Correio de Carajás

Microrrituais de saúde mental impactam no dia a dia de marabaenses

Pequenos gestos diários se tornam poderosas ferramentas para a saúde mental e o bem-estarc

Dhulia e Alice contam ao Correio de Carajás como microrrituais diários são ferramenta para uma vida melhor/Imagem editada com IA
Por: Luciana Araújo

Entre cordas, corridas e treinos na academia, a economista marabaense Dhulia Lima encontrou na atividade física um ritual diário para silenciar a mente e afastar a ansiedade. Para a psicóloga Alice Santos, também de Marabá, práticas como essa, os chamados microrrituais, são pequenas pausas conscientes capazes de prevenir o desgaste emocional e reconectar a pessoa ao momento presente.

Foi durante a pandemia de covid-19 que a marabaense Dhulia, 29 anos, descobriu que a atividade física seria um acalento para sua saúde psicológica e emocional. Com crises de ansiedade e insônia recorrentes, ela começou a pular corda e fazer exercícios com o peso do próprio corpo. Rapidamente Dhulia percebeu que eles ajudavam sua mente inquieta e barulhenta a se aquietar.

“Consegui dormir, ter menos crises de ansiedade, eu consegui viver melhor naquele momento que era delicado. Foi quando comecei a me apaixonar por atividades físicas”, revela. Passada a pandemia, o ritual da atividade física permaneceu, mas de uma maneira diferente. Ela se matriculou na academia e desde então, o exercício e a alimentação saudável se tornaram a sua cura.

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“Tenho me desafiado todos os dias. Malho, corro, pratico esportes novos, faço CrossFit. Faço porque tudo o que envolve a atividade física silencia a minha mente”, confidencia. Mesmo nos piores dias, quando a vontade de ir para casa, deitar na cama e assistir ‘Sex and the City’ tenta se sobressair, Dhulia respira fundo e lembra que lá na pandemia a rotina com a atividade física foi sua válvula de escape – e continua sendo.

Dhulia encontrou na atividade física uma aliada para silenciar sua mente agitada/Foto: Arquivo pessoal

“E aí, ultimamente, todas as vezes que eu sinto, ou que eu sei que eu vou ter alguma crise, eu penso: hoje eu preciso treinar. Coloco um fonezinho de ouvido e vou”.

Para a economista, ter um ritual de exercício físico não é algo feito só pela estética, mas pela saúde, principalmente mental e emocional.

Pequenas pausas diárias impactam o bem-estar

Levantar com calma, passar um café e se permitiu tomar cada gole em silêncio, longe do celular. Pode parecer pouco, mas ações como essa fazem parte de um movimento crescente: o dos microrrituais diários. Simples, curto e pensado sob medida para quem os pratica, esses gestos despontam como ferramentas valiosas na busca por equilíbrio emocional em meio à rotina acelerada. Assim como o hábito da Dhulia, de incluir exercícios físicos em sua rotina para silenciar a mente.

Em entrevista ao Correio de Carajás, Alice Santos, psicóloga de 24 anos, pós-graduanda em Logoterapia e Análise Existencial, explica que os microrrituais são pequenas ações que, quando praticadas com intenção, resultam em pausas que fazem o praticante mergulhar em si mesmo e que aliviam corpo e alma.

“É uma forma de descanso no meio do caos. A ideia é que sejam fáceis o suficiente para encaixar na rotina e ajudar a reconectar com o momento presente”, explica Alice.

São momentos simples, como a leitura por prazer, escrita terapêutica, caminhadas desaceleradas e até o preparo do próprio chá ou café, que podem ser praticados por todos, sem restrição de sexo, idade ou classe social. O importante é que harmonizem com cada realidade e necessidade. A psicóloga destaca que essas práticas geram previsibilidade na rotina, ajudam na auto regulação emocional e atuam de maneira positiva no cérebro, estimulando neurotransmissores ligados ao prazer e ao bem-estar, como endorfina, serotonina e dopamina.

“Eles trazem uma sensação de liberdade interior e reforçam a autonomia, o controle sobre si mesmo. Mas é importante ter atenção: quando viram uma forma de fuga emocional ou distração constante, podem mascarar sentimentos e adiar a busca por ajuda profissional”, alerta Alice.

Prevenção, não substituição

Embora os microrrituais possam ser aliados no tratamento de transtornos como ansiedade e depressão, seu papel principal é preventivo. Alice explica que essas pequenas pausas funcionam bem quando a pessoa está sobrecarregada, mas ainda não tem prejuízos significativos na vida. “Se o sofrimento começa a impactar trabalho, estudos ou relações, é hora de buscar ajuda especializada”, orienta.

