Correio de Carajás

Faz sentido cortar gastos sociais?

O debate sobre os gastos sociais no Brasil, que volta a ganhar força em meio às pressões fiscais, está longe de ser uma questão puramente técnica. No fundo, essa discussão reflete escolhas políticas profundas e, mais que isso, diferentes projetos de sociedade que estão em disputa. Trata-se de decidir, como coletividade, qual é o grau de proteção social que se deseja garantir, quais direitos serão preservados e qual papel se espera do Estado na promoção do bem-estar, no enfrentamento das desigualdades e no desenvolvimento do país.

A história mostra que nenhum país alcançou desenvolvimento consistente sem investimentos robustos em educação. O economista Ha-Joon Chang, no livro Chutando a Escada, é claro ao mostrar como as nações hoje consideradas desenvolvidas chegaram lá com forte atuação estatal, investindo na formação de pessoas, no desenvolvimento tecnológico e na indução ao crescimento econômico. Isso não significa que a educação, isoladamente, resolva todos os problemas. Mas significa, sem dúvida, que sem ela não há saída possível. No Brasil, o gasto público em educação gira em torno de 6,2% do PIB, um percentual acima da média dos países da OCDE. Contudo, esse dado esconde uma fragilidade importante: quando se olha para o gasto por aluno, especialmente no ensino básico, o país investe menos de um terço do que aplicam as economias desenvolvidas. Essa distância se reflete diretamente na qualidade do ensino, nas dificuldades de melhorar os resultados educacionais e na enorme barreira para transformar a educação em motor de produtividade e inovação.

O mesmo raciocínio vale para saúde e previdência. Uma sociedade minimamente justa precisa garantir acesso universal a serviços de saúde — não apenas para tratar doenças, mas, sobretudo, para preveni-las. Hoje, o SUS atende mais de 190 milhões de pessoas, mas enfrenta um orçamento apertado. O Brasil destina cerca de 3,8% do PIB para a saúde pública, bem abaixo da média de 6,6% dos países da OCDE. O efeito desse subfinanciamento aparece nas filas, na sobrecarga dos hospitais e na dificuldade de manter funcionando uma rede eficiente de atenção básica — justamente o modelo de cuidado que custa menos e tem maior impacto na redução de doenças.

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Na previdência, o Brasil gasta algo próximo de 13% do PIB, patamar semelhante ao de países desenvolvidos. Mas, no nosso caso, esse custo não se explica apenas pelo envelhecimento da população. Uma parte importante vem das distorções do mercado de trabalho, marcado pela informalidade e pelos baixos salários, que pressionam os regimes assistenciais. Apesar disso, é preciso lembrar que previdência não é só despesa. Ela representa, acima de tudo, um pacto de solidariedade entre gerações — a garantia de que quem trabalhou e contribuiu tenha direito a uma renda para viver com dignidade.

As transferências de renda, por sua vez, cumprem um papel decisivo na redução da pobreza e no fortalecimento das economias locais. O Bolsa Família, que corresponde a cerca de 1,4% do PIB, atende mais de 20 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade. Apesar das críticas recorrentes, os dados são claros: entre 2003 e 2014, o programa ajudou a reduzir em mais de 50% a pobreza extrema, além de melhorar indicadores de saúde, educação e segurança alimentar. Esse dinheiro não fica parado — ele circula no comércio local, especialmente nas pequenas cidades, movimentando a economia e gerando empregos.

Diante desse cenário, não faz sentido tratar os gastos sociais como simples despesas a serem cortadas. O debate precisa estar no lugar certo: no campo das escolhas políticas. Reduzir investimentos em saúde, educação, previdência e transferência de renda não é apenas socialmente desastroso — também tem efeitos econômicos perversos. Além disso, olhar apenas para o lado das despesas desvia a atenção do verdadeiro problema fiscal brasileiro: uma estrutura tributária profundamente injusta, que sobrecarrega o consumo e os trabalhadores, enquanto preserva os privilégios dos detentores de grandes fortunas, lucros e dividendos. A discussão, portanto, não é sobre cortar direitos, mas sobre reorganizar quem financia o Estado.

O que está em jogo, no fim das contas, é que tipo de sociedade queremos construir. Uma sociedade que reconheça saúde, educação, previdência e renda como direitos fundamentais, indispensáveis para garantir dignidade e desenvolvimento? Ou uma sociedade disposta a aceitar mais fome, desigualdade e exclusão, em nome de uma austeridade que nem resolve o problema fiscal, nem promove crescimento econômico? Como sempre, essa escolha é — e sempre foi — política.

Por Giliad de Souza Silva

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.