Correio de Carajás

A vida e o legado exemplar do sapateiro Juarez Carvalho

“Tudo isso aqui faz parte da minha história”, diz seu Juarez, sapateiro há 70 anos que costura o tempo”

Aos 85 anos, seu Juarez garante que o que o faz viver é o trabalho/ Fotos: Evangelista Rocha
Por: Milla Andrade

Aos 85 anos, as mãos de Juarez Borges de Carvalho já não têm a mesma força para cortar e montar sapatos, mas ainda costuram e colam com precisão. Natural de Inhuma, no estado do Piauí, seu Juarez mergulha em lembranças e revive, com emoção, a própria história. Neste Dia do Sapateiro, ele relembra junto ao Correio de Carajás o início da trajetória profissional como sapateiro, ofício que aprendeu aos 14 anos e exerce há mais de sete décadas. Hoje, mais de meio século depois, se orgulha da profissão que sustentou filhos e netos.

No pequeno espaço próximo à Feira da Folha 28, na Nova Marabá, o tempo parece passar devagar. Entre pares de sapatos e moldes que ele faz questão de mostrar, se guardam mais que objetos, estão empilhadas memórias de uma vida inteira.

No coração da Folha 28, o som do martelo se mistura ao rádio ligado, o cheiro de couro preenche o ar, e com eles vem um pedaço da história de um piauiense que fez de Marabá seu lar. “Eu gosto da minha profissão. Eu amo o que faço. No dia que eu não tô aqui, eu fico doidinho, com vontade de voltar pra minha banca”, conta, sorrindo.

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UM APRENDIZADO QUE VIROU DESTINO

Sapateiro desde os 14 anos, seu Juarez trabalhou a vida toda no ofício, mas também se aventurou em outras tarefas. Deixou a casa dos pais ainda menino, levado pela curiosidade e pelo desejo de aprender. “Eu aprendi com um senhor que tinha uma oficina muito grande. Ele perguntou pra minha mãe se eu queria aprender, e eu fui. Com um ano, já era profissional”, relembra.

Desde então, nunca mais parou. Andou por todo o Brasil, Petrolina, Feira de Santana, Salvador, Belo Horizonte, Imperatriz, até se fixar em Marabá, onde construiu família e se tornou, para muitos, um patrimônio da cidade. “Passei por muitas cidades desse Brasil. Trabalhei, aprendi e vivi de tudo um pouco”, diz, com brilho nos olhos.

O PRAZER QUE MOVE

Mesmo aposentado, o sapateiro garante que não pensa em parar. Agora, trabalha não mais pelo dinheiro, mas pelo prazer. “Meu pessoal não quer que eu trabalhe mais, eu digo: vocês querem que eu morra? Porque se eu parar, eu morro”, afirma.

Pai de seis filhos, seu Juarez se orgulha de ter aprendido a fazer de tudo, confeccionar, reformar, costurar. Por isso, nunca quis se prender a uma carteira assinada. Após 40 anos fora da cidade natal, retornou, mas logo percebeu que seu lugar era outro.

Hoje, na Nova Marabá, cada ferramenta da banca guarda uma lembrança, um pedaço da história de um homem que se confunde com seu ofício. “Eu trabalhei em oficina grande, fabricava muitos sapatos. Hoje, se fizer dez pares, não vende nenhum, tudo é sintético”, comenta, com nostalgia.

PATRIMÔNIO VIVO DE MARABÁ

Ao mostrar as máquinas que o acompanharam pela vida, ele as exibe como troféus. “Tudo isso aqui faz parte da minha história. Enquanto eu tiver vivo, não vendo nada. Depois que eu morrer, a família faz o que quiser”, afirma.

Foi com o trabalho artesanal que criou os filhos e ajudou os netos a estudarem. “Pra mim, isso aqui é tudo na vida. Quando eu tô aqui, esqueço até das dores. É Deus quem me dá essa força”, garante.

Além de clientes, seu Juarez coleciona amizades. Sereno, recorda uma das muitas histórias vividas na banca. “Teve um rapaz que sofreu um acidente e ficou com a perna curta. Fiz o sapato dele sob medida. Até hoje ele vem aqui”, conta.

Segundo ele, há clientes que vêm de São Félix e até de Morada Nova só para procurá-lo.

O TEMPO E A HISTÓRIA

Emancipado em Marabá, seu Juarez viu a cidade crescer. Chegou quando a feira ainda era poeira e sonho. Se orgulha de ter ajudado a fundar o Sindicato dos Sapateiros e participado da construção da feira, ao lado de comerciantes e antigos prefeitos. A memória é precisa, como o corte de uma lâmina afiada.

Entre uma fala e outra, ele para atender um cliente, ajeita o sapato sobre a bancada e retoma o trabalho, com a calma de quem transformou o ofício em forma de existir. “Eu amo o meu trabalho. Não sei ficar parado”.



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