Correio de Carajás

Gabriel Pimenta revive nos murais da Unifesspa

Eles vão além de uma intervenção estética e fazem tributo visual e simbólico ao ativista cuja luta por justiça foi manchada de sangue na década de 1980

Artistas visuais mantêm viva a memória de um ativista assassinado em Marabá de forma violenta

Pincéis deslizam sobre o concreto, transformando paredes em uma grande tela a céu aberto. Sob o olhar atento dos estudantes de Artes Visuais, a arte ganha forma em gestos precisos e expressivos. Cada detalhe é pensado para rememorar a história, e cada cor escolhida carrega um significado.

Os murais que nascem no campus da universidade vão além de uma intervenção estética. São um tributo visual e simbólico a Gabriel Sales Pimenta, ativista cuja luta por justiça inspira cada traço dessa obra coletiva. A parede, antes apenas parte da paisagem, torna-se um palco de expressão artística e política, onde cada pincelada carrega não apenas tinta, mas também memória e resistência.

Gabriel Sales Pimenta nasceu em 20 de novembro de 1954, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e, alguns anos depois, decidiu dedicar-se à advocacia em prol dos trabalhadores rurais. Atuou inicialmente em Porto Nacional, Goiás, e posteriormente em Conceição do Araguaia e Marabá, no Pará.

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Em Marabá, destacou-se como advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, defendendo cerca de 160 famílias na região de Pau Seco contra latifundiários locais. Sua atuação resultou na primeira vitória judicial em favor dos sem-terra na região, contrariando interesses de grandes proprietários. Contudo, essa postura combativa levou ao seu assassinato em 18 de julho de 1982, aos 27 anos, dias antes da audiência que julgaria o mérito da ação dos posseiros. Os suspeitos do crime foram indiciados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado, mas ninguém nunca foi preso.

Após todas as instâncias da Justiça brasileira terem sido esgotadas, o processo sobre o assassinato de Gabriel Pimenta tramitou na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por 19 anos. Em outubro de 2022, a Corte condenou o Brasil por “graves falhas” no sistema judicial, que resultaram na impunidade dos responsáveis pelo crime. Como parte da sentença, o governo brasileiro foi obrigado a tomar medidas reparatórias, incluindo um pedido público de desculpas à família de Gabriel Pimenta, o pagamento de indenizações e a nomeação de uma praça em Marabá (PA) com seu nome.

O legado de Gabriel Pimenta permanece vivo em Marabá. Uma escola estadual e um bairro na cidade foram nomeados em sua homenagem, reconhecendo sua dedicação aos direitos dos trabalhadores rurais. Em 2024, o Estado brasileiro, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, fez um pedido oficial de desculpas à família de Gabriel, reconhecendo a responsabilidade pela impunidade que se seguiu ao seu assassinato. Sua memória continua a inspirar a luta por justiça social e direitos humanos no Brasil.

Cada traço é um lampejo em favor da memória de quem se dedicou na luta por justiça social

Sobre os murais

Os murais são resultado do incentivo do edital municipal de apoio à cultura em movimento, promovido pela Prefeitura Municipal de Marabá. Essa iniciativa, amparada pela Lei Complementar 195/2022 – Lei Paulo Gustavo, premia produções culturais em múltiplas linguagens na cidade. O projeto selecionado consiste na confecção de cinco painéis utilizando técnicas de arte urbana como lambe-lambe, estêncil e graffiti. A iniciativa surgiu a partir do pedido de desculpas do Estado brasileiro à família de Gabriel Pimenta e de acontecimentos correlacionados à luta camponesa

O artista plástico Thiago Martins, responsável por conduzir a oficina de ativismo criativo, desenvolveu os murais em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis (PROEX). Dos cinco painéis propostos, dois foram realizados na Unifesspa, nas Unidades I e III do Campus Marabá. A oficina contou com estudantes de Artes Visuais, que participaram ativamente do processo de confecção dos painéis. Com experiência em intervenções artísticas desde 2010, Thiago tem abordado temas como meio ambiente, mineração e direitos humanos em suas produções.

O artista destaca a importância do espaço proporcionado pela universidade para a divulgação de questões sociais, contribuindo na luta contra a impunidade na região, no Brasil e na Amazônia. “Tem sido uma experiência muito gratificante ver a participação dos estudantes na oficina e o impacto gerado pelo mural, que já está recebendo interações do público, como gravações de vídeos e comentários sobre a história de Gabriel Pimenta”, declara.

Para ele, a universidade precisa de mais espaços de intervenção artística. Thiago observa que, em uma região marcada por conflitos, o silêncio visual da universidade pode transmitir uma sensação de opressão. Dessa forma, a arte se torna uma ferramenta de expressão e resistência.

(Fonte: Unifesspa)