa. Olga diz que “Se sente com uma planta regada por anos que de repente fosse deixada para morrer de secura”. A metáfora nos revela a angústia vivida por aquela mulher deixada pelo marido sem qualquer crise antecedente. Olga vai entendo a motivação do abandono sozinha, o marido simplesmente queria experimentar outra vida, ao lado de uma mulher mais jovem, sem filhos e se dedicar ao trabalho, sem a imposição dos seus deveres paternos.
Olga vai experimentando as consequências práticas do abandono do marido toda vez que olha para os filhos que, a partir de então, dependem somente de seus cuidados. O sofrimento da personagem é intenso, ela se sente vazia: “Meu marido retirou de mim pensamentos e desejos (…)”. Estamos diante de uma mulher que o sofrimento vai lhe dando contornos de crueldade, pois precisa justificar aos filhos a ausência do pai, contudo não consegue poupá-los do sofrimento e do abandono: “Seu pai nos deixou. Foi embora viver em outro lugar com outra mulher, nós não servimos para ele”. Ferida, ela não tenta preservar a relação do pai ausente com os filhos. Eles ficam vulneráveis, sentem que perderam o seu lugar seguro no mundo. A atitude do marido afeta a maternidade de Olga.
Uma mulher que reagiu com amargura ao abandono do marido e assim se autoabandona “comecei a mudar (…) passei do uso de uma linguagem elegante, atenta a não ferir o próximo, a um modo de me expressar sempre sarcástico (…)”. Olga, assim como milhares de mulheres renunciou aos estudos e ao trabalho a pedido do marido para se dedicar de forma única e exclusiva ao lar, ao marido e aos filhos. Olga, como muitas mulheres percebeu que seu círculo de amizade era formado apenas por amigos do casal. Depois do abandono ela se vê sozinha, sem amigos, até a sua companhia foi descartada “(…) eu estava definhando, murchando, estava seca como uma concha vazia numa praia no verão”.
Em colunas vindouras vamos continuar este passeio pela alma feminina, guiados por Elena Ferrante. Hoje indico o livro Dias de Abandono. Até a próxima, querido leitor!
* A autora é graduada em Letras pela UFPA; bacharela em Direito pela Unifesspa e leitora voraz, por amor e vocação.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
