Correio de Carajás

Conferência em Marabá reforça protagonismo local no enfrentamento da crise climática

Mesa-redonda falou sobre os caminhos possíveis para que o município enfrente os desafios ambientais e sociais impostos pela crise climática.

Marabá recebe nesta quinta-feira (23) a 1ª Conferência Municipal sobre Mudanças Climáticas, evento que reúne pesquisadores, representantes do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), gestores públicos e a sociedade civil. Durante a manhã, a discussão falou sobre os caminhos possíveis para que o município enfrente os desafios ambientais e sociais impostos pela crise climática.

Realizada na Câmara Municipal de Marabá (CMM) e organizada pela Escola do Legislativo, em parceria com a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), a conferência recebeu, em sua primeira mesa-redonda, Daniel Nogueira, professor doutor da Unifesspa; João Cláudio Arroyo, pró-reitor de Pesquisa e Extensão da Universidade da Amazônia; e Alexssandra Mardegan, promotora de Justiça Agrária de Marabá. O painel teve como tema central “Mudanças Climáticas e seus Impactos Locais” e foi mediado por Maclem Erane. As discussões abertas na mesa revelaram uma preocupação comum entre os participantes: a necessidade de transformar discursos em ações concretas.

Ações individuais e coletivas

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Em uma de suas falas, Alexssandra destacou a contradição entre discurso e prática quando se trata de responsabilidade ambiental. De forma veemente, a promotora frisou que, ainda que falem e divulguem a agenda climática, algumas pessoas agem de forma diferente do que pregam.

“Se quisermos ver alguma mudança, ela precisa começar em nós. Cada um de nós faz parte de um todo e nossas ações individuais impactam o coletivo. Isso é a sociedade”, declara. Por isso, para ela, a atuação institucional precisa ir além da repressão aos crimes ambientais. É preciso agir de forma contundente contra essas práticas. Ou seja, ainda que sejam importantes, as ações corretivas representam apenas uma pequena parcela de tudo que precisa ser feito.

“Precisamos olhar para a realidade e fazer ações concretas. Quem vive da agricultura é mais impactado (pela crise climática), mas a sociedade como um todo precisa fazer o seu papel”, reflete a promotora. Sendo Marabá e região um grande e importante polo de produção agrícola, daí a importância de pensar em alternativas que conciliem o cultivo de alimentos com a preservação ambiental.

Ela reforça que o desafio é encontrar equilíbrio entre produtividade e sustentabilidade. Para a promotora, é preciso produzir para alimentar as pessoas, impactando minimamente o meio ambiente e garantindo renda. Nesse sentido, ela citou experiências de sucesso em sistemas agroflorestais, em que áreas degradadas vêm sendo recuperadas com o uso de tecnologias simples e comunitárias.

“Grande parte dos desmatamentos e queimadas ocorre em assentamentos rurais. Mas esses mesmos espaços têm potencial de regeneração. Você regenera, planta comida e ainda vende o excedente. É o que fazemos hoje na comunidade indígena Sororó.” Para ela, essa é uma das maneiras de o ser humano aproveitar do meio ambiente sem prejudicá-lo.

Ela também reforça que é preciso levar consciência ambiental a todos — desde o campo até a cidade, de crianças a idosos — e reflete que os mais impactados pelas alterações climáticas são os povos do campo, inclusive os indígenas, que são justamente os que mais preservam.

Ela também chamou a atenção para o papel do MPPA como indutor de políticas públicas. “Nós destinamos recursos, mas são ínfimos comparados aos que poderiam ser acessados. A Corema (cooperativa de reciclagem), que faz um trabalho incrível, nunca recebeu emendas. Isso mostra como ainda há uma desconexão entre o discurso ambiental e a prática orçamentária.”

A ciência como ferramenta de protagonismo

Por sua vez, João Cláudio Arroyo reforçou a importância de fortalecer o protagonismo local no enfrentamento das mudanças climáticas. “O global é construído a partir do local. A liberdade de criar está no território, e nós precisamos fazer isso. Se estamos buscando um novo destino, ele não é produto de um evento, mas da rotina que se estabelece na sociedade.”

