Correio de Carajás

Reajuste do salário mínimo impacta o trabalhador e o cenário local

Em entrevista ao Correio de Carajás, o economista Giliad Silva analisa o real poder de compra do assalariado diante do reajuste

Mesmo com o aumento salarial, Esdra Goty precisa fazer dois turnos em busca de renda extra

O novo valor do salário mínimo é de R$ 1.518, o que representa um aumento de 7,5%, ou seja, R$ 106 a mais que no ano passado, mas na prática, o poder de compra do assalariado aumenta com este reajuste? Para a auxiliar de serviços gerais, Esdra Goty, que mora em Parauapebas, a resposta é não. “Para mim não muda nada porque quando eu chego no supermercado tudo já dobrou de preço”, diz.

Conforme a trabalhadora, este aumento de R$ 106 representa apenas a compra de um pacote de arroz, um pacote de feijão e um pouco de carne. “E o pacote de arroz é do pequeno, que custa R$ 12. A gente passa a ganhar mais, porém, tudo fica mais caro também, não dá nem para fazer estratégias para economizar”, observa.

O valor do salário de Esdra basicamente é destinado a pagar as contas de água, energia e o medicamento para a diabetes. Por isso, a alternativa encontrada por ela para incrementar a economia em casa é aderir à renda extra. A auxiliar de serviços gerais mantém, além do trabalho formal, uma barraca de guaraná da amazônia, onde atua no período noturno.

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Impacto do Salário Mínimo

O portal Correio de Carajás conversou com o professor de Economia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Giliad de Souza Silva, sobre o reajuste do salário mínimo.

Conforme ele, o impacto do reajuste do salário mínimo na economia do país, especialmente no poder de compra dos trabalhadores que ganham esse valor, é um tema de grande relevância para a teoria econômica e para a concretização da economia em si.

Giliad Silva: “O Brasil tem um rendimento médio para quem vive dos salários menor do que os países parecidos com ele, no entanto, nós temos um problema político que é de fazer com que salários cresçam”

O salário mínimo é uma das formas mais convencionais de distribuição de renda, sendo parte da renda do trabalho. Essa forma de rendimento se distingue da renda do capital, que inclui lucros e outros rendimentos derivados, como juros e royalties.

Silva destaca que uma particularidade do salário é que ele tende a ser gasto integralmente em consumo. Isso ocorre porque os trabalhadores, em geral, utilizam grande parte do salário para adquirir bens e serviços.

Essa característica do salário tem o efeito de movimentar a economia local de maneira mais direta e rápida. Por exemplo, ele pode impulsionar o comércio de bairro, as vendas de frutas, eletrodomésticos e outros bens de consumo.

O aumento do salário mínimo tem um impacto positivo inicial na economia, especialmente no comércio local. No entanto, também apresenta outro aspecto: ele é um custo para as empresas, em particular para as pequenas, que têm nos salários uma parte significativa de seus custos operacionais. Por exemplo, em uma loja de calçados, uma porção considerável dos custos está relacionada ao pagamento de salários. Isso significa que, embora o salário seja uma fonte de renda para o trabalhador, ele também representa um custo para o empregador.

Toda vez que há um aumento no valor do salário mínimo, há também uma elevação nas despesas do governo com esses benefícios, o que gera uma pressão fiscal. Ou seja, o aumento do salário mínimo pode ter um efeito indireto, aumentando a carga fiscal sobre o Estado, devido ao aumento das despesas com benefícios.

Por outro lado, o aumento do salário pode gerar um efeito positivo para o Estado, pois ao aquecer a economia e aumentar o consumo, ele contribui para o aumento das arrecadações fiscais. O maior consumo nos mercados locais leva a um aumento nas vendas, o que, por sua vez, gera mais impostos para o governo.

Assim, podemos entender que o salário mínimo tem três efeitos principais:

1° – Como fonte de renda que aquece a economia, principalmente no comércio e serviços locais.

2° – Como um custo para os empregadores, em especial para os pequenos empresários e prestadores de serviços.

3° – Como um fator que afeta a fiscalidade do Estado, tanto ao gerar pressões fiscais devido ao aumento dos custos governamentais, quanto ao contribuir positivamente para a arrecadação de impostos através do aumento das atividades econômicas.

Cenário em Marabá

Giliad Silva também fez uma análise detalhada sobre os impactos no município de Marabá. Nos últimos 10 a 15 anos, diz, a cidade tem sido impactada por grandes empreendimentos, como a duplicação da Transamazônica e a construção de pontes, além de projetos como a Alpa. Estes investimentos, de acordo com o especialista, impulsionaram a construção civil e têm empregado muitos trabalhadores.

Esse desenvolvimento gera benefícios para o comércio e serviços, mas também pressiona o mercado imobiliário, elevando os preços de aluguel, afetando principalmente as classes mais baixas.

Além disso, o aumento da atividade econômica eleva os preços de bens essenciais, como a cesta básica. Nesse cenário, o reajuste do salário mínimo é crucial para garantir que o poder de compra dos trabalhadores não seja comprometido. No setor da construção civil, que geralmente paga salários atrelados ao piso mínimo, o reajuste também ajuda a regular a remuneração dos trabalhadores.

Por outro lado, o aumento do salário mínimo pode aquecer o comércio e os serviços, estimulando as vendas, mas também pressiona os custos operacionais, especialmente para os pequenos empresários. Assim, o impacto do aumento do salário mínimo em Marabá é ambíguo: por um lado, melhora a qualidade de vida e aquece a economia local, mas, por outro, pode aumentar os custos para o comércio e o setor imobiliário. Quando bem dosado, o reajuste pode equilibrar esses efeitos e ajudar o município a crescer de forma sustentável, analisa o economista.

Um olhar sobre a teoria econômica do salário mínimo

De acordo com o professor, do ponto de vista da teoria econômica, o aumento do salário mínimo deve acompanhar o crescimento da produtividade, garantindo que os salários aumentem na mesma proporção da capacidade de produção da economia, sem gerar grandes pressões de custo. No entanto, medir o crescimento da produtividade por setor é complexo, devido à interdependência entre eles. Entre 2004 e 2015, os salários cresceram mais que a produtividade, o que acelerou a economia, mas também gerou pressões sobre os custos e contribuiu para uma crise econômica, pontua Giliad.

Entretanto, antes disso, entre 1990 e 2004, a produtividade cresceu mais que os salários, o que significava que a riqueza gerada no Brasil não beneficiava os trabalhadores, mas o capital. Comparado a países com renda semelhante, o Brasil ainda tem espaço para aumentar os salários sem comprometer a competitividade, mas o principal obstáculo é político.

“Em síntese, a minha avaliação é que o Brasil tem um rendimento médio para quem vive dos salários menor do que os países parecidos com ele, no entanto, nós temos um problema político que é de fazer com que salários cresçam, basicamente, empresários têm tido maior capacidade de influenciar essa regulação salarial do que quem vive do salário”, finaliza o economista.

(Theíza Cristhine)