Nem a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e nem o Ministério da Saúde dimensionaram ainda o real impacto que vai recair sobre a população mais pobre do país após o rompimento do contrato entre o governo de Cuba e do Brasil no Programa Mais Médicos. O governo cubano anunciou o fim da participação de médicos cubanos no programa, que atendia prioritariamente à população em municípios e localidades identificados pelo governo federal com baixo atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No Pará – estado que inspirou a criação do programa, em 2013 -, 542 médicos atendem à população de localidades mais carentes e longínquas, em 121 cidades, segundo a Secretaria de Saúde (Sespa). São municípios que sempre enfrentaram dificuldade para contratar profissionais da área, por causa das distâncias e complexidades para fazer o atendimento necessário.Em 2013, quando criou o Programa Mais Médicos, o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse ao DIÁRIO que os problemas enfrentados pela população da Ilha do Marajó “serviram de inspiração” para acriação do novo programa.
A região é a que apresenta a pior concentração de médico por habitante do país. Os gestores municipais não conseguem manter profissionais de saúde nos municípios, mesmo oferecendo altos salários e boas condições de trabalho, como unidade de saúde equipada, aparelhos paraexames e medicamentos.
Leia mais:Padilha afirmou que o Marajó seria prioridade dentro do programa. “Foi pensando no problema enfrentado pela população que criamos o programa. Vamos dar mais segurança para que o médico fique nos municípios do Marajó”, disse, no dia do lançamento.
Hoje, cubanos estão em todos os 17 municípios do Arquipélago do Marajó. São 83 profissionais, sendo que 11 deles residem e atendem à população de Breves, o maior deles. Mesmo os mais distantes, como Chaves, Afuá, Ponta de Pedras, Curralinho e Portel, são atendidos quase que exclusivamente pelo Programa Mais Médicos. O prefeito de Breves, Antônio Augusto, disse ao DIÁRIO que a notícia sobre o cancelamento do Programa Mais Médicos por parte do governo de Cuba caiu como uma bomba na região. “Desesperados”, foi a palavra que ele usou para descrever a situação. Antônio Augusto contou que o feriado de 15 de novembro foi um dia de grande tristeza e preocupação para os quase 500 mil habitantes que vivem no arquipélago.
Todas as regiões do Estado serão prejudicadas com a saída dos profissionais
Durante muitos anos, as prefeituras locais lutaram para conseguir manter médicos residentes em suas comunidades. Chegaram a oferecer salários altíssimos para profissionais brasileiros, que nunca se interessaram em ir socorrer a população da região. “Estamos passando por uma situação muito difícil, sem saber o que vamos fazer de agora para frente”, revelou o prefeito de Breves, Antônio Augusto.
Os médicos cubanos estão presentes em todas as regiões do Pará, sobretudo nas mais distantes, como nos municípios do Baixo Amazonas. Óbidos, Juruti, Curuá, Alenquer, Monte Alegre, Oriximiná, entre todos os demais dependem exclusivamente do trabalho exercido pelos médicos cubanos que começaram a desembarcar no Pará em 2013.
São também os cubanos que aceitaram morar dentro das reservas indígenas. Hoje eles estão presentes dentro dos quatro principais Distritos Sanitários Indígenas (Disei): Guamá Tocantins (oito profissionais); Altamira (quatro); Tapajós (oito); e Kaiapo do Pará (seis).
Volta para Cuba deve começar no dia 25
Após o anúncio do fim da parceria de Cuba com o Mais Médicos, a previsão é que médicos cubanos que atuam no programa federal comecem a deixar o país já no dia 25 deste mês. A saída deve ser gradual, separada por regiões. Em alguns dias, haverá mais de um voo de volta ao país caribenho.
O Ministério da Saúde admite que, apesar de estados como São Paulo, Bahia e Minas Gerais terem a maior concentração de médicos cubanos participantes do programa, estados do Norte e Nordeste, que já apresentam uma menor quantidade de médicos pelo SUS serão os mais prejudicados.
O governo de Cuba anunciou a retirada o encerramento do programa em parceria com o governo brasileiro na última quarta (14), citando “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras” feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro à presença dos cubanos no Brasil. O país tem uma parceria com a Opas, que estabeleceu o acordo com o Ministério da Saúde brasileiro para enviar profissionais do país. O acordo foi firmado há cinco anos pelo governo de Dilma Rousseff.
“O Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do Programa Mais Médicos e assim comunicou à diretora da Opas e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam a iniciativa”, informa a nota.
Em agosto, ainda em campanha, Bolsonaro declarou que “expulsaria” os médicos cubanos do Brasil com base no exame de revalidação de diploma de médicos formados no exterior, o Revalida.
No Brasil, 28 milhões de pessoas serão afetadas
Após a decisão do governo cubano, Jair Bolsonaro fez sua manifestação pelas redes sociais. “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou”, escreveu, no Twitter.
Ele disse ainda que “além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”. O presidente eleito acrescentou que “Cuba fica com a maior parte do salário dos médicos cubanos e restringe a liberdade desses profissionais e de seus familiares”. “Eles estão se retirando do Mais Médicos por não aceitarem rever esta situação absurda que viola direitos humanos.Lamentável!”, publicou.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) diz que a saída dos cubanos afetará 28 milhões de pessoas.
Para a Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (Famep) e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Pará (Cosemspa), a saída dos cubanos agravará de forma significativa o acesso e o direito à saúde da população paraense. As entidades também pediram para o novo governo de Jair Bolsonaro rever a decisão.
(Diário do Pará)