Correio de Carajás

Projeto “Bom Destino” faz da madeira apreendida a esperança no campo

Iniciativa do MPPA transforma passivo ambiental em ativos comunitários, promovendo justiça socioambiental no sudeste do Pará

Parte da madeira apreendida por órgãos ambientais se transformaram em ponte antes de apodrecerem no pátio

Quem diria que aquilo que já foi visto como problema se tornaria solução? Um projeto inovador focou na madeira apreendida em operações ambientais no Pará e que apodrecia em depósitos públicos, perdida entre a burocracia e o descaso. Hoje, esse mesmo material é ponte, estaca, abrigo e até colmeia. Essa reviravolta tem nome: Projeto Bom Destino, iniciativa do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) que, desde julho de 2023, transformou um passivo ambiental em ativo social, consolidando-se como referência nacional em destinação sustentável.

O projeto é fruto da articulação da 12ª Promotoria de Justiça da Região Agrária de Marabá e da 8ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Marabá, e surgiu como resposta a um desafio histórico: a ausência de fluxo adequado para o aproveitamento da madeira apreendida por órgãos fiscalizadores, que permanecia em depósitos públicos, deteriorando-se ou sendo perdida no trâmite burocrático.

Governança em rede

Leia mais:

O modelo de gestão do Bom Destino é baseado por meio de trabalho em rede. Cada instituição participante exerce papel fundamental:

  • O MPPA coordena e fiscaliza o processo, garantindo legalidade e controle;
  • PRF, PF, IBAMA e secretarias municipais ambientais realizam as apreensões e formalizam a entrega;
  • A UEPA oferece suporte técnico-científico, especialmente na identificação da espécie da madeira;
  • As prefeituras cuidam da logística e da aplicação da madeira em obras;
  • As secretarias de agricultura levantam as demandas locais;
  • As comunidades beneficiadas recebem e utilizam os materiais em iniciativas sustentáveis.

Um marco inicial importante foi a Operação Temática de Enfrentamento aos Crimes Ambientais (OTECA) realizada pela PRF, em agosto de 2023, que uniu capacitação técnica e fiscalização integrada, demonstrando a eficácia da articulação institucional.

Promotora Alexssandra, ao centro, com produtores que receberam madeira para construir colmeias

Fluxo metodológico

O projeto estruturado garante transparência, segurança jurídica e replicabilidade. As etapas vão desde a articulação institucional e a formalização da apreensão, até a aplicação social da madeira, passando por planejamento, logística, beneficiamento, acompanhamento técnico e prestação de contas.

*Resultados alcançados*

Em dois anos de execução, os números impressionam:

  • Mais de 1.100 famílias beneficiadas;
  • 25 comunidades atendidas;
  • 1.850 m³ de madeira reaproveitada;
  • Construção de 160 pontes na zona rural;
  • Doação de 27.971 estacas para a agricultura.

As madeiras têm sido utilizadas em múltiplas finalidades, entre elas:

  • Construção e reforma de pontes e passarelas rurais;
  • Estruturas escolares e comunitárias;
  • Apoio à agricultura familiar, com estacas para plantio e estruturas de hortas e viveiros;
  • Confecção de caixas de abelha e apiários, fortalecendo a produção de mel;
  • Estruturas de aviários e apiários comunitários;
  • Montagem de cochos de fermentação de cacau e viveiros para animais;
  • Produção de caixotes de lixo, cercas e currais para manejo sustentável;
  • Apoio a projetos de ressocialização, como a marcenaria do presídio local.

No mesmo período, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou a apreensão de 4.188,35 m³ de madeira, 1.172,3 m³ de carvão, 769 toneladas de minérios, 1.191 kg de agrotóxicos, além do resgate de 68 animais e a realização de 149 fiscalizações ambientais. Essas informações foram repassadas conforme anuncia o chefe da PRF em Marabá, inspetor Heyder da Silva Nunes.

Parte desse material apreendido foi destinada ao Projeto Bom Destino, ampliando significativamente o alcance social e comunitário da iniciativa.