Ele observou que, historicamente, o país tem ocupado uma posição reativa nos debates internacionais. Ele analisa que a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) teve como mérito pautar o Brasil para as questões socioambientais, ecológicas e tecnológicas. “Mas precisamos admitir que ainda não somos protagonistas. Assumir esse protagonismo é o ponto de partida para construir um novo modelo de desenvolvimento”, reflete.

Ele também defende a criação de uma economia do bioma, estruturada a partir do consumo interno e da valorização dos recursos locais: “Nós temos um mercado de consumo capaz de sustentar uma nova indústria bioeconômica. Não adianta buscar soluções de fora ou de cima. É preciso construir aqui, com justiça, riqueza e qualidade de vida para todos.”

Desafios locais e políticas públicas

Em conversa com o Correio de Carajás, o professor Daniel Nogueira Silva fez uma análise detalhada sobre os desafios de Marabá frente às mudanças climáticas. Docente da Faculdade de Ciências Econômicas e integrante dos programas de pós-graduação em Economia e em Planejamento e Desenvolvimento da Amazônia, Daniel também coordena o Projeto de Políticas Públicas de Mitigação e Adaptação Climática (PPMAC), financiado pelo Governo Federal.

Baiano de nascimento e marabaense por adoção há oito anos, Daniel observa que o município reflete os problemas de toda a Amazônia: “Marabá tem um desafio muito grande, que não é exclusivo dela. A agenda climática é global, mas os efeitos se manifestam no nível local. É aqui que as pessoas enfrentam e sentem os impactos das mudanças no clima.”

Segundo ele, a maioria dos municípios amazônicos ainda tem baixa capacidade técnica e orçamentária para lidar com essas questões. E quem vive no sudeste paraense sente o aumento das temperaturas e as consequências diretas disso na produção agrícola. Mas, mesmo com essa consciência, ainda há dificuldades em encontrar estratégias para lidar com esses novos cenários.

Daniel defende que a política climática deve ser tratada de forma transversal, e não isolada. Para ele, muitas ações municipais já têm impacto direto no enfrentamento às mudanças climáticas, mas não são reconhecidas como tal. Como exemplo, ele cita o kit de irrigação, equipamento usado para levar água de forma controlada até plantas ou lavouras. Ele é projetado para tornar a irrigação mais eficiente, economizar água e aumentar a produtividade agrícola.

“Ele é uma política clássica de adaptação a contextos de seca, mas, quando implementado sem articulação e planejamento, acaba não alcançando quem mais precisa, como o pequeno produtor rural”, pontua.

Quando se fala em crise climática fora do campo, Daniel enxerga a necessidade de repensar o planejamento urbano. É preciso pensar em áreas verdes, em infraestrutura que amenize o calor e melhore o microclima urbano. O desafio não é apenas fazer as ações, mas articulá-las e reconhecer que fazem parte da agenda climática. Segundo ele, há recursos disponíveis, mas, se elas não forem nomeadas como políticas climáticas, ficam soltas no orçamento e perdem força.

O professor destaca ainda que a crise climática é também uma crise social, em que as pessoas com menos condições econômicas sofrem mais. Quando o calor aumenta, quem tem dinheiro instala ar-condicionado e painéis solares. Quem não tem, enfrenta diretamente o impacto. É como diz a expressão: “estamos todos no mesmo oceano, mas não no mesmo barco”.

Também durante a conferência, Daniel apresentou dados preliminares da pesquisa que coordena no Pará. “Marabá tem 81 assentamentos de reforma agrária, com mais de 7 mil famílias, algo em torno de 20 mil pessoas. Selecionamos alguns desses assentamentos para entender como as mudanças climáticas afetam a produção e o modo de vida. Marabá foi o município piloto, e estamos expandindo para Água Azul do Norte, São Félix do Xingu e outros.”

Para ele, a pesquisa é um passo importante na construção de políticas públicas baseadas em evidências, e escutar as comunidades é essencial, pois é a partir delas que é possível compreender as vulnerabilidades reais e propor soluções que façam sentido para quem vive o problema da crise climática de perto.

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