Correio de Carajás

Do banco da paróquia à corda do Círio: a força do Terço dos Homens

“A grande maioria da Guarda da Santa é formada por homens do terço. Nós somos os guardiões da imagem, da devoção e do nome de Nossa Senhora” – diz José César

Católico desde o berço, César é um dos pioneiros do movimento Terço dos Homens em Marabá/ Fotos: Evangelista Rocha
Por: Kauã Fhillipe
✏️ Atualizado em 08/10/2025 11h14

Uma vez na semana, católicos se reúnem em diferentes paróquias de Marabá com um único propósito: rezar em fraternidade à Santa Padroeira. Essa prática resume a dimensão do Terço dos Homens, movimento que vem ganhando cada vez mais espaço na vida religiosa e comunitária da cidade. Entre os devotos que se dedicam a esse momento de fé está o servidor público José César da Silva, que se orgulha de ter sido um dos primeiros homens a participar dos encontros do grupo de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Paróquia de São Félix de Valois, na Marabá Pioneira.

Nascido em Igarapé-Açu, no nordeste do Pará, e criado na Igreja Católica, César guarda lembranças afetivas de seus primeiros contatos com a religião. A fé chegou a ele por meio da família, que sempre cultivou tradições ligadas à devoção cristã. “Eu fui seguir todos os passos: dos sacramentos, batismo, primeira eucaristia, crisma, casamento… E até hoje tento conduzir meus filhos no mesmo caminho”, conta, com a mesma serenidade que costuma marcar suas orações.

De terço em mãos e olhar voltado ao passado, ele lembra, com carinho, os costumes transmitidos ao longo das gerações: “A minha espiritualidade vem da raiz da minha família. Meus avós educaram meus 11 tios e minha mãe com tradições muito belas, como nas celebrações da Semana Santa. Depois da missa, o meu avô ficava na frente da igreja e todos os afilhados, netos, filhos iam pedir a bênção a ele. Eram dias muito especiais”.

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O chamado missionário

De acordo com a Bíblia, antes de morrer, Jesus Cristo confiou ao apóstolo João a missão de cuidar de Maria, sua mãe. Já o Arcanjo Gabriel entregou a José, pai terreno de Jesus, a responsabilidade de zelar pela Virgem. São nesses relatos que César enxerga a vocação dos homens que rezam o terço. “Nós temos o compromisso de levar o nome da Virgem Maria por todos os lugares por onde caminhamos, como se fôssemos guardiões da bonita história dela”, afirma.

Esse sentimento de missão é o que move os encontros semanais. Para além da repetição das ave-marias e pai-nossos, há uma convicção profunda de que cada oração se transforma em testemunho e compromisso de vida.

Os homens e o Círio de Nazaré

O compromisso não se limita aos encontros fixos. Durante os meses de maio e outubro, os grupos de devotos realizam o chamado Terço Itinerante, levando orações a casas de famílias que pedem bênçãos ou a paróquias que necessitam de apoio pastoral. “A pedido do saudoso Papa Francisco, nestes dois meses fazemos essa missão. Maio é o mês de Maria e outubro, o mês nazareno”, explica César.

Em Marabá, um dos momentos mais marcantes de devoção mariana é o Círio de Nazaré. Segundo César, a presença dos homens do terço é fundamental nesse evento. “A grande maioria da Guarda da Santa é formada por homens do terço. Nós somos os guardiões da imagem, da devoção e do nome de Nossa Senhora”, enfatiza.

O início do Terço em Marabá

Atualmente coordenador do grupo da Paróquia de São Félix de Valois, César conta que a iniciativa em Marabá nasceu em 2009, quando um amigo trouxe a proposta do Nordeste. Ainda naquele ano, em 24 de agosto – data que ele sempre faz questão de destacar –, César reuniu outros 12 homens para dar início ao primeiro encontro. “Hoje somos em torno de 100 homens no nosso grupo e, também, ajudamos a criar novos grupos em vários bairros”, explica com entusiasmo.

O crescimento foi rápido. Hoje, o movimento está presente em comunidades como Morada Nova, Belo Horizonte, Laranjeiras, Liberdade e KM. O que começou como uma pequena reunião de irmãos tornou-se um fenômeno de fé coletiva. “É um movimento que cresceu. Foram sementes plantadas em terra fértil e que germinaram, dando muitos frutos”, resume César.

Os homens do terço têm papel fundamental no Círio de Nazaré, que segundo César, se denominam guardiões da palavra da Virgem Maria

O movimento do Terço dos Homens

A história do Terço dos Homens tem início no ano de 1936, quando Frei Peregrino fundou o movimento em uma antiga fazenda chamada Providência, localizada na região onde hoje está o município de Itabi, em Sergipe. Naquele primeiro encontro, cerca de 200 homens se reuniram para rezar juntos o rosário. A iniciativa simples cresceu, ganhou adeptos em diferentes estados e, décadas mais tarde, tornou-se um dos movimentos leigos mais fortes da Igreja Católica no Brasil.

De acordo com a Comunidade Católica Shalom, em 2023 já eram aproximadamente 2,5 milhões de fiéis participando semanalmente das orações em paróquias, capelas e até em praças públicas. Essa presença massiva mostra a força de um movimento que se renova a cada geração, atraindo jovens, adultos e idosos para um mesmo gesto de fé.

Os encontros seguem uma liturgia bem estruturada, que envolve cantos, leituras bíblicas, momentos de reflexão, ato penitencial e orações especiais. Cada grupo é organizado por equipes, nas quais os participantes assumem funções específicas, como condução da reza e escolha dos cânticos. Essa organização está descrita em um manual que garante um padrão do movimento em nível nacional.

A missão central do Terço dos Homens é reunir fiéis para honrar Nossa Senhora, mas também para fortalecer os laços comunitários. A oração se transforma em espaço de acolhimento e amizade, estimulando os participantes a viverem os ensinamentos do Evangelho dentro de suas casas e na sociedade.

Fé, fraternidade e transformação social

Mais do que um espaço de espiritualidade, o Terço dos Homens também atua em uma dimensão social e solidária. Muitos grupos apoiam obras de educação, campanhas de arrecadação de alimentos e iniciativas de assistência social, sempre com foco no amparo aos mais pobres. A caridade, segundo César, é parte inseparável da fé.

“O mundo precisa muito hoje da fraternidade. De você sentir em você a dor do irmão. O Terço dos Homens é caridade, é fraternidade, é união e devoção”, resume. Para ele, rezar não é apenas um ato de devoção individual, mas uma forma de educar para a fé, de inspirar o amor ao próximo e de fortalecer a família cristã.

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