Correio de Carajás

Sistema carcerário de Marabá avança em ressocialização

Juiz da Vara de Execução Penal destaca melhorias na oferta de trabalho, educação e projetos inovadores para mais de mil detentos da região

Juiz Caio Berardo comemora resultados em ressocialização /Foto: Josseli Carvalho

O sistema carcerário na Comarca de Marabá, vive um momento de transformação significativa, com avanços expressivos nos programas de ressocialização e reinserção social dos detentos. A avaliação é do juiz de Direito titular da Vara de Execução Penal, Caio Berardo, que em entrevista exclusiva ao CORREIO apresentou um balanço detalhado das atividades desenvolvidas no complexo penitenciário que atende toda a região.

Com uma população carcerária que ultrapassa mil pessoas, o sistema de Marabá tem se destacado pela implementação de programas de trabalho e educação que, segundo o magistrado, representam uma mudança substancial em relação aos anos anteriores. “Podemos dizer que ainda não está perfeita, mas lembrando anos anteriores, ela se encontra bem melhor em relação hoje às oportunidades de trabalho”, afirmou o juiz Berardo.

A transformação do cenário carcerário local reflete não apenas melhorias na gestão administrativa, mas também a implementação de políticas públicas voltadas para a efetiva ressocialização dos detentos, com foco na preparação para o retorno à sociedade e na redução dos índices de reincidência criminal.

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População carcerária

O complexo penitenciário de Marabá abriga atualmente uma população superior a mil (1.000) pessoas privadas de liberdade, distribuídas em diferentes regimes de cumprimento de pena. Segundo os dados apresentados pelo juiz Caio Berardo, a distribuição atual compreende aproximadamente 500 detentos no regime fechado, cerca de 300 no regime semiaberto e mais de 320 presos provisórios.

No sistema feminino, o Centro de Recuperação Feminino (CRF) mantém uma população que oscila entre 95 e 110 detentas, com uma composição de aproximadamente 60% de presas provisórias e 40% de sentenciadas definitivas. “No feminino, ele gira mais ou menos sempre em torno do número de 100, flutua entre 95, 110”, explicou o magistrado.

Uma característica marcante do atual modelo de execução penal em Marabá é a significativa participação dos detentos do regime semiaberto em atividades laborais externas. Das 300 pessoas neste regime, cerca de 100 saem diariamente para trabalhar e retornam ao final do expediente, demonstrando a efetividade dos programas de reinserção social implementados.

O sistema também contempla o acompanhamento de pessoas em monitoramento eletrônico e aquelas que cumprem medidas de acompanhamento permanente, todas sob supervisão da Vara de Execução Penal. Esta abrangência demonstra a amplitude do trabalho desenvolvido pela justiça especializada na região.

Mercado de trabalho

Uma das principais transformações observadas no sistema carcerário de Marabá refere-se à inserção dos detentos no mercado de trabalho, tanto interno quanto externo ao complexo penitenciário. O juiz Berardo enfatizou que “há várias pessoas privadas de liberdade trabalhando junto à limpeza da cidade, empregadas junto à prefeitura, diversos empregados nas construtoras locais”.

Esta mudança representa uma quebra de paradigma em relação ao cenário anterior, quando as oportunidades de trabalho eram praticamente inexistentes. Atualmente, os detentos participam ativamente de diversos setores da economia local, contribuindo não apenas para sua própria ressocialização, mas também para o desenvolvimento da comunidade.

A parceria estabelecida com o Município de Marabá nos últimos anos tem se mostrado especialmente frutífera, permitindo que os detentos do regime semiaberto atuem em serviços de limpeza urbana e outras atividades de interesse público. Paralelamente, empresas privadas do setor da construção civil têm absorvido mão de obra carcerária, proporcionando experiência profissional e renda aos participantes dos programas.

O impacto dessas iniciativas transcende a simples ocupação do tempo dos detentos, representando uma verdadeira estratégia de preparação para o retorno à vida em liberdade. O trabalho remunerado permite não apenas o sustento próprio e o auxílio às famílias, mas também contribui para a remição da pena, reduzindo o tempo de cumprimento da sentença.

Educação como pilar

Além das oportunidades de trabalho, o sistema carcerário de Marabá tem investido significativamente na educação dos detentos como ferramenta fundamental de ressocialização. Segundo o juiz Berardo, “atualmente temos um número considerável de pessoas estudando”, o que representa uma mudança substancial em relação ao cenário anterior.

