Correio de Carajás

MPF e sociedade civil cobram estrutura, orçamento e protocolo para educação antirracista em Marabá e região

Encontro aponta o racismo religioso como maior obstáculo e denuncia autocensura de professores por medo de perseguição nas escolas

✏️ Atualizado em 10/10/2025 17h49

A ausência de uma política pública estruturada, a falta de orçamento dedicado e a necessidade de um protocolo claro para lidar com casos de racismo nas escolas foram os principais pontos debatidos em uma escuta pública sobre educação antirracista e afrocentrada em Marabá (PA) e região, realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) no último dia 30. O evento reuniu representantes de movimentos sociais, secretarias de educação, universidades públicas, institutos federais e sindicatos de escolas públicas e particulares para cobrar ações concretas que superem as iniciativas voluntárias.

A escuta faz parte de um fórum permanente criado no início do ano pelo MPF, em parceria com a sociedade civil, para discutir políticas de equidade racial. Pelo MPF, participaram da escuta pública a procuradora da República Gabriela Puggi Aguiar, que coordena o fórum, e o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Sadi Machado, que destacou a importância do diálogo. Ele citou uma recomendação recente do MPF, acatada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) para aprimorar o sistema de cotas para professores, sugerindo que a medida seja replicada na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Durante o debate, foi apresentado um diagnóstico preocupante da situação na rede de ensino. Na ocasião, o racismo religioso foi apontado com o maior obstáculo para a implementação efetiva das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena. Segundo os participantes, enquanto temas como a beleza negra são tolerados, a abordagem de religiões de matriz africana e de narrativas indígenas gera forte resistência, intimidação e ameaças. Como consequência, muitos professores praticam a autocensura por medo de perseguição.

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Falta de estrutura – A ausência de uma estrutura institucional na Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Marabá para coordenar as ações foi citada durante a reunião. Atualmente, o trabalho é conduzido de forma voluntária pelo Grupo de Trabalho (GT) Terras, composto por cinco servidoras que atuam sem orçamento, tempo ou espaço físico. Além disso, o currículo municipal ainda é considerado colonial, e faltam materiais didáticos específicos.

Os participantes também apontaram a contradição do poder público, que se empenhou na classificação racial dos estudantes para o censo escolar devido ao impacto nos repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), mas não demonstra o mesmo vigor para implementar políticas de enfrentamento do racismo. A formação de educadores também foi alvo de críticas, com cursos de licenciatura que ainda privilegiam currículos eurocêntricos em detrimento da produção literária amazônica, indígena e negra.

Propostas debatidas – Diante do diagnóstico, a principal proposta que emergiu da escuta pública foi a de solicitar formalmente à prefeitura de Marabá a criação de um núcleo ou departamento específico para a promoção da diversidade e equidade na educação, com pessoal e orçamento próprios. Não existe política pública que consiga avançar sem estrutura e recursos, alertaram participantes.

Outras propostas centrais foram:

  • Criação de um protocolo antirracista: assim como já existe para casos de violência sexual, o protocolo estabeleceria um procedimento padrão para as escolas seguirem em casos de racismo, definindo como notificar, a quem acionar e como oferecer suporte de saúde mental às vítimas.

  • Materiais de orientação jurídica: elaboração de materiais para proteger os educadores de assédio e censura.

  • Seminário regional: realização de um grande seminário sobre a implementação da Lei 10.639/03, visando um pacto institucional entre as esferas de ensino.

  • Criação de afrotecas: instalação de bibliotecas com acervo afrocentrado e antirracista em bairros periféricos, para ampliar o acesso à cultura.

Encaminhamentos – Os participantes cobraram que as discussões do fórum sejam refletidas nos orçamentos municipais. Foi deliberado que o MPF solicitará à secretaria de Planejamento de Marabá informações sobre como as propostas foram incorporadas ao Plano Plurianual (PPA). O debate também abordou a necessidade de expandir a cobrança para outros municípios, como Parauapebas e Canaã dos Carajás, que relataram dificuldades semelhantes.

Ao final da reunião, foram definidos, como encaminhamentos, que o MPF vai:

  • enviar ofício à Semed de Marabá para solicitar informações sobre o cumprimento da legislação antirracista no currículo, a formação continuada de professores, a criação de uma rede de notificação para casos de racismo e sobre os planos para a criação de um núcleo específico para a promoção da equidade racial, com dotação orçamentária própria.

  • solicitar à secretaria de Planejamento do município o resultado das discussões para a consolidação do PPA e a previsão orçamentária para as políticas de equidade racial.

  • questionar a Câmara Municipal e a prefeitura de Marabá sobre o que foi incluído de orçamento específico para a pauta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026.

  • questionar a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC) e o sindicato de escolas particulares sobre a fiscalização e o cumprimento da legislação na rede privada de ensino da região.

  • articular uma futura reunião virtual com representantes do MEC, da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e das secretarias municipais para aprofundar o diálogo.

(Fonte: Ascom MPF)

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