O sol ainda nem nasceu quando Iraci Souza de Almeida já está de pé. O café quente esquenta o peito antes do dia começar – como ela mesma diz – e, entre cuidar das galinhas, organizar a produção e preparar a colheita, ela segue firme, sem medo do trabalho duro. Aos 56 anos, a marabaense carrega na pele e nas mãos a força da agricultura familiar. Mas, mais do que isso, carrega uma verdade incontestável: é mulher, agricultora e dona do próprio destino.
Filha de agricultores que viveram o ciclo da castanha, Iraci cresceu no campo, aprendendo a cultivar a terra e a respeitar os tempos da natureza. “Meu pai foi castanheiro e minha mãe sempre trabalhou ao lado dele. Foi com a castanha que começamos a plantar”, relembra, com emoção.
A vida, no entanto, a afastou da roça por um tempo – foi garçonete, caixa, cozinheira, tudo na cidade. Mas a paixão pelo campo falou mais alto. Há 11 anos, conseguiu um pedaço de terra de quatro alqueires e meio e nunca mais quis sair dali. Como os 10 irmãos, estudou até a 7ª série e se casou ainda adolescente, tendo três filhos.
Leia mais:E foi nesse pedacinho de terra que construiu a própria história. “Eu vivo basicamente daqui. Não tenho outra renda. Aqui planto feijão, abóbora, macaxeira, cacau. Faço polpa de fruta, crio galinhas e vendo tudo na feira”, conta, com uma voz que carrega, na mesma medida, orgulho e cansaço.

MULHER NA ROÇA: DESAFIO DIÁRIO
Em entrevista ao Correio de Carajás, Iraci reconheceu que a agricultura familiar sempre foi um caminho árduo, mas, para uma mulher sozinha, os desafios dobram. “Minha maior dificuldade já começa pelo fato de ser mulher na roça. Existem coisas que, por mais que eu queira, não consigo fazer sozinha. Tenho que pedir ajuda. Não é fácil”, desabafa.
E as dificuldades vão muito além do trabalho pesado. O preconceito ainda é um dos maiores desafios para as mulheres agricultoras. Muitas vezes, são vistas como incapazes de gerir uma propriedade rural sozinhas. O olhar machista ainda dificulta o trabalho dessas mulheres. Mas Iraci não arreda o pé. Com voz firme e olhar seguro, ela conta que a feira é uma das suas principais fontes de renda. Três vezes por semana, dona Iraci leva os produtos para vender na Feira da 28, em Marabá. “O problema maior não é plantar. O trajeto até lá ainda é uma barreira difícil de romper.”
Sem condições de comprar um veículo, ela se vira como pode.
ENTRE O PRECONCEITO E A SUPERAÇÃO
Morar sozinha em uma propriedade rural ainda causa espanto. Iraci já perdeu as contas de quantas vezes recebeu olhares de desconfiança e perguntas carregadas de preconceito. “Sempre chega alguém aqui perguntando: Cadê seu marido? E eu digo: Eu não tenho marido. Eu sou o homem e a mulher desta casa”. Segundo ela, a reação é sempre de surpresa, como se fosse impossível uma mulher tocar uma propriedade sozinha.
Mas nem sempre a incredulidade alheia se limita a olhares e perguntas. Em meio à conversa, ela relembra um episódio que a marcou profundamente. Um homem chegou à sua propriedade interessado em comprar galinhas e se recusou a negociar com ela simplesmente por ser mulher. “Nesse dia, eu chorei”, confessa.
Apesar de ser dona da própria história, os olhos marejam ao falar sobre os desafios diários. Mas ela segue. Planta, colhe, vende. E na terra onde pisa, cultiva não apenas alimento, mas um legado de trabalho e resistência.
No “pedacinho de chão” onde mora, tudo se transforma em vida. Limão, cupuaçu, acerola, milho, mandioca. A maior parte da renda também vem das polpas que produz e vende. Ela calcula que, ao ano, são cerca de mil toneladas de polpa feitas artesanalmente por suas mãos.

AGROECOLOGIA COMO CAMINHO
Apesar das dificuldades, Iraci não abre mão da qualidade dos alimentos que produz. Suas plantações seguem os princípios da agroecologia, sem uso de agrotóxicos. Com apoio da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), aprendeu sobre compostagem e controle de pragas. Hoje, vende verduras e frutos no Campus 3 da instituição a cada 15 dias.
A compostagem é feita por ela mesma, utilizando defensivos naturais. “Garante comida saudável para as pessoas”, afirma. Mas nem tudo está sob seu controle. Algumas pragas são difíceis de combater, mesmo assim, dona Iraci não desiste.
Para ela, a agroecologia é mais do que um método de cultivo – é um ato de resistência. Num mundo onde o agronegócio domina e os pequenos produtores.
E coragem é o que não lhe falta. Entre o peso da enxada e o peso dos julgamentos, Iraci segue em pé. Planta, colhe, batalha. E prova, todos os dias, que uma mulher sozinha na roça não é sinal de fraqueza – é símbolo de resistência.
(Milla Andrade)