O programa educacional desenvolvido no complexo penitenciário abrange diferentes níveis de ensino, desde a alfabetização até cursos profissionalizantes, permitindo que os detentos não apenas completem sua formação básica, mas também adquiram habilidades técnicas que facilitarão sua reinserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena.

A educação no sistema prisional de Marabá funciona também como mecanismo de remição de pena, onde cada dia de estudo corresponde a uma redução no tempo de cumprimento da sentença. Este incentivo tem motivado um número crescente de detentos a participar das atividades educacionais oferecidas, criando um ambiente mais propício à reflexão e ao desenvolvimento pessoal.

Escritório social

Uma inovação significativa no sistema de execução penal de Marabá é o funcionamento do Escritório Social, recentemente remanejado para dentro da Usina da Paz. Este equipamento social representa um avanço importante no atendimento não apenas aos detentos, mas também às suas famílias e aos egressos do sistema prisional.

O Escritório Social oferece uma gama diversificada de serviços, incluindo a retirada de documentação, orientação sobre novas oportunidades de trabalho e educação, além de apoio psicossocial. “Tanto as pessoas egressas do sistema quanto suas famílias têm à disposição ali mesmo serviços como retirada de documentação, novas oportunidades de trabalho, de educação”, explicou o magistrado.

Esta iniciativa reconhece que a ressocialização efetiva não se limita ao período de cumprimento da pena, mas se estende ao momento posterior à liberdade, quando o egresso enfrenta os desafios de reconstruir sua vida em sociedade. O apoio às famílias também é fundamental, considerando que elas frequentemente enfrentam dificuldades econômicas e sociais decorrentes do encarceramento de um de seus membros.

Projetos inovadores

Entre os projetos mais ambiciosos em desenvolvimento no sistema carcerário de Marabá está a construção de uma fábrica de bloquetes dentro do complexo penitenciário. Esta iniciativa representa uma dupla vantagem: proporciona capacitação profissional aos detentos na área da construção civil e gera produtos que podem ser utilizados no calçamento de ruas da cidade.

“Estamos também na construção de um galpão lá, onde serão desenvolvidas atividades de construção de bloquetes, bloquetes que são usados para calçamento de ruas”, detalhou o juiz Berardo. O projeto está em fase avançada de implementação e promete ser um marco na geração de renda e capacitação profissional dentro do sistema prisional.

Paralelamente, está em desenvolvimento a implementação da Central Integrada de Alternativas Penais (CIAP), uma política nacional que tem apresentado resultados positivos em outros estados. A CIAP representa uma mudança de paradigma na abordagem da justiça criminal, focando na aplicação de medidas alternativas ao encarceramento para pessoas que cometem infrações de menor potencial ofensivo.

“Estamos em andamento para conseguir uma área para implementar a CIAP, que é a Central Integrada de Alternativas Penais, que as pessoas que tiverem conflito com a lei, pequenos problemas poderão desenvolver serviços alternativos com maior eficiência”, explicou o magistrado. A CIAP incluirá atividades como rodas de conversa, trabalhos sociais e outras medidas socioeducativas, evitando que pessoas em conflito com a lei ingressem efetivamente no sistema carcerário.

Desafios tecnológicos

Apesar dos avanços significativos, o sistema carcerário de Marabá ainda enfrenta desafios importantes, especialmente na área de tecnologia e infraestrutura. O juiz Berardo destacou que “a internet não está de boa qualidade”, o que impacta diretamente na agilidade dos processos e na comunicação entre os diferentes órgãos envolvidos na execução penal.

A modernização tecnológica é vista como fundamental para otimizar os procedimentos administrativos e judiciais. O magistrado mencionou a necessidade de maior integração de dados com a Secretaria de Administração Penitenciária, visando facilitar o acesso à justiça e aos direitos dos detentos.

Um exemplo prático dessa necessidade é a emissão da certidão carcerária, documento essencial para diversos procedimentos legais. Atualmente, este documento segue um rito burocrático que pode causar atrasos nos processos. O juiz Berardo sugeriu que a Secretaria de Administração Penitenciária poderia disponibilizar eletronicamente essas informações, seguindo o modelo da Justiça Eleitoral com as certidões de quitação eleitoral.

“Por que não a Secretaria de Administração Penitenciária não pode disponibilizar, eletronicamente, falando que o preso está com sua situação carcerária regular? De modo a facilitar aos advogados o acesso a essa documentação”, questionou o magistrado, demonstrando a preocupação com a modernização dos processos.

