📅 Publicado em 18/10/2025 08h12
Em meio ao mar de promesseiros que move o Círio de Marabá, há rostos que se confundem com a multidão, mas que carregam no peito uma missão silenciosa. São os guardiões da fé, conhecidos como “Guardas da Santa”, homens e mulheres que dedicam força, e tempo para proteger a imagem de Nossa Senhora de Nazaré durante todo o percurso da berlinda. Entre eles está a jovem Kemilly da Silva Rodrigues, de 20 anos, que encontrou na tradição familiar o motivo para seguir o caminho da devoção.
Em uma entrevista repleta de emoção, Kemilly compartilha os desafios e os propósitos que aprendeu a enxergar através das mãos de “Nazinha”. “Eu comecei há dois anos, por influência do meu pai. Ele já participa há alguns anos e quero permanecer nessa tradição de família”, conta.
Com o uniforme azul e o olhar sereno, ela fala com firmeza, mas deixa transparecer a emoção de quem compreende o peso simbólico de caminhar tão perto da Santa. Para ela, estar na guarda, é muito mais do que cumprir uma tarefa. “É um sentimento inexplicável. Saber que estou cuidando da imagem é uma gratidão enorme”, diz.
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A FÉ QUE NASCEU EM CASA
Foi observando o pai vestir o uniforme e seguir a procissão, que o chamado floresceu em seu coração. A admiração de menina virou promessa. “Sempre achei muito bonito. Com o meu pai na guarda, a admiração aumentou ainda mais”, revela.
Kemilly fala com serenidade sobre a preparação e as horas intensas do Círio. O corpo cansa, mas o espírito se fortalece. “A gratidão em saber que estou ainda mais próxima de Nossa Senhora é algo que não dá pra explicar. É uma emoção que a gente sente lá dentro, no coração”, afirma.
Mesmo tão jovem, ela já testemunha uma graça que fortaleceu ainda mais sua fé. Há pouco tempo, a família enfrentou um momento delicado: o pai precisou passar por uma cirurgia de urgência. “Descobrimos que ele estava com um coágulo na cabeça e precisaria operar. Eu fiz uma promessa para Nossa Senhora e falei se meu pai saísse bem, eu pagaria essa promessa após o Círio”, conta, com a voz embargada.
O medo foi inevitável, mas não abalou a fé. O pai, também devoto, viveu a própria experiência de fé durante o procedimento. “Ele diz que viu Nossa Senhora na hora da cirurgia. Eu acredito. Ela estava lá”, afirma sorrindo. Ao recordar a recuperação do pai, Kemilly se emociona e tem a certeza que a fé de toda família se confirmou ali, no momento de aflição e dor.

INSPIRANDO OUTROS JOVENS
Desde criança, a jovem trilha o caminho da igreja. “Minha mãe fala que eu estive no Círio ainda na barriga. Sempre fui muito ativa e participativa nas atividades da igreja”, diz com orgulho.
A relação com Nossa Senhora, para ela, é de intimidade e confiança. “Maria é uma mãe que está próxima, em todos os momentos”. Com o mesmo zelo com que protege a imagem, Kemilly também cultiva o desejo de inspirar outros jovens a viverem a experiência do Círio de forma mais profunda. “É um sentimento de gratidão enorme, algo que muda a vida. Eu gostaria que todos tivessem a oportunidade de participar”, declara.
Na intensa caminhada fica o pagamento das promessas, o suor e as lágrimas, a jovem sabe do próprio chamado e por isso permanece próxima de Maria e pretende levar a herança para o futuro. “Futuramente, gostaria que meus filhos também compartilhassem desse desejo”, compartilha.
Kemilly sabe que a missão vai além da procissão. É um compromisso que se renova todos os dias. Uma semente que deve ser plantada e regada. E uma dessas sementes caiu em terra boa e deu frutos.
A fé que ela cultiva já germinou em outros corações, é o que compartilha. “Tenho uma amiga que entrou recentemente para a guarda depois que conheceu a minha história. Isso despertou nela o desejo de participar”, diz emocionada.
A JUVENTUDE PERMANECE
Pelas ruas de Marabá, no meio do Círio, onde as histórias se cruzam e a fé se transforma em movimento, Kemilly caminha em silêncio, com o olhar firme e o coração entregue. Estar ali traduz o sentido mais puro da procissão, a gratidão.
Entre o pegar da corda e as preces dos devotos, a jovem representa uma geração que escolhe ficar, e que encontra em Nossa Senhora não apenas um símbolo, mas um laço de pertencimento e espelho.
No fim do percurso, quando a berlinda se aproximar do destino final, Kemilly erguerá o rosto em meio à multidão e respirará fundo. Ali, no coração do Círio, ela sentirá, mais uma vez, a presença de Maria e a sensação de dever cumprido. “Estar no Círio é viver, de uma forma muito bonita a fé sentida por todos os presentes”, finaliza.
Aos 20 anos, a jovem faz muito mais que a guarda, ela carrega o legado do pai, as lembranças da infância, e a devoção que pulsa no peito. Transforma devoção em força, seguindo pela mesma direção do homem que um dia a ensinou a crer.