Pequenos produtores do campo recebem madeira para implantação de hortas

Exemplos emblemáticos

Entre uns casos de destaque nacional está a Operação de Desintrusão da Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu, quando o Ibama resgatou 92 animais domésticos abandonados. O abrigo emergencial para acolhimento dos animais foi construído com madeira oriunda do Projeto Bom Destino, permitindo a campanha “Adote Apyterewa”, que garantiu novos lares para todos eles.

Novo significado para bens apreendidos

Mais que uma solução para o acúmulo de madeira apreendida, o Projeto Bom Destino reafirma o papel do MPPA como indutor de políticas públicas inovadoras, assegurando que bens apreendidos não sejam abandonados, mas transformados em benefício direto às comunidades vulneráveis.

Perspectivas

Ao completar dois anos, o Projeto Bom Destino mostra que a madeira apreendida pode ter um destino justo, sustentável e transformador, um verdadeiro exemplo de como a articulação interinstitucional pode gerar impactos sociais e ambientais duradouros.

Vozes do território

O prefeito de Itupiranga, Wagno Godoy, avalia a parceria com o Ministério Público no apoio aos pequenos agricultores de seu município. “Essa madeira que chegou por meio da Promotoria Agrária trouxe uma tranquilidade inédita para nós durante o inverno. Temos muitas pontes – pequenas, médias e grandes – e a madeira garantiu segurança para construí-las, permitindo que as pessoas pudessem ir e vir. Essa iniciativa mudou a vida do cidadão, do aluno, do transportador de leite e do produtor de gado. Aqui em Itupiranga sentimos, no dia a dia, a diferença que o projeto está fazendo”, elogia.

O engenheiro florestal Marcos Paulo Eleres, que acompanha o projeto desde o início, endossa as palavras do prefeito de Itupiranga, e analisa que em Marabá, centenas de famílias de agricultores também foram beneficiadas desde sua implantação.

“O Projeto Bom Destino transformou a realidade de centenas de produtores rurais. A madeira foi aplicada em apicultura, suinocultura, agroindústria e avicultura, trazendo uma nova visão sobre sustentabilidade aliada ao desenvolvimento socioeconômico. Famílias inteiras foram beneficiadas. Destaco a cadeia leiteira da região da Vila Sororó, que fortaleceu o pastejo rotacionado e foi base para a inauguração do laticínio de Marabá. Falar do Bom Destino é falar de sustentabilidade, mudança de vida e fortalecimento da produção rural.”

A voz do agricultor

Outro que atesta o sucesso do projeto é o agricultor Walcilandio Meloni Moreno, que atua como presidente da Cooperativa Mista da Agricultura Familiar do Sul e Sudeste do Pará. Ele revela que recebeu 120 estacas da Secretaria de Agricultura em 2022, destinadas a um projeto de maracujá. Plantou, colheu e vendeu o fruto, e ainda utilizou a sombra dos pés para proteger o cacau, o açaí e a banana que havia plantado. Quando o açaí já estava desenvolvido, eliminou o maracujá e reaproveitou as estacas. Com elas, construiu um viveiro de mudas em sua propriedade, onde agora cultiva pitaya e produz mudas próprias, sem precisar recorrer à SEAGRI.

“Também recebi oito mourões de acapu, que hoje sustentam o sistema de aspersão que uso para irrigar milho e as mudas do meu viveiro. Assim, a madeira doada deixou de ser um recurso perdido e se transformou em uma base para diversificar minha produção e garantir mais autonomia no campo”, comemora Meloni.

Esperança e futuro

Idealizadora do projeto, a promotora de Justiça Agrária Alexssandra Muniz Mardegan, se mostra radiante com os resultados alcançados até aqui e observa que, ao longo de dois anos do Bom Destino, o projeto consolidou parcerias estratégicas, capacitou famílias e fortaleceu a valorização da sociobiodiversidade amazônica. “Mais do que dar uma destinação adequada à madeira apreendida, o Bom Destino representa esperança e futuro para as comunidades rurais”, analisa.

Ela conclui ponderando que o sucesso da iniciativa reafirma o papel do Ministério Público Estadual como indutor de soluções inovadoras que unem proteção ambiental, justiça social e desenvolvimento sustentável.

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