Correio de Carajás

Quando a ansiedade se torna um problema? Saiba identificar sinais

Foto: Freepik
✏️ Atualizado em 24/10/2025 10h58

Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vive com algum tipo de transtorno mental e a ansiedade é um desses problemas mais comuns, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas no planeta, de acordo com o órgão. A ansiedade já afeta 18 milhões de brasileiros e este pode não ser um número real, porque muita gente não tem um diagnóstico.

Segundo o Ministério da Previdência Social, em 2021, 49.000 pessoas foram afastadas do trabalho por causa de algum tipo de transtorno de ansiedade. Em 2025, só até junho, mais de 81.000 funcionários já tinham entrado de licença médica por motivos similares.

A ansiedade pode se manifestar de diferentes formas, mas antes do diagnóstico preciso, muitos indivíduos percorrem um longo caminho de consultas com diversos especialistas.

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Entre os tratamentos, existem opções variadas, como a medicação tradicional, terapias comunitárias, o chamado mindfulness e até o uso controlado do canabidiol.

1. Quando a ansiedade se torna um problema de saúde

 

As sensações de expectativa, frio na barriga e coração acelerado fazem parte da vida e são necessárias. Elas preparam o nosso corpo para os desafios e fazem a gente ter energia para seguir em frente. Por isso, é normal ter ansiedade antes de uma estreia, durante a espera pelo resultado de um exame, antes de uma entrevista de emprego, ou em um encontro amoroso.

Mas quando a ansiedade não dá trégua e ultrapassa os limites, atrapalhando o sono, o trabalho e os relacionamentos, deixa de ser algo natural e torna-se patológico.

“Seu corpo fica acelerado, o coração fica com as batidas mais descompassadas. A respiração é mais curta. Eu costumo dizer que ela é uma ladra de momentos presentes. Você está aqui, vivendo apenas a sua vida e ela te rouba. Ela te leva para um lugar muito ruim de estar”, explica o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral.

Natália Oliveira mora em Heliópolis, a segunda maior favela de São Paulo. Ela se formou em psicologia e desde criança tinha dificuldade de lidar com suas emoções.

“Na minha primeira crise de ansiedade eu tinha dez anos. O meu padrasto sofreu um acidente de carro muito grave e eu fiquei muito aterrorizada com aquilo. E aí eu não dormia. Eu sentia muita dor no peito, falta de ar”, conta. Natália foi fazer o Enem e teve uma crise de vômito, não conseguiu fazer a prova. Ela tremia e chorava.

A respiração ofegante é um sinal comum dos transtornos de ansiedade. “Na maioria das vezes eu vomitava, eu ficava com tontura e apagava. Passava dias sem comer, perdia o sono, não conseguia dormir de jeito nenhum”, conta a atriz Dayane Lopes.

A psiquiatra Camila Magalhães Silveira explica que, na ansiedade normal, uma pessoa fica ansiosa para uma prova e isso ajuda para que ela possa se preparar para essa prova. Mas a ansiedade patológica é aquela preocupação excessiva e persistente.

“A gente identifica que algo não vai bem porque interfere no nosso corpo, no nosso sono, na forma como nos relacionamos com as pessoas. Pode até trazer sintomas físicos mal-estar, taquicardia, tremedeira, pálpebra tremendo também e uma sensação de aperto no peito, angústia”, explica a médica.

Uma pessoa pode não gostar muito de lugares cheios, mas se ela for incapaz de pegar um metrô para ir até o centro da cidade onde trabalha, ela está incapacitada para trabalhar, explica o psiquiatra Márcio Bernik.

 

Segundo o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, ao contrário do que muita gente pensa, a ansiedade começa de fora para dentro: “A ansiedade é uma resposta do nosso corpo, da nossa alma, das nossas sensações, com os ambientes que fazem parte da nossa vida”.

2. Os diferentes tipos de ansiedade

A ansiedade afeta várias gerações e contextos sociais diferentes. Ela pode se manifestar de maneiras diferentes e ter nomes diferentes para cada transtorno. Os mais comuns são:

  • Transtorno de Ansiedade Generalizada, o TAG: aquela preocupação constante com compromissos, desempenho no trabalho, saúde e sobrevivência.
  • Fobia social ou específica: como o medo de se relacionar com as pessoas, de sair de casa, de falar em público, ser exposto, frequentar lugares muito fechados.
  • Síndrome ou transtorno do pânico: crises intensas e episódicas de medo.

 

O cérebro ansioso

Quando uma pessoa está ansiosa, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal libera o cortisol, que é o hormônio do estresse e que nos mantém em estado de alerta. Quando esse estado se prolonga, surgem sintomas como taquicardia, insônia e irritabilidade.