A psicóloga reforça que esses gestos não substituem a psicoterapia ou o acompanhamento psiquiátrico. Em sua escuta clínica, ela busca adaptar os rituais à rotina real do paciente. Para ela, não adianta recomendar três treinos semanais para quem mal tem tempo de respirar. A proposta precisa fazer sentido para quem irá praticá-la, ser específica e viável. Em alguns casos, levantar e se alongar já traz efeitos.

A própria Alice coleciona pequenos rituais no cotidiano. Leitura e escrita estão entre seus favoritos, mesmo sendo ferramentas que estão presentes em seu trabalho. Outro momento sagrado é o da manhã: levantar sem tocar no celular, arrumar a cama e preparar o café com atenção plena.

Ela elucida, ainda, que há uma distinção importante entre hábito e ritual. O primeiro é automático; o segundo exige consciência. “A gente escova os dentes sem pensar. Já o ritual exige presença, uma escolha consciente. Parar para fazer café e tomar com atenção muda a experiência. Traz de volta a sensação de controle”, afirma.

Por isso, Alice também chama atenção para o impacto do uso excessivo de celulares na saúde mental. A psicóloga analisa que as pessoas estão tão cercadas por estímulos que não conseguem mais prestar atenção nas próprias ações. A queixa de perda de memória, distração e desconexão é constante em seus atendimentos.

“É frustrante perceber que aquilo que deveria entreter virou fonte de esgotamento. A tecnologia nos distancia da atenção plena”, revela.

Quando o ritual não basta

O alerta mais importante, segundo a psicóloga, é sobre os limites dos microrrituais. Se mesmo com essas práticas o sofrimento persiste, como perda de foco, lapsos de memória, desânimo, sensação de confusão mental ou perda de sentido na rotina, é hora de buscar apoio profissional.

“Nem tudo é transtorno, mas a linha é tênue. A dose é o que diferencia o remédio do veneno. Se já existe impacto no trabalho, nos estudos ou nas relações, e a pessoa tenta sozinha sem resultados, o mais indicado é procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica”, orienta.

Para quem quer incluir microrrituais no dia a dia, Alice dá um conselho direto: olhe para si, e não para o que está em alta nas redes. “Nem todo mundo vai gostar de pintar o ‘Bobbie Goods’, por exemplo. Pergunte-se: o que eu gostava de fazer e deixei de lado? O que faz sentido para mim agora?”, propõe.

Pode ser um caderno, uma caminhada, ouvir música devagar, preparar um chá. O importante, ela diz, é trazer consciência para as escolhas. “Rituais são momentos de pausa, mas também de escuta interior. E essa escuta pode ser o primeiro passo para uma vida mais leve, significativa e saudável”, finaliza.

Alice: “Os microrrituais trazem uma sensação de liberdade interior e reforçam a autonomia, o controle sobre si mesmo”/Foto: Luciana Araújo

Dicas para criar rituais de autocuidado

Tempo para si mesmo: Regularmente, encontre tempo para criar seus próprios rituais de autocuidado. Pode ser pela manhã, à noite ou em qualquer momento que funcione melhor para a sua rotina.

Desconecte-se: Desligue os dispositivos eletrônicos e se afaste das distrações digitais, assim é possível se concentrar inteiramente em si mesmo.

Crie um ambiente tranquilo: Escolha um espaço calmo onde possa se sentir relaxado e à vontade. Acenda velas, use óleos essenciais ou coloque música suave, se isso ajudar a relaxar.

Práticas de meditação: A meditação é uma ferramenta poderosa para acalmar a mente. Dedique alguns minutos para meditar e praticar a atenção plena.

Leitura e reflexão: Ler um livro que traga a sensação de conforto ou escrever em um diário pode ajudar a organizar seus pensamentos e promover a autorreflexão.

Exercícios leves: Praticar ioga, alongamentos suaves ou fazer uma caminhada tranquila pode ajudar a liberar tensões físicas e mentais.

Os rituais de autocuidado são uma parte importante para a saúde mental, emocional e física. Ao priorizar o autocuidado, é possível fortalecer a conexão consigo mesmo, o que, por sua vez, permite maior presença e equilíbrio em todas as áreas da vida.

Não existe uma abordagem única para o autocuidado. É possível experimentar diferentes práticas e descobrir o que combina melhor no dia-a-dia. Incorporar rituais de autocuidado na rotina é um investimento na saúde e bem-estar.