Garantia de direitos

Um aspecto fundamental destacado pelo juiz Caio Berardo refere-se ao cumprimento dos direitos dos detentos e ao acompanhamento processual. Segundo o magistrado, “hoje, as pessoas privadas de liberdade têm os seus processos totalmente em dia”, representando uma mudança significativa em relação ao cenário anterior.

O acompanhamento processual eficiente é crucial para garantir que os detentos tenham acesso aos benefícios legais no momento adequado, como progressão de regime, livramento condicional e outros direitos previstos na Lei de Execução Penal. O juiz enfatizou que, da parte da justiça, os processos estão atualizados, embora algumas vezes dependam de documentação externa para a tomada de decisões.

“Às vezes, carece de alguma documentação externa. Por exemplo, muitas vezes, é dito assim, o processo está na mesa do juiz, é falado para a família. Realmente, está na mesa do juiz, mas, às vezes, depende do documento, que sem aquele documento, o juiz não consegue decidir”, explicou o magistrado, esclarecendo que eventuais demoras não decorrem de problemas internos da justiça.

Quanto às visitas, direito fundamental das pessoas privadas de liberdade, o juiz Berardo esclareceu que a regulamentação é feita internamente pela administração penitenciária, mas que qualquer cerceamento indevido pode ser comunicado ao Ministério Público, à Defensoria Pública ou diretamente ao juízo. “A visita é uma garantia que a pessoa privada de liberdade tem, qualquer abuso, qualquer cerceamento, a família comunica ao Ministério Público, à Defensoria, e pode trazer também aqui ao juízo”, afirmou.

Abrangência regional

O complexo penitenciário de Marabá não atende apenas à população local, mas funciona como centro de referência para toda a região. Segundo o juiz Berardo, o sistema recebe detentos dos municípios de Itupiranga, São João do Araguaia e São Domingos do Araguaia, além de eventualmente abrigar presos de outros estados que aguardam transferência.

Esta abrangência regional amplia significativamente a responsabilidade e a complexidade da gestão do sistema carcerário local. O atendimento a múltiplos municípios exige uma coordenação eficiente entre diferentes comarcas e órgãos, além de impactar diretamente na capacidade do sistema e na necessidade de recursos humanos e materiais.

A centralização regional também traz desafios específicos, como a manutenção dos vínculos familiares dos detentos oriundos de outros municípios, que podem ter dificuldades para realizar visitas regulares devido à distância. Este aspecto reforça a importância de programas como o Escritório Social, que pode auxiliar as famílias em suas necessidades e dificuldades.

Infraestrutura

O complexo penitenciário de Marabá passou por significativas melhorias estruturais nos últimos anos. Segundo o juiz Berardo, após a inauguração do complexo atual, “ele, de uma certa forma, atendeu ao que havia no momento”, mas como tudo é dinâmico, necessita hoje de algumas adaptações.

Entre as necessidades identificadas estão a ampliação do número de salas de aula para atender à crescente demanda por educação, melhorias na qualidade da internet e manutenção constante das instalações. “Necessita de mais sala de aula, necessita aí… de, por exemplo, a internet não está de boa qualidade, isso depende aí do executivo, do esforço do executivo”, destacou o magistrado.

A questão da manutenção é particularmente importante em um ambiente como o sistema prisional, onde o desgaste das instalações é intenso devido ao uso constante e às condições específicas de segurança. O juiz enfatizou que sempre há necessidade de “um reaparelhamento, sempre está precisando de uma manutenção constante”.

Quadro de Servidores

Uma transformação importante no sistema carcerário de Marabá refere-se à renovação do quadro de servidores. Segundo o juiz Berardo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) conta hoje com “uma safra de novos servidores, concursados”, representando uma significativa renovação em relação ao quadro anterior.

Embora ainda haja carência de pessoal – “o quadro ainda é pequeno, é reduzido” -, a entrada de novos servidores concursados trouxe maior profissionalização e qualificação para o sistema. Esta renovação é fundamental para a implementação efetiva dos programas de ressocialização e para a manutenção da segurança e ordem no complexo penitenciário.

A profissionalização do quadro de servidores reflete também uma mudança na concepção do trabalho penitenciário, que deixa de ser visto apenas como custódia e passa a incorporar elementos de ressocialização, educação e preparação para o retorno à sociedade.

