Com foco na eficácia de indenizações como compensação socioambiental para impactos causados por grandes empreendimentos em comunidades tradicionais, o Ministério Público Federal (MPF) participou do Seminário “Irreversibilidade do Prejuízos Socioambientais da Hidrovia Araguaia-Tocantins”, realizado na última terça (5) e quarta-feira (6), em Itupiranga.
Sediado nas comunidades ribeirinhas extrativistas Vila Tauiry e Vila Saúde, o evento reuniu representantes de mais de 20 comunidades ribeirinhas do Rio Tocantins, além de lideranças indígenas e quilombolas, pesquisadores e membros do MPF.
Organizado por movimentos sociais e comunidades tradicionais potencialmente impactadas pela obra de explosão – chamada de derrocagem – da área conhecida como Pedral do Lourenção, dragagem do Rio Tocantins e operação da hidrovia, o seminário levou ribeirinhos, quilombolas e indígenas que já foram afetados por outros empreendimentos para compartilhar suas experiências e contribuir com a avaliação de utilidade – principalmente a longo prazo – de compensações financeiras.
Leia mais:O encontro contou com o apoio do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), do Instituto Zé Cláudio e Maria (IZM), da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
“Esse Rio é o nosso sustento. Como eu sempre digo, o Rio Tocantins emprega mais que qualquer prefeitura”, afirmou Ronaldo Macena, liderança ribeirinha da Vila Tauiry.
A voz da experiência – A liderança da comunidade quilombola São José do Icatú Maria José Brito contou que, durante a construção da barragem para a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, quando ainda era criança, a comunidade, que fica localizada em Mocajuba, foi orientada a não utilizar a água do rio que os banhava por três dias, o que foi respeitado por todos. Mas, depois do período exigido, voltaram a utilizar a água do rio e inúmeras pessoas começaram a adoecer e morrer, obrigando a comunidade a construir um cemitério no território. Sobre a Hidrovia Araguaia-Tocantins, Maria José enfatizou que os impactos terão longo alcance. “Água não tem fronteira, todos nós seremos atingidos”, disse.
Já as lideranças do Conselho Ribeirinho do Xingu Cleo Francelino Aquino, Raimunda Gomes da Silva e Rita Cavalcante da Silva relataram a sequência de violências e violações de direitos que sofreram e sofrem até hoje por causa da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira.
Cleo Aquino informou que, mesmo depois de mais de dez anos de instalação da hidrelétrica, que iniciou as operações em 2016, o rio ainda não funciona do mesmo jeito em termos de fluência, periodicidade de cheia e seca, entre outros aspectos. Por isso, não conseguem ter a mesma renda que conquistavam antes do empreendimento, já que seus modos de vida se baseiam, principalmente, na pesca.
Segundo ele, as indenizações prometidas foram drasticamente diminuídas, além de não serem pagas a parte das famílias impactadas. “Dinheiro nenhum paga a liberdade de vocês”, alertou Aquino.
Ao relatar sua experiência com compensações socioambientais, Rita da Silva afirmou que “as promessas foram só enganação” e que até hoje muitos ribeirinhos que foram retirados de seus territórios vivem com depressão por não poder mais pescar e manter suas relações tradicionais com o rio. “Quando o dinheiro acaba é que você vê que não tem mais o que fazer da vida”, disse a liderança ribeirinha sobre as indenizações pagas como compensação.
A liderança Raimunda da Silva contou para as comunidades como sua vida virou de cabeça para baixo depois do início das obras da UHE Belo Monte. Segunda ela, depois de sofrer muita pressão para aceitar uma indenização e passar por tensões e ameaças, seu marido sofreu três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e, ao sair de casa para levá-lo ao médico, teve sua residência e todos os seus pertences incendiados.
Raimunda ressaltou a importância das comunidades se manterem unidas e deu esperança aos moradores da margem do Rio Tocantins. “O que aconteceu com a gente não precisa acontecer com vocês, mas, para isso, vocês precisam se unir”, frisou.
Alessandra Korap da Silva, liderança indígena Munduruku do Médio Tapajós, também participou do seminário para compartilhar algumas de suas experiências com grandes empreendimentos. Ela reforçou a importância de as comunidades criarem seus protocolos de consulta e disse que não aceita promessas de empresas que desejam impactar seu território como forma de garantir um futuro para suas próximas gerações. “Eu não pago o preço para ver o que vai dar no futuro. Eu prefiro me assegurar no agora, porque se não, são os meus filhos e os meus netos que vão sofrer depois”, aconselhou.
(Fonte: MPF)