📅 Publicado em 30/09/2025 08h17✏️ Atualizado em 30/09/2025 08h18
Quantos sonhos cabem dentro de uma bolsa amarela? Raquel, a menina criada por Lygia Bojunga, guardava lá os desejos mais secretos: crescer depressa, ser menino, escrever histórias.
Já a nossa personagem principal, Marinete Hipólito da Silva, a Mari, também começou cedo a guardar os próprios sonhos dentro de uma bolsa imaginária, feita de páginas e palavras. Foi por meio dos livros que ela aprendeu a conhecer o mundo e a reinventar a realidade. Hoje, aquela menina que lia para se descobrir tornou-se a mulher que será ouvida e lida em seus ensaios no portal Correio de Carajás a partir desta terça-feira (29).
Mari nasceu em Amarante, no Maranhão, filha de pais com pouca instrução. Ela lembra-se que o gosto pelos livros começou ainda na adolescência. A primeira lembrança de leitura é bíblica, a história da ressurreição de Lázaro, que leu e releu algumas vezes. Tempos depois, uma prima vinda de uma cidade mais desenvolvida a presenteou com gibis. “Aí eu fiquei encantada”, recorda, como quem revive a primeira vez em que as cores saltaram das páginas para dentro do coração.
Leia mais:Na mesma época, já havia decidido estudar e trabalhar com o mundo das letras, ser professora, ainda que naquele momento não soubesse o nome do curso. O gosto de ensinar também foi inspirado na convivência com uma tia que alfabetizava crianças e a deixava acompanhá-la nesse processo de plantar letras no mundo.
Mas foi apenas aos 14 anos, quando se mudou para Marabá, que Mari descobriu algo que mudaria tudo: uma biblioteca. “Eu nem sabia que existia uma sala que só tinha livros”, lembra, ainda emocionada. Ali, entre prateleiras cheias, escolhia livremente as próprias leituras. Vieram, então, os clássicos. Na adolescência, devorava José de Alencar, mais tarde, aprendeu a saborear Machado de Assis, em leituras que foram moldando o olhar sobre a vida.
Enquanto ainda cursava Letras, começou a lecionar Língua Portuguesa e Literatura. A paixão pela leitura se transformava em profissão. Mas as condições financeiras a fizeram buscar novos caminhos, e em 2010 ingressou no curso de Direito na Unifesspa, pouco depois de concluir Letras. Enquanto estudava, já se preparava para concursos públicos. Conquistou a aprovação para o cargo de analista no Tribunal de Justiça do Estado do Pará e, ao concluir a graduação, também foi aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Mesmo dividida entre as duas áreas, Mari nunca deixou dúvidas: Letras é seu deleite. Ler, para ela, é abrigo, prazer e companhia. Tanto que mantém uma média anual de 30 a 40 livros “devorados”, em alguns anos, chegou a 47. Organizada, mantém listas do que já leu, do que pretende ler e até do que deseja reler. Prefere o livro físico e não se rende às distrações das telas, tanto que não tem redes sociais (sério???).
Nos momentos difíceis, os livros foram salvação. Durante a pandemia e, também, no período em que trabalhou por seis anos na Comarca de Jacundá, geograficamente próxima da família, mas distante do convívio diário, a literatura foi refúgio. Ali, criou até um grupo de leitura, porque partilhar palavras sempre lhe pareceu um gesto de resistência e afeto.
E há livros que são mais que livros, são espelhos de alma. Entre eles, A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, ocupa lugar especial. Em 2022, quando a sobrinha de 14 anos foi morar com ela, esse foi o primeiro livro que a menina leu. Terminada a leitura, confidenciou que queria ser amiga de Raquel, a protagonista. Mari sorriu, como quem guarda um segredo: talvez a sobrinha não soubesse, mas aquela amizade já existia.
Porque, de certo modo, Mari sempre foi um pouco Raquel, a menina que transformou vontades em palavras, sonhos em conquistas, silêncio em voz. Motivos estes que a fazem ter histórias e vivências de sobra para compartilhar com os leitores deste Portal.