Pessoas ansiosas também têm maior liberação de cortisol e menos serotonina disponível. A serotonina é justamente o neurotransmissor que ajuda a regular o humor e a sensação de bem-estar.

A maioria das pessoas com ansiedade patológica também pode desenvolver depressão.

O psiquiatra Márcio Bernik explica que, como muita coisa na vida, a ocorrência de um problema é “uma mistura cruel da sua genética com suas escolhas e com problemas do ambiente”: “Nunca vai ser uma coisa ou outra. De certa forma, tratar um jovem com transtorno ansioso, previne a depressão na vida adulta”, afirma.

Dayane, hoje com 26 anos, foi diagnosticada com ansiedade e depressão aos 19. “Na minha idade, todo mundo quer festa, lugares cheios. As pessoas falavam: ‘nossa, você é chata, mas você não fica nas festas’. A minha bateria social acabou e eu não queria permanecer naquele lugar”, revela.

O psicólogo Coimbra destaca que o que resolve mesmo é fazer uma escuta de si e entender para onde a gente pode ir quando a ansiedade começa para encontrar alguma forma de controlar essa barreira.

“Eu acho que no Brasil, ansiedade rima com desigualdade. Eu não posso adoecer. Eu não posso tirar férias, porque se eu não fizer o meu corre todo dia, não vai rolar comida na mesa da minha família, não vai rolar dinheiro para pagar os boletos, que não é culpa individual da pessoa. Isso tem a ver com o jeito que essa sociedade se estrutura” explica o psicólogo.

Maria de Fátima, costureira e artesã, é uma das lideranças da União de Moradores de Paraisópolis, a terceira maior favela do Brasil e a mais populosa de São Paulo. Ela criou os filhos com muita dificuldade, batalhou pela educação deles, presenciou mortes e tiroteios na comunidade e acabou deixando a própria saúde de lado. Quando tinha 43 anos, a conta chegou, com crises de ansiedade.

Mesmo quem tem a vida mais confortável pode ser afetado pela ansiedade, como o ator Marcelo Serrado. Ele já disse que foi tomado pelos chamados pensamentos catastróficos, que fazem acelerar os batimentos cardíacos.

“Tive algumas crises em lugares fechados também, como ficar dentro de hotel ou pegar um avião. E as pessoas falam pouco. Você tem uma vida bacana, uma carreira de sucesso, a família, mas (a ansiedade) não escolhe”, conta o ator.

3. Como a dependência das telas tem piorado a nossa saúde mental no Brasil

O brasileiro passa em média 9 horas todos os dias conectado às telas e o resultado não poderia ser outro. O cérebro fica cada vez mais em alerta constante e o corpo fica mais vulnerável à ansiedade.

Um levantamento do Ministério da Saúde, feito entre 2014 e 2024, mostrou que os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS aumentaram mais de 1.500% entre crianças de 10 a 14 anos. Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, os números são ainda mais estarrecedores: um avanço de mais de 3.000% em uma década, justamente quando houve a explosão de celulares.

Estudos de funcionamento cerebral mostram que, a partir dos 8 ou 9 anos de idade, as crianças que desenvolvem ansiedade apresentam alterações importantes. A amígdala, região ligada ao medo e às emoções, fica mais ativa e isso se intensifica na adolescência.

O psiquiatra Márcio Bernik explica que a prevalência de transtornos mentais, de um modo geral, aumentou. Pessoas que têm hoje 30 anos têm mais transtornos de ansiedade do que as de 50 ou 70 anos.

“Se a gente está falando de uma pessoa que está na escola ou na faculdade, é uma criança ou adolescente que faz uma crise de asma na véspera de prova, que começou a ter gastrite aos 14 anos, que parou de comer ou está comendo demais. Tudo isso vai dando sinais de que essa criança ou esse adolescente pode estar vivendo uma situação de muita ansiedade”, explica a psicóloga Fernanda Lopes.

O biólogo Gabriel Carvalho do Nascimento recebeu como recomendação médica excluir a rede social do celular para se sentir melhor.

 

“Você começa a saber da vida de todo mundo e começa a perguntar se a vida de todo mundo está andando e a nossa não. Acho que a gente começa a se cair num espiral de problemas, em um abismo pessoal muito grande”, diz Gabriel.

4. Tratamento: as terapias comunitárias, comportamentais e a importância das mudanças no estilo de vida

O primeiro passo para o tratamento é procurar um médico, porque cada paciente vai receber uma orientação para enfrentar as crises de acordo com o tipo de ansiedade. Às vezes, a recomendação inclui tomar medicamentos controlados, mas uma combinação de novos hábitos e uma terapia pode ser o suficiente. Não existe receita mágica, nem única.

