O mundo continua caminhando para um aumento de temperatura entre 2,3°C e 2,5°C até o fim do século, mesmo que todos os compromissos climáticos atuais sejam cumpridos.
O alerta é do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que vê o planeta cada vez mais distante da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
🌡️ENTENDA: Essa meta de 1,5°C foi estabelecida pelo Acordo de Paris em 2015 para evitar impactos extremos do clima, como secas, elevação do mar e colapso de geleiras. Estudos recentes, porém, mostram que o mundo pode já ter ultrapassado esse ponto crítico.
Leia mais:A avaliação, divulgada nesta terça-feira (4), mostra que apenas 60 países, responsáveis por 63% das emissões globais de gases de efeito estufa, atualizaram suas metas climáticas nacionais (as chamadas NDCs) até o fim de setembro de 2025.
Todos os signatários do Acordo de Paris tinham a obrigação de revisá-las neste ciclo, mas a ONU afirma que o resultado ficou “muito aquém do necessário”.
📝ENTENDA: Essas metas são o principal instrumento do Acordo de Paris para enfrentar a crise climática. A NDC atual do Brasil, por exemplo, inclui a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 53% até 2030 e zerar as emissões líquidas até 2050.
Ainda segundo a ONU, mesmo as novas promessas não foram suficientes para alterar de forma significativa as projeções de aquecimento.
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As estimativas caíram apenas de 2,6–2,8°C em 2024 para 2,3–2,5°C agora, uma diferença de poucos décimos de grau.
Segundo o próprio relatório, essa redução modesta se deve, em parte, a mudanças metodológicas nas análises, e não a ações concretas.
Além disso, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, prevista para janeiro de 2026, deve anular cerca de 0,1°C desse avanço simbólico.
A ONU alerta que o cenário coloca em risco a principal meta global de contenção do aquecimento.
A “lacuna de emissões”, termo que dá nome ao relatório, se refere à diferença entre o que os países prometeram cortar e o que seria necessário para manter o aumento da temperatura dentro do limite de 1,5°C.
Segundo o Pnuma, essa lacuna permanece praticamente inalterada desde 2015, quando o acordo foi assinado.
“As nações tiveram três tentativas para cumprir as promessas feitas no âmbito do Acordo de Paris, e elas erraram o alvo”, afirmou Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma.
“Embora os planos climáticos nacionais tenham alcançado algum progresso, ele está longe de ser rápido o suficiente, e é por isso que ainda precisamos de reduções de emissões sem precedentes em um prazo cada vez mais curto, com um cenário geopolítico cada vez mais desafiador.”
Limite de 1,5°C praticamente inevitável
O relatório de 2025 confirma também que o planeta bateu um novo recorde de emissões. Em 2024, o total global chegou a 57,7 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (CO₂ equivalente), um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior, mais de quatro vezes a média de crescimento da década de 2010.
Esse salto, segundo o Pnuma, foi impulsionado por todos os setores da economia e todos os principais gases, mas teve um fator decisivo: o desmatamento e as mudanças no uso da terra, responsáveis por mais da metade do aumento das emissões.
As emissões de dióxido de carbono provenientes de combustíveis fósseis também cresceram 1,1%, um reflexo do aumento da demanda energética e da lentidão da transição para fontes limpas.
Entre os grandes emissores, o G20 continua concentrando 77% das emissões globais e registrou crescimento de 0,7% em 2024.
“Olhando o curtíssimo prazo, de ganhos financeiros que não consideram os custos ambientais e nem os limites do planeta, seguimos para um cenário distópico a longo prazo”, afirma Alexandre Prado, Líder de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.
“Sabemos as causas e temos consciência de que cada fração de grau evitada reduz a escalada dos danos, perdas e impactos que estão afetando todas as nações — atingindo com mais intensidade os mais pobres e vulneráveis. Conhecemos os caminhos de como mudar essa perspectiva”.
A União Europeia foi a única grande economia a apresentar queda, enquanto Índia e China lideraram os aumentos absolutos.
A Indonésia teve o crescimento proporcional mais acelerado. O relatório ressalta que sete países do G20 devem cumprir suas metas para 2030 com as políticas atuais, mas nove estão fora do rumo, e poucos têm planos concretos para alcançar a neutralidade de carbono até a metade do século.
Justamente por isso, a ONU alerta que o mundo ultrapassará temporariamente 1,5°C já na próxima década, e reverter esse patamar será extremamente difícil.
O documento calcula que seria necessário remover e armazenar cerca de cinco anos das emissões globais atuais de dióxido de carbono para reduzir apenas 0,1°C de aquecimento.
Esse processo dependeria de tecnologias caras e ainda incertas, o que torna improvável um retorno rápido a níveis mais seguros de temperatura.
O Pnuma explica que, para alinhar-se ao Acordo de Paris, as emissões globais deveriam cair 25% até 2030 para um cenário de 2°C e 40% para 1,5°C, em comparação com os níveis de 2019.
Em vez disso, as novas metas nacionais, mesmo se totalmente implementadas, levariam a uma redução de apenas 15% até 2035, valor três vezes menor que o necessário.
“Os países não estão apenas falhando em cumprir o que prometeram. Eles estão falhando em prometer o suficiente”, resume o relatório.
O texto também chama atenção para o que define como “dupla lacuna”: além da diferença entre o que foi prometido e o que seria necessário, há uma lacuna de implementação, já que boa parte dos compromissos feitos em 2015 e 2020 sequer saiu do papel.
A ONU estima que muitos países estão longe de cumprir suas metas de 2030, o que agrava o cenário para 2035 e para as décadas seguintes.
Apesar do quadro sombrio, o relatório aponta que o mundo está mais bem equipado tecnologicamente para agir do que estava há dez anos. O custo da energia solar e eólica despencou, e as soluções de baixo carbono são mais acessíveis. “Mas o problema não é técnico, é político”, adverte o documento.
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O texto cita “falta de vontade política”, “limitações financeiras” e “desigualdade na responsabilidade climática” como principais entraves à ação.
“As ferramentas estão disponíveis, mas o clima político global é desafiador”, diz o Pnuma, em referência às crises internacionais e à falta de cooperação financeira entre países ricos e pobres.
O relatório apresenta ainda um cenário alternativo, chamado de “ação de mitigação rápida a partir de 2025”, no qual as emissões globais começariam a cair imediatamente.
Esse cenário limitaria o “excesso” de aquecimento a 0,3°C, com 66% de probabilidade de o planeta voltar a 1,5°C até 2100. Para isso, as emissões teriam de cair 26% até 2030 e 46% até 2035, combinando esforços tecnológicos e naturais de remoção de carbono.
Mas a própria ONU reconhece que alcançar essas metas exigiria uma coordenação sem precedentes e uma profunda reformulação do sistema financeiro global.
(Fonte:G1)
