Discutir políticas públicas efetivas para combater o racismo sofrido pelas populações racializadas de Marabá foi a pauta que norteou a reunião realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) nesta quarta-feira (26). O debate incluiu temas como racismo estrutural, institucional e ambiental, violência de gênero, intolerância religiosa e medidas governamentais antirracistas.
Em entrevista ao Correio de Carajás, Gabriela Puggi Aguiar, procuradora da República, explicou que a escuta pública das demandas e o acolhimento das questões apresentadas fazem parte da fase atual dos trabalhos. O próximo passo será a proposição de encaminhamentos, a requisição de informações e o direcionamento de recomendações às instituições públicas de Marabá. A estrutura está relacionada aos temas ligados à educação antirracista, intolerância religiosa, cultural, combate ao racismo ambiental e outras pautas voltadas aos grupos vulneráveis do município.
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Ainda nesse contexto, a violência obstétrica surgiu como uma preocupação para o MPF, sobretudo diante do cenário de mortes maternas e neonatais no Hospital Materno Infantil (HMI).
Leia mais:“É uma questão bastante grave por vulnerabilizar as mulheres, principalmente as negras, que pertencem a um grupo marginalizado”, comenta a procuradora.
Questionada pela reportagem sobre quais políticas públicas o município pode adotar para combater essa violência, ela argumentou que o poder público precisa realizar a coleta qualitativa dos dados, incluindo recortes de raça, classe social e renda familiar.
“Analisando os dados, podemos pensar em políticas públicas. O município, o Estado e a União são responsáveis pela promoção da saúde pública desses grupos vulnerabilizados e precisam propor e adotar medidas específicas, direcionadas a esse grupo”, explica.
Para o Correio, Sadi Flores Machado, procurador regional dos direitos do cidadão no Pará, lembrou que, em 2020, o MPF realizou uma reunião com a mesma pauta. Na ocasião, foram colhidas demandas, e a partir delas a atuação do órgão foi estruturada em relação à fiscalização de políticas públicas sobre o tema.
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“No debate de hoje, podemos aprimorar nossa escuta e interlocução com os movimentos sociais que debatem e trabalham com esse tema. Através desse diálogo, podemos entender de que modo nossa atuação pode ser mais efetiva”, pontua Sadi.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA EM PAUTA
“A gente entende que as mulheres que mais passam por violência obstétrica são as negras. Inclusive, há um termo novo que utilizamos, que é o ‘racismo obstétrico’”, declara Heidiany Moreno, socióloga e militante no combate à violência obstétrica.
Em conversa com a reportagem do Correio, ela detalhou que esses maus-tratos são configurados pela ausência de assistência às mulheres, como o uso de anestesia, e também pela realização de episiotomia (corte cirúrgico realizado no períneo, a região entre a vagina e o ânus, durante o parto) quando não há necessidade — ou até mesmo autorização.
“Defendemos que as mulheres têm direito a um parto seguro, tranquilo e humanizado, seja ela branca ou negra”, complementa.
Ao tratar do tema violência obstétrica, o HMI é automaticamente lembrado, especialmente quando se estuda o recorte racial nas mortes maternas e neonatais. Heidiany apontou que a maioria das mulheres afetadas eram negras e de famílias periféricas da cidade.
Questionada sobre políticas públicas que podem combater — ou amenizar — o problema, ela citou a diretriz do Ministério da Saúde (MS) denominada “Rede Cegonha”, que propõe um programa de humanização com parâmetros, normas e até cursos de humanização baseados em evidências da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do MS.
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“Isso seria algo muito importante para implementar no HMI e no Hospital Municipal de Marabá. Além disso, precisamos melhorar a infraestrutura, algo que precisa ser feito, e também pensar em políticas públicas voltadas para esse público”, conclui.
COMBATE A PRÁTICAS RACISTAS
“Existe um conjunto de práticas racistas que se refletem em uma cidade com mais de 110 anos. Não vemos políticas pautadas na reflexão ou no combate a essas práticas racistas”, denuncia Eric de Belém Oliveira, representante do Coletivo Consciência Negra em Movimento.
O racismo não é intrínseco ao nascimento, mas é construído socialmente. Daí a importância de políticas públicas que viabilizem a educação antirracista (conjunto de estratégias que visam combater o racismo e promover a igualdade racial). Essa realidade pode ser modificada a partir de reflexões, leituras e debates sobre o tema, como argumenta o militante.
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“Além disso, temos questões dentro da realidade da segurança pública, que, infelizmente, perpetuam o estereótipo do criminoso, muito relacionado à população negra”, acrescenta. Ou seja, quanto mais escura a pele de uma pessoa, maior a chance dela ser vista como bandido.
A importância da reunião realizada nesta quarta-feira surge da necessidade de combater esses estereótipos racistas e a violência contra os grupos marginalizados.
“Com a parceria com o MPF e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), esperamos por ações que, no mínimo, obriguem o poder público municipal a se sentar conosco, pois já tentamos promover esse diálogo inúmeras vezes. Lamentavelmente, sem o auxílio desses parceiros, temos muita dificuldade”, revela.
MAIS SOBRE O EVENTO
Estiveram presentes no evento membros de movimentos sociais de Marabá e pessoas ligadas à luta das minorias no município. O diálogo foi conduzido por Gabriela Puggi Aguiar, procuradora da República, e Sadi Flores Machado, procurador regional dos direitos do cidadão no Pará. Inicialmente, a dupla representante do MPF reconheceu que, apesar de liderarem a reunião, os temas abordados não são seus locais de fala, uma vez que ambos são pessoas brancas.
Na dinâmica do debate, os temas educação, cultura, esporte, lazer, racismo, segurança pública e saúde foram levantados um a um, e os presentes foram convidados a contribuir com seus apontamentos.
(Luciana Araújo)