Impacto das intervenções

Questionado sobre o impacto das intervenções realizadas no sistema carcerário, especialmente após episódios de instabilidade como rebeliões, o juiz Berardo reconheceu que, embora não seja possível afirmar que tudo está perfeito, houve avanços significativos. “De uma forma geral, isso foi bom porque… antes não havia uma organização, antes era impossível, nós não tínhamos pessoal trabalhando, nós não tínhamos pessoal estudando”, avaliou.

O magistrado foi transparente ao admitir que “é impossível se dizer que está perfeito e que não há falhas, e que não foram cometidas falhas no período”, mas enfatizou que “hoje existe direitos que estão sendo exercidos, que não eram antes”. Esta avaliação honesta demonstra a consciência sobre os desafios ainda existentes, mas também o reconhecimento dos progressos alcançados.

A comparação com o cenário anterior é particularmente reveladora: a ausência total de oportunidades de trabalho e educação foi substituída por programas estruturados que atendem centenas de detentos. Esta transformação representa não apenas uma melhoria quantitativa, mas uma mudança qualitativa na abordagem da execução penal.

Plano Pena Justa

O trabalho desenvolvido em Marabá está alinhado com as determinações do Supremo Tribunal Federal, especificamente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro. O juiz Berardo mencionou que esta decisão determinou a implementação do Plano Pena Justa “para que a lei seja cumprida na sua integralidade”.

O Plano Pena Justa busca equilibrar a função retributiva da pena com a garantia dos direitos fundamentais dos detentos. Segundo o magistrado, o objetivo é “que seja concedida a pena de uma forma justa, ou seja retribuída, o apenado pague aquilo que deve, mas também tenha seus direitos garantidos”.

Esta abordagem reconhece que a efetividade da pena não se mede apenas pelo tempo de cumprimento, mas pela qualidade das condições oferecidas e pelas oportunidades de ressocialização proporcionadas. O juiz enfatizou que o Estado deve garantir que o detento “cumpra a pena num lugar digno, que ele tenha uma assistência à saúde, como qualquer um tenha, que ele tenha a sua visita garantida, que ele possa sair no momento em que a lei diz que ele tem que sair, e que ele possa ser ressocializado”.

Classificação e avaliação dos detentos

O processo de classificação dos detentos para participação em programas de trabalho externo é realizado pela Secretaria de Administração Penitenciária, através de uma comissão interna especializada. O juiz Berardo esclareceu que esta avaliação “não é diretamente da justiça”, mas sim uma atribuição administrativa da SEAP.

Esta divisão de competências é importante para garantir a imparcialidade do processo judicial e a especialização técnica na avaliação dos aspectos comportamentais e de segurança necessários para a participação em atividades externas. A comissão avalia fatores como comportamento carcerário, tipo de crime cometido, tempo de pena cumprido e outros critérios estabelecidos em regulamentação específica.

Continuidade dos projetos

O sistema carcerário de Marabá encontra-se em um momento de consolidação dos avanços alcançados e de implementação de novos projetos. A fábrica de bloquetes em construção representa não apenas uma oportunidade de capacitação profissional, mas também um modelo de sustentabilidade econômica que pode ser replicado em outras unidades.

A implementação da CIAP promete revolucionar a abordagem da justiça criminal na região, oferecendo alternativas efetivas ao encarceramento e contribuindo para a redução da população carcerária. Este projeto alinha-se com as melhores práticas internacionais de justiça restaurativa e prevenção criminal.

O fortalecimento do Escritório Social e sua integração com outros equipamentos públicos demonstra uma visão sistêmica da questão carcerária, reconhecendo que a ressocialização efetiva requer o envolvimento de múltiplos atores sociais e a articulação de diferentes políticas públicas.

A experiência de Marabá comprova que, com vontade, recursos adequados e gestão competente, é possível transformar o sistema carcerário de um mero depósito de pessoas em um verdadeiro instrumento de ressocialização e justiça social. O caminho ainda é longo, mas os fundamentos estão sendo construídos de forma sólida e sustentável.

O trabalho desenvolvido pelo juiz Caio Berardo e sua equipe representa uma contribuição significativa para a humanização do sistema carcerário brasileiro e para a construção de uma sociedade mais justa e segura. A “eterna vigilância” mencionada pelo magistrado é, ao mesmo tempo, um compromisso pessoal e uma responsabilidade institucional que beneficia toda a sociedade.

(Patrick Roberto | Entrevista: Josseli Carvalho)