Falar em grupo ou em uma terapia individual é um dos pilares para o tratamento da ansiedade. Dependendo da cidade onde você vive, a terapia pode ser oferecida pelo SUS gratuitamente. A terapia cognitivo comportamental (TCC) é a mais usada.

“A terapia é fundamental para a pessoa saber o que foi acontecendo e o que ela colocou debaixo do tapete e não quis lidar”, explica a psiquiatra Camila Magalhães Silveira.

A psicóloga Fernanda Lopes acrescenta que, quando a comunidade ao redor não dá conta na ajuda do controle da ansiedade, é preciso procurar apoio no campo da saúde, com nutricionista, médico, psicólogo ou psiquiatra, por exemplo. Mudanças no estilo de vida também fazem diferença, como melhorar a alimentação, o sono e fazer atividade física.

Quem tem algum tipo de transtorno de ansiedade precisa olhar para o exercício físico como parte vital do tratamento e não é qualquer exercício.

A ciência descobriu que precisa ser uma atividade aeróbica intensa, que faça o coração acelerar, transpirar muito, como numa corrida, por no mínimo 35 minutos, quatro vezes por semana.

“Às vezes, um passeio leve não é exatamente o que vai melhorar. Precisa ser algo mais vigoroso”, explica o psiquiatra Márcio Bernik.

Desacelerar e se colocar no presente também faz parte. O treinamento de mindfulness, a prática de atenção plena, também se mostra eficaz como tratamento. Um estudo internacional com a participação de pesquisadores brasileiros indica redução de até 60% nos sintomas depois de oito semanas.

“Existem exercícios que nos ajudam mais pontualmente ao longo do dia e é como se dessem uma resetada na minha atenção. Então eu volto a minha atenção para aquilo que eu estou fazendo no momento e consigo seguir ao longo do dia menos disperso, percebendo melhor o meu corpo e a minha mente. No mindfulness, a gente usa a respiração como uma âncora para que a atenção não fique tão dispersa. É um ponto de apoio no corpo”, explica o médico de família Marcelo Demarzo.

Exercícios de respiração ajudam a diminuir os sintomas da ansiedade, como a respiração diafragmática. Entenda:

  1. Inspire, colocando o ar para dentro e contando até três
  2. Segure
  3. Solte o ar contando até seis.

 

5. Os caminhos alternativos para a ansiedade, como o uso do canabidiol pelo SUS

Quando o quadro de ansiedade se agrava, o tratamento pode incluir antidepressivos e ansiolíticos. Mas as medicações exigem acompanhamento médico. Não é solução rápida, nem isolada.

O psiquiatra Márcio Bernik explica que os medicamentos atuais para o tratamento de transtornos de ansiedade não geram dependência ou problemas de memória: “Não estou dizendo que eles são perfeitos, mas são remédios que podem ser usados sem tanto medo de consequências de longo prazo negativo”, explica.

“Existe um tabu muito grande de achar que se tomar uma vez, vai ter que tomar para o resto da vida. E não é assim. A medicação te auxilia, te trazendo uma calmaria que naquele momento você sozinha não conseguiria e te dá mais clareza junto com a terapia”, explica a psicóloga Natália Oliveira.

Uma opção de tratamento é o canabidiol, derivado da cannabis. Desde 2024, a prefeitura de São Paulo autoriza a distribuição gratuita de remédios derivados de canabidiol para algumas doenças, incluindo o Transtorno de Ansiedade Generalizada e a Síndrome do pânico, com indicação médica.

A psiquiatra Camila Silveira explica que o canabidiol não usa o componente que gera a sensação de alteração da sensopercepção. “A gente já tem prescrito o canabidiol com sucesso para as pessoas que não responderam bem a alguns medicamentos ou que têm uma resposta parcial, mas que com a confluência dos dois, consegue ter ganhos relevantes”, afirma.

A artesã Maria de Fátima Lima adquire o canabidiol gratuitamente no posto de saúde e teve melhora na ansiedade e nas dores da fibromialgia. “Depois do canabidiol, eu durmo, acordo cedo, descansada e sem dor no corpo”, conta.

Da medicação tradicional às terapias comunitárias, do mindfulness ao uso controlado do canabidiol, as opções são cada vez mais variadas. Segundo os especialistas, o primeiro passo é aceitar a ansiedade como um sinal de que algo em você precisa de cuidado.

Segundo a psicóloga Fernanda Lopes, é possível que o transtorno de ansiedade seja uma fase e não dure a vida inteira.

(Fonte